Psicanálise e Mediação: pulsão de vida como elemento transformador do Conflito

06/04/2018

A respeito da processualística jurídica atualmente instaurada, mormente com o Novo Código de Processo Civil efetivado em 2015, o cenário legalista da tradicional rota litigiosa tem causado severos danos à pretensão cidadã, apesar de o novo dispositivo estar em pleno funcionamento na prática forense e cultuar a postura do consenso.

Isto porque os cidadãos, ao ingressarem com uma ação ante ao Poder Judiciário, transformando-se em jurisdicionados e dependendo do sistema a partir de então, deparam-se com uma caótica conjuntura de morosidade, na maior parte das vezes sendo de alto custo ao cidadão e ainda assim podendo promover imprevisibilidade prestacional, em que pese a credibilidade advinda da via judiciária.

Neste sentido, não obstante às dificuldades encontradas pelos jurisdicionados que os desmotivam a procurar seus direitos de modo efetivo, o Poder Judiciário emergiu em seu novo Códex novos enfoques de resolução de demandas, os quais conhecemos por Mediação, Conciliação e Arbitragem - estes enaltecidos, com a ressalva de muito anteriormente, no cenário jurídico nacional e internacional, já darem sinais de sua existência.

Conquanto a nova categoria de resolução de disputas ser uma tenra metodologia de pacificação para além do Poder do Estado, encontram-se estes métodos ancorados em, necessariamente, certa multidisciplinariedade, em especial a Mediação de Conflitos.

A Mediação caracteriza-se pelo seu procedimento sem protagonismos, isto é, sem um Estado-Juiz a decidir pelas partes demandantes. É imbuída de peculiaridades que transcendem a dogmática jurídica, deste modo alcançando direta relação com campos que tratem não apenas da problemática – como o faz o Direito – mas buscando amparo em ciências afins que se distinguem por estudar o Ser Humano em suas complexidades, tal como a Psicologia, e considerar as singularidades individuais e suas cargas psicossociais em detrimento de um sistema gregário, conjuntura em que ocorrem os conflitos.

Parte-se do pressuposto que a confluência da dinâmica mediativa em face de outras competências muito se relaciona com outras epistemologias cuja performance recaia sobre a Sociedade. A Mediação de Conflitos não é unívoca e pode entrelaçar-se com toda o campo de conhecimento que trate da coletividade, sem prejuízo ao seu objeto da demanda. Em permanente evolução, a própria vivência humana já necessita uma mediação, mesmo que individualmente, com nossa autoconsciência. Mediar entre nós e nosso inconsciente desejos, angústias, medos e dificuldades exige certo balizamento, para que não sejamos reféns das armadilhas do nosso ego.

Neste sentido, a Psicanálise como ciência, desenvolvida por Sigmund Freud e aportada pela Psicologia, fornece ao Mediador ferramenta interessante de desenvolvimento oportunizando certa eficácia a partir de sua metodologia. Este campo do conhecimento traz a característica de “apuração de antigas condutas”, bem como a “livre associação de ideias” como pontos principais estruturantes.

É sabido que, dentro da sessão de Mediação, são expostas pelas partes litigantes as suas posições. É no momento inicial, quando surge a oportunidade de ser demonstrado o conflito como se é, que os mediandos expõem o sobressalente que os desconforta.

A partir daí, pelas partes é possível identificar os posicionamentos, conquanto o mediador já tem consciência que abaixo disto encontram-se, na verdade, os reais interesses que motivam aquela determinada lide. O mediador, nesta conjuntura, faz as vezes do Psicanalista, vez que se ocupa em não propriamente analisar – no sentido etimológico da palavra – as pessoas, mas em ocupar-se com percepção aguçada tanto daquilo que é dito, quanto daquilo que não está aparente.

À título de ilustração, na sessão psicanalítica onde há o paciente e o psicanalista, o primeiro faz uma espécie de braimstorming histórico-existencial, onde relata sem cronologia necessária toda e qualquer informação advinda da sua infância e seu período em desenvolvimento até àquele instante.

Desta maneira pode-se relacionar com sucesso as experiências psicanalíticas com a prática da Mediação. Se, por um lado, o cliente vai até o psicanalista para descobrir causas de determinados efeitos, os mediandos se valem da Mediação para dirimir pontos nevrálgicos dos seus conflitos de ordem vivencial ou social.

O psicanalista não se coloca no lugar do seu cliente, assim como o mediador não o faz com seus mediados. Pelo mecanismo psicanalítico da “transferência” – repasse inconsciente de informações antepassadas (antigas) ao interlocutor do momento presente – há por parte do psicanalista ou do mediador o deslocamento de responsabilidade aos clientes ou mediados de modo a estimular não somente a resolução da questão proposta como uma maior experiência Consigo e com o Outro, dentro da perspectiva da Alteridade e da Sociabilização.

Tanto o mediador quanto o psicanalista atuam de modo a conduzirem tais prospecções – ditas e não-ditas – ao terreno das pulsões de vida, retirando-as do nebuloso cenário das pulsões destrutivas – ou pulsões de morte. Pulsão de vida, em suma, significa uma energia vital interna construtiva, positiva; pulsão de morte, por sua vez, caracteriza-se como energia interna vital destrutiva. A primeira, apresenta-se como perspectiva ideal do gestor de conflito e do psicanalista, posto que ambos atuam de modo a transformar – converter positivamente – a demanda.

Do mesmo modo que um psicanalista, o Mediador de Conflitos tem a consciência intrínseca de que é necessário um conjunto de saberes para atuar naquela questão. Os envolvidos na lide carecem, em cada caso, de um cuidado especial e um contexto compreensivo sem julgamentos neste sentido, daí a postura “analítica”, tendo o gestor do conflito a responsabilidade de adequar-se conforme as reais necessidades do caso.

Tanto com pacientes na Psicanálise quanto dos sujeitos em Mediação, as palavras por muitas vezes contidas no inconsciente, quando expostas, provocam uma instantânea atenuação de cargas psíquicas advindas de conflitos anteriores, daí a relevância de transportar o conflito às pulsões de vida.

Assim emergem o mediador e o psicanalista como fios condutores – mas não protagonistas – de possíveis mudanças de comportamento e/ou humanização das interrelações sociais, através da adoção da escuta ativa, bem como de posturas e práticas compassivas à conduzir os próprios sujeitos a melhores relações sociais e individuais, contribuindo não somente à experiência jurídica e real alcance de suas utopias, tal como possibilitando experiências mais Humanas.

 

REFERÊNCIAS:

Referência: WARAT, Luís Alberto et al (Org.). Em nome do acordo: a mediação no Direito. Florianópolis: EModara, 2018. 104 p.

CAROPRESO, Fátima; MONZANI, Luiz Roberto. Vivência de dor e pulsão de morte na teoria freudiana do aparelho psíquico e das neuroses. Rev.Mal-Estar Subj,  Fortaleza ,  v. 12, n. 3-4, p. 607-638, dez.  2012.   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482012000200005&lng=pt&nrm=iso>. Acessos em 12  mar.  2018.

FREUD, Sigmund. A dinâmica da transferência, 1912. In: ______. O caso de Schreber e artigos sobre técnica. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 107-120. (Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 12).

FREUD, Sigmund. Além do princípio de prazer, 1920. In: ______. Além do princípio de prazer. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 11-75. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 18).

 

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