Coluna O Direito e Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan
No último mês de agosto pude defender a minha dissertação de mestrado na qual abordei o consumo de educação, mais especificamente o de ensino superior em instituições privadas. Durante a arguição fui questionada se eu entendia que a educação era uma prestação de serviço ou um produto a ser consumido, já que a excelente banca informou que não havia clareza sobre o posicionamento.
Explico: não há clareza mesmo. É um questionamento que segue pulsando por aqui.
No meu trabalho havia a proposta de um formulário questionando sobre as expectativas e opiniões dos estudantes e também dos já formados, quanto ao posicionamento, se as pessoas que foram convidadas a participar se viam como clientes ou apenas alunos nessa relação construída entre instituição e estudante. Outros questionamentos davam conta de atribuir um perfil demográfico, bem como sinalizar quais instituições foram citadas, entre outros. As respostas obtidas indicam o entrelaçamento dos conceitos que ora se mostram como a doutrina jurídica indica, como uma prestação de serviço, ora se mostram como um produto a ser consumido.
Um dia após o ocorrido uma propaganda de escola surgiu no feed do Facebook. Nele a mesma apresentava “combos” da modalidade de educação infantil para estudantes, explicando o que havia em cada um dos 8 oferecidos. As informações davam conta do ensino regular, de turno inverso e estendido, apresentando os horários que os mesmos funcionam, havendo ainda opções de horários, e a opção para o aluno de estudar um outro idioma com o objetivo de tornar-se bilíngue. A impressão inegável sobre o anuncio é de que realmente estamos diante de um produto a ser consumido. Tal qual o restaurante do palhaço que oferece diversos combos que contam com possibilidades para o lanche e são amplamente divulgados em painéis e propagandas, a educação se mostra sendo vendida com modalidade, carga horária e o que mais possa vir nesse combo.
Barber indica uma expressa infantilização do adulto já que "as pessoas cada vez mais se recusam a agir de acordo com sua idade" [1], o que indica uma nova forma de comportamento cultural sendo forjado, que molda a identidade da coletividade global em relação ao consumismo. A importação de linguagem simplificada como a de um cardápio de restaurante aplicada a escolha do modelo de educação infantil que o filho frequentará demonstra que as estratégias de marketing que são direcionadas a um público infantilizado estão ganhando força.
Barber ainda indica que eram as instituições educacionais o contraponto à cultura do comércio mas que hoje se dobram a ele, uma vez que a corporatização moderna adentrou esses ambientes e eles precisam atrair mais pessoas para ter ganhos financeiros[2].
É de se retomar o que diz Baudrillard sobre as disposições de bens de consumo intencionalmente para que se consuma, e se pague, mais. Combos foram criados para isso. Para dar a sensação de ganho sobre o conjunto. Tradicionalmente, em restaurantes, comprando isoladamente cada item, o valor é maior do que o mesmo item dentro do combo. É a sensação de ganho que faz parte da experiência do consumir. Hoje compra-se pela experiência [3].
A publicidade vai muito além da propaganda mais óbvia. O conjunto de elementos, cores, formas, entre outros, ajuda a disparar lembranças. Se o consumidor não está atento a como são apresentados os elementos, fica fácil de ser exposto a propaganda ainda que não querendo [4].
Nas prateleiras da educação seguem sendo oferecidos diversos cursos em conjunto com a educação básica (com as demais também, mas fica o assunto reservado para outro momento), vendendo aos responsáveis experiências que podem ser enriquecedoras aos pequenos, mas que precisam ser avaliadas se são apropriadas tanto no quesito faixa etária quanto na maturidade da criança. Entra em jogo também a questão financeira da família, uma vez que proporcionar diversidade de experiências não é algo barato. Discernimento e pesquisa devem ser os norteadores, não podendo ser admitido que escolhas do tipo sejam feitas tal qual lanches em uma praça de alimentação.
Notas e referências
[1] BARBER, Benjamin R. Consumido: como o mercado corrompe crianças, infantiliza adultos e engole cidadãos. Tradução de Bruno Casotti. Rio de Janeiro: Record, 2009.
[2] Ibid.
[3] BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 2008.
[4] LINDSTROM, Martin. A lógica do consumo - verdades e mentiras sobre por que compramos. Tradução: Marcello Lino. Rio de Janeiro: Harper Collins Brasil, 2016.
Imagem Ilustrativa do Post: SYMMETRICAL 35/52 // Foto de: Dennis Skley // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/dskley/9624582390/in/
Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/