Publicidade, o canto da sereia consumidora da morte

07/12/2018

 

Antes de dar início à linha de pensamento a ser  trilhada neste breve ensaio, sugere-se ao leitor que passe os olhos - ainda que brevemente - sobre as reflexões construídas em texto previamente publicado nesta coluna[1]. Isso porque as ponderações lá exploradas alicerçam e complementam, em alguma medida, o conteúdo aqui abordado, especialmente no tocante às características que delineiam a força da publicidade na sociedade de consumo e seu papel enquanto arte oficial da sociedade capitalista.

Questiona-se, a partir dos apontamentos construídos no texto sugerido - o qual, repise-se, confere alguns dos contornos necessários para a adequada compreensão deste - sobre as consequências desencadeadas quando esta forma particular de arte manipula diretamente os instintos políticos da sociedade sobre a qual exerce seus encantos - vale dizer, a sociedade em que vivemos.  Mais precisamente: o que acontece quando o impulso das mercadorias canta a libertação da pulsão de morte do humano?

Diante dessa primeira abordagem, mostra-se pertinente, retomar o canto das sereias inscrito na Odisseia: aquele canto do qual Ulisses prepara-se para escapar avisando aos seus companheiros que o prendam no mastro sem soltá-lo, mesmo que peça aos prantos. Ao mesmo tempo, Ulisses alerta os marinheiros que tapem seus ouvidos. Segundo Theodor Adorno, o canto das sereias apresenta-se tão sedutor que seria impossível deixar de mover-se em sua direção.

Gostaríamos de alterar a direção da reflexão, ao invés de propor a publicidade e suas técnicas permitam um toque lascivo e encantador de todos aqueles que passam, sigamos com a interpretação de Peter Sloterdijk: não há nenhum atrativo próprio no canto das sereias, o segredo está em apresentar exatamente os cantos que os ouvidos passantes anseiam a escutar.

Isso significa que a música das sereias baseia-se na possibilidade de dar um passo adiante nos desejos do ouvinte, ou seja, o canto não arrebata o sujeito desde fora: ao contrário, realiza-se no âmago emocional deste. Ulisses e as sereias podem renovar o entendimento de uma teoria da comunicação emotiva nas grandes sociedades, sua verdadeira peculiaridade atrativa é fazer ouvir o próprio canto tocado em público. A alegria da seletividade de si em meio aos outros e o destaque tão reforçado do que quer ser ouvido. Ouvinte intocado pelo som de si segue desconsiderando qualquer outro coro, canto ou música, guarda-se cuidando de sua própria vida ignorando sons-Outros. 

Daí o dever de ser feliz pelo consumo carrega a socialização para a ignorância aos não felicitados da sociedade. Seus gritos, embora bem audíveis, são ignorados na artimanha da canção publicitária, e mais, conecta a canção social ao íntimo de ódio existente em cada ouvinte. Quando todos passam a ouvir a mesma música da mercadoria, só se pode ter uma resposta, a dança coletiva da morte, o íntimo sobressai para partilhar coletivamente o ódio. No Brasil passamos a ouvir essa canção mais forte, ensaiada. A nova música conectada pela publicidade até a intimidade faz surgir um coro político consumado que animará os rituais de consumo da morte para que o humano possa devorar a si mesmo de uma vez por todas.

 

Notas e Referências

[1] http://emporiododireito.com.br/leitura/a-dificuldade-de-efetivar-o-direito-a-informacao-em-meio-ao-imperio-da-publicidade-alguns-apontamentos

 

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