Por Fernanda Mambrini Rudolfo - 24/03/2015
Muito se fala sobre o princípio da proporcionalidade. É raro haver uma decisão judicial que não faça a ele referência. É uma espécie de argumento que se aplica a qualquer espécie de posição que se deseje respaldar, tendo em vista que a maior parte dos que se valem desse princípio nem sequer sabe o fundamento teórico do postulado.
Cuida-se, pois, de uma utilização semelhante à do vinagre ou da água oxigenada na época de nossos avós. Ainda que há muitos anos se admitisse o uso dessas substâncias para a cura de todas as doenças e a solução de todos os males, hoje se sabe que – ainda que eventualmente ajudem – não são hábeis a resolver muitas das situações e, em diversos casos, podem até mesmo prejudicar.
A ausência do conhecimento necessário à correta aplicação do princípio da proporcionalidade pode ter consequências ainda mais graves do que passar água oxigenada nos olhos ou jogar vinagre na terra e acabar por matar todas as plantas. Isso, porque seu uso indevido não passa de um artifício para justificar qualquer decisão que se tome carente de fundamentação (exigência constitucional), ou seja, pretende mascarar o decisionismo.
Interessa, pois, esclarecer que a doutrina conceitua de forma diversa o princípio da proporcionalidade, razão pela qual, antes de utilizá-lo como fundamento, é necessário definir o marco teórico da decisão. A respeito do tema, cabe transcrever a seguinte lição:
O fundamento do princípio da proporcionalidade é apreendido de forma diversa pela doutrina. Vozes eminentes sustentam que a base do princípio da proporcionalidade residiria nos direitos fundamentais. Outros afirmam que tal postulado configuraria expressão do Estado de Direito, tendo em vista também o seu desenvolvimento histórico a partir do Poder de Polícia do Estado. Ou, ainda, sustentam outros, cuidar-se-ia de um postulado jurídico com raiz no direito suprapositivo. [i]
Não se trata de preciosismo acadêmico, mas de definição conceitual que tem elevada repercussão prática e que integra parte imprescindível da decisão judicial. Assim, de forma extremamente breve, segue um apanhado das principais teorias concernentes ao tema em discussão.
Dentro do modelo de princípios, considera-se possível falar em restrição a direitos fundamentais. As normas só poderiam restringir os direitos fundamentais se fossem compatíveis com a Constituição (porque os direitos fundamentais têm hierarquia constitucional). Os princípios também poderiam restringi-los, mas seria necessário um sopesamento entre o princípio constitucional atingido e aquele que o restringe. A propósito, extrai-se da obra de Robert Alexy: "Da natureza principiológica das normas de direitos fundamentais decorriam não apenas a restrição e a restringibilidade dos direitos fundamentais em face dos princípios colidentes, mas também que sua restrição e sua restringibilidade têm limites." [ii]
Assim, a garantia do conteúdo essencial não criaria, em relação à máxima da proporcionalidade, nenhum limite adicional à restringibilidade dos direitos fundamentais. Bastaria, de acordo com Robert Alexy, que as razões que justificam a afetação de um direito tivessem a mesma relevância que o desequilíbrio causado:
A lei do sopesamento exige, no caso de um aumento na intensidade da afetação da liberdade, que o peso das razões que fundamentam essa afetação também aumente. [iii]
Há, destarte uma estreita conexão entre a teoria dos princípios e a máxima proporcionalidade. Bem a propósito: "Segundo a teoria relativa, o conteúdo essencial é aquilo que resta após o sopesamento. Restrições que respeitem a máxima da proporcionalidade não violam a garantia do conteúdo essencial nem mesmo se, no caso concreto, nada restar do direito fundamental. A garantia do conteúdo essencial é reduzida à máxima da proporcionalidade." [iv]
Robert Alexy defende, por exemplo, que a solução para conflitos entre a liberdade e outros direitos é a própria relativização da incompatibilidade com os direitos fundamentais. [v]
A lei de colisão é um dos fundamentos da teoria dos princípios defendida por Robert Alexy. Assim, é necessário ver qual interesse deve ceder, levando-se em consideração o caso e as circunstâncias em que os direitos e seus detentores se encontram. Veja-se:
Como resultado de todo sopesamento que seja correto do ponto de vista dos direitos fundamentais pode ser formulada uma norma de direito fundamental atribuída, que tem estrutura de uma regra e à qual o caso pode ser subsumido. Nesse sentido, mesmo que todas as normas de direitos fundamentais diretamente estabelecidas tivessem a estrutura de princípios – o que, como ainda será demonstrado, não ocorre -, ainda assim haveria normas de direitos fundamentais com a estrutura de princípios e normas de direitos fundamentais com a estrutura de regras. [vi]
Os princípios não contêm um mandamento definitivo, mas apenas prima facie, ao contrário do que ocorre com as regras (deixa-se de ingressar na diferenciação entre regras e princípios para que este texto não se estenda desnecessariamente), o que justifica a necessidade de se verificar quando devem ceder diante de outro princípio, dadas as circunstâncias.
No modelo sustentado por Ronald Dworkin, os princípios indicam direção, mas não têm como consequência uma decisão. Tal afirmação talvez peque pela simplicidade, pois as cláusulas de exceção introduzidas em virtude de princípios não são nem mesmo teoricamente enumeráveis.
De acordo com a lei de colisão, sustentada por Robert Alexy, a definição de uma relação de preferência é a definição de uma regra, que deve ser aplicada àquele caso concreto.
Há uma corrente que defende a existência de princípios absolutos, os quais sempre prevaleceriam diante do conflito com normas ou outros princípios. Tal conceito não é, contudo, compatível com os direitos individuais (cientes de que os princípios podem se referir tanto a direitos individuais quanto a interesses coletivos).
A máxima da proporcionalidade está estreitamente conectada com a teoria dos princípios, em razão da necessidade de sopesar a relevância da aplicação de cada princípio no caso concreto:
Visto que a aplicação de princípios válidos – caso sejam aplicáveis – é obrigatória, e visto que para essa aplicação, nos casos de colisão, é necessário um sopesamento, o caráter principiológico das normas de direito fundamental implica a necessidade de um sopesamento quando elas colidem com princípios antagônicos. [vii]
Poder-se-ia questionar, inclusive, se é mais importante ter uma Constituição de princípios (grandiosa, mas perigosa) ou de detalhes (aparentemente mais segura, porém mais mundana)? [viii] Ingo Sarlet também discorre sobre o assunto, abordando a frequência dos conflitos tendo em vista o caráter analítico da Carta Constitucional brasileira: "Situações de colisão de direitos fundamentais afiguram-se cada vez mais freqüentes na prática jurídica brasileira devido ao alargamento do âmbito e da intensidade de proteção dos direitos fundamentais levado a cabo pela Constituição Federal de 1988, notadamente em função do já referido caráter analítico do catálogo constitucional de direitos. "[ix]
Feita essa breve digressão, retorna-se à tentativa de se definir o princípio da proporcionalidade. De acordo com Dieter Grimm, o respeito aos direitos fundamentais e a sua concretização se impõem ao Estado (e aos seus representantes, por certo): "[…] los derechos fundamentales no deben depender sólo de la buena voluntad del gobernante, sino también estar jurídicamente afianzados, lo que sólo ocurre a partir del establecimiento de un derecho de tango superior que vincule también la creación de derecho. Precisamente ésta es la tarea que desempeñam los derechos fundamentales: otorgan al derecho ordinario, producto del orden burgués, una garantía adicional de que el Estado no sólo lo impone frente a personas privadas, sino que también él mismo lo respeta." [x]
No entanto, enaltecer apenas o direito à liberdade e à não intervenção estatal não passa de mera reestruturação do sistema de dominação (sistema social burguês ascendente na Revolução Francesa). Nesse sentido: "A la vista de la validez universal que distingue a los derechos fundamentales de las antiguas formas de protección jurídica de la libertad, es evidente la necesidad de precisas en qué medida deben ser éstos considerados expresión, precisamente, de los intereses y las ideas burguesas." [xi]
É por esse motivo que se deve separar a ideia de direitos fundamentais das suas condições originárias, evitando que se promova apenas a universalização da burguesia (noção um tanto quanto neoliberal), mesmo porque a mera proteção da liberdade não é sequer garantia de uma sociedade burguesa com plena (ou semiplena) concretização de direitos fundamentais. Foi somente uma interpretação dos direitos fundamentais, realizada dentro das possibilidades da época, que fomentou os interesses burgueses. A esse respeito: "Es verdad que no hay derechos fundamentales sin sociedad burguesa, o al menos parcialmente burguesa, pero también se dan sociedades burguesas o semiburguesas carentes de derechos fundamentales, como muestram los ejemplos de Inglaterra y la Prusia del Premarzo." [xii] "De este modo, los derechos fundamentales sólo pueden desempeñar su papel si se adaptan a la cambiante actividad estatal y a las nuevas amenazas a la libertad sin permanentes modificaciones em los textos. En este punto se produce realmente una ampliación de su función respecto a lo que ocurría en la fase burguesa inicial, cuando los derechos fundamentales hubieron de extenderse de manera protectora sobre una situación de libertad ya existente para defenderla contra los abusos estatales." [xiii]
Descartam-se, assim, os postulados liberais que supostamente conduziriam a uma sociedade perfeita, onde todos (os burgueses) seriam bem-sucedidos:
El redescubrimiento del componente jurídico-objetivo de los derechos fundamentales se basa precisamente en el rechazo de las premisas liberales de acuerdo com las cuales la libertad jurídicamente igual, sin la intervención del Estado, conduce automáticamente a la prosperidad y a la justicia. [xiv]
Assim, o autor introduz sua noção do princípio da proporcionalidade: "El descubrimiento del principio de porporcionalidad y el despliegue del contenido jurídico objetivo de los derechos fundamentales se han mostrado como las innovaciones de mayores consecuencias en la dogmática de los derechos fundamentales de la posguerra. Pero, a la vez que el principio fundamental de proporcionalidad progresa en el marco de la conocida defensa negativa de los derechos fundamentales y se refuerza decisivamente el poder defensivo de éstos contra las intromisiones del Estado en la libertad, la comprensión jurídico-objetiva abre a los derechos fundamentales un area de aplicación enteramente nueva. De esta interpretación de los derechos fundamentales se derivan, de forma paulatina, su irradiación a las relaciones de derecho privado, la denominada eficacia frente a terceros, los derechos originarios a prestaciones o derechos de participación de los indivíduos frente al Estado, el deber de protección por parte del Estado de las libertades aseguradas por derechos fundamentales, las garantías procesales de los procesos estatales de decisión de los que puedan derivarse perjuicios para los derechos fundamentales, los principios de organización de las instituciones públicas y privas en las cuales los derechos fundamentales se hacen valer según el principio de la división de funciones; y aún serían posibles nuevos pasos. Así, los derechos fundamentales, en primer lugar, no se refieren ya unilateralmente al Estado, sino que se vuelven normativos también para el orden social; en segundo lugar, se desvinculan de la función unilateral de protección y sirven, asimismo, como fundamento de los deberes de actuación estatal." [xv]
Trata-se, pois, de um poder-dever do Estado, proibindo-se tanto o excesso de proteção/proibição quanto sua insuficiência. Destarte, a proporcionalidade tenta, de certa forma, responder às seguintes questões: a) por que proibir (de forma genérica); b) quando proibir (uma determinada ação em detrimento de outra) e c) como proibir (conformação das condutas)[xvi].
PROPORCIONALIDADE E DIREITO PENAL
Não se nega a possibilidade de aplicar a proporcionalidade também na esfera do Direito Penal, apesar de ser uma área em que se há de ter muito mais cautela, a fim de se evitar interpretações semelhantes ao “créu velocidade máxima”, com total desrespeito à Constituição.
Nesse âmbito, Juarez Cirino dos Santos conceitua o princípio da proporcionalidade como harmonizador de princípios, meios e fins, ligando-o à Criminologia Crítica, vejamos:
Em síntese, a otimização das possibilidades reais e jurídicas objeto do Verhältnismässigkeitsgrundsatz – para continuar empregando a terminologia de ALEXY – tem por objetivo integrar princípios, meios e fins em unidades jurídicas e reais coerentes – ou seja, harmonizar os meios e os fins da realidade com os princípios jurídicos fundamentais do povo. O princípio da proporcionalidade no Direito Penal coincide com análises da Criminologia Crítica – como Sociologia do Direito Penal -, que estuda a adequação e a necessidade da pena criminal para proteção de bens jurídicos, do ponto de vista dos princípios jurídicos do discurso punitivo. [xvii]
Ainda acerca da proporcionalidade na seara do direito penal, cabe transcrever os argumentos expostos por Marcus Alan de Melo Gomes: "Vê-se que a proporcionalidade em matéria penal é decorrência, na verdade, de valores albergados no corpo da Constituição. Ao eleger a realização do Estado Democrático de Direito como meta de todos, o legislador constituinte converteu a proporcionalidade em um cânone implícito da Carta Maior. Afinal de contas, como seria possível construir uma sociedade baseada no pleno respeito aos direitos e garantias fundamentais, no livre exercício das liberdades públicas – liberdade de ir e vir, liberdade de pensar, liberdade de se expressar, liberdade para participar da vida política do Estado etc. - sem um critério de equilíbrio entre esse exercício e o poder estatal de restringi-lo?" [xviii]
Especificamente no que concerne à criminalização em face do princípio da proporcionalidade, Juarez Cirino dos Santos faz não apenas considerações atinentes à hierarquização de bens jurídicos, mas também às desvantagens financeiras que o Estado sofre ao executar penas criminais: "O princípio da proporcionalidade abstrata limita a criminalização primária às hipóteses de graves violações de direitos humanos – ou seja, lesões insignificantes de bens jurídicos são excluídas, também, pelo princípio da proporcionalidade – e delimita a cominação de penas criminais conforme a natureza e extensão do dano social produzido pelo crime. Neste aspecto, a proposta de hierarquização da lesão de bens jurídicos é essencial para adequar as escalas penais ao princípio da proporcionalidade abstrata: por exemplo, penas por lesões contra a propriedade não podem ser superiores às penas por lesões contra a vida, como ocorre na lei penal brasileira".
Por outro lado, o princípio da proporcionalidade concreta permite equacionar os custos individuais e sociais da criminalização secundária, em relação à aplicação e execução da pena criminal. Assim, para usar um conceito de jargão econômico, a aplicação e execução das penas criminais mostram a enorme desproporção da relação custo/benefício entre crime e pena, além dos imensos custos sociais específicos para o condenado, para a família do condenado e para a sociedade. [xix]
Bem a propósito, Ingo Wolfgang Sarlet se manifesta no prefácio da obra de Luciano Feldens: "Hoje são poucos os que teimam em desconsiderar (pelo menos na esfera do debate público) que o Direito Penal somente poderá ser aplicado com pretensão de justiça no marco político e jurídico-constitucional do Estado Democrático de Direito em sintonia com os direitos fundamentais e, por isto mesmo, também em consonância com o princípio da proporcionalidade (a despeito de toda a controvérsia que o cerca), especialmente naquilo em que este veda a ação arbitrária do Estado e se manifesta como sendo uma exigência da própria isonomia." [xx]
A primeira ressalva que se deve fazer é que tal princípio não está restrito ao Poder Judiciário, mas se impõe seu respeito a partir da confecção de leis. Acerca do tema, Marcus Alan de Melo Gomes assevera que: "[…] é forçoso reconhecer que o emprego do termo excesso significa que a violação da proporcionalidade na ordem jurídica alemã não se caracteriza apenas com a prática de atos que afrontem direitos ou liberdades fundamentais, mas sim com qualquer atividade do Estado – sobretudo no que concerne à elaboração de leis – que exceda da autorização constitucional, ou seja, que vá além daquilo que a Constituição permite. "[xxi]
O princípio da proporcionalidade, embora aparentemente seja de fácil compreensão, tem seu conceito muitas vezes interpretado de forma equivocada em virtude da semelhança com seus subprincípios e, até mesmo, com uma das facetas para as quais evoluiu (tema que se abordará adiante). Mariângela Gama de Magalhães Gomes demonstra isso de modo bastante elucidativo, conceituando o princípio como o: "[…] critério valorativo constitucional determinante das máximas restrições que podem ser impostas na esfera individual dos cidadãos pelo Estado, e para a consecução de seus fins. Assim, integra uma exigência ínsita no Estado de Direito enquanto tal, que impõe a proteção do indivíduo contra intervenções estatais desnecessárias ou excessivas que gravem o cidadão mais do que o indispensável para a proteção dos interesses públicos. "[xxii]
Há, no ordenamento jurídico, princípios limitadores, que visam a excluir violações ou disfuncionalidades grosseiras com os direitos humanos, quais sejam, princípio da lesividade, princípio da proporcionalidade mínima entre a pena a magnitude da lesão, princípio da intranscendência (transcendência mínima quanto à vítima), princípio da humanidade, princípio da proibição de dupla punição, princípio da boa-fé e pro homine.[xxiii] Dentre eles, certamente se destaca o princípio da proporcionalidade, que de certa forma dá ensejo aos demais.
O princípio da proporcionalidade se desmembra em três subprincípios, ou seja, três norteadores que devem estar presentes simultaneamente. Sobre o tema, extrai-se da obra de Paulo Bonavides: "Constatou a doutrina a existência de três elementos, conteúdos parciais ou subprincípios que governam a composição do princípio da proporcionalidade. Desses elementos o primeiro é a pertinência ou aptidão (Geeignetheit), que, segundo Zimmerli, nos deve dizer se determinada medida representa o “meio certo para levar a cabo um fim baseado no interesse público”, conforme a linguagem constitucional dos tribunais. [...] O segundo elemento ou subprincípio da proporcionalidade é a necessidade (Erforderlichkeit), ao qual também alguns autores costumam dar tratamento autônomo e não raro identificá-lo com a proporcionalidade propriamente dita. Pelo princípio ou subprincípio da necessidade, a medida não há de exceder os limites indispensáveis à conservação do fim legítimo que se almeja, ou uma medida para ser admissível deve ser necessária. [...] Finalmente, depara-se-nos o terceiro critério ou elemento de concretização do princípio da proporcionalidade, que consiste na proporcionalidade mesma, tomada stricto sensu. […] obrigação de fazer uso de meios adequados e interdição quanto ao uso de meios desproporcionados." [xxiv]
O primeiro desses elementos é conhecido como adequação, pertinência, aptidão, idoneidade ou utilidade. Ou seja, deve-se verificar se o meio utilizado é apto à obtenção do resultado almejado. No caso do direito penal, em que o que se deseja é a preservação de um bem jurídico, deve-se verificar a utilidade de se impor uma pena em razão da prática de determinado comportamento. Nesse sentido:
A doutrina costuma apontar o pensamento de Von Liszt e de Mayer como a origem do princípio da idoneidade ou utilidade. De acordo com essa máxima, nem todos os bens jurídicos seriam dignos de tutela penal. Esta só se justificaria para aqueles bens jurídicos “merecedores”, “necessitados” e “capazes” deste tipo de proteção.[xxv]
A medida estatal desencadeada (meio) há de ser idônea para atingir a finalidade perseguida (fim): a realização do interesse público. Em tal contexto, um meio é idôneo se com sua intervenção o êxito desejado pode, efetivamente, ser alcançado. Trata-se, pois, de controlar a relação de adequação medida-fim. Conduzindo o raciocínio ao plano do controle de normas penais, haveremos de identificar, em primeira análise, qual o bem jurídico protegido pela norma questionada, ou, mais precisamente, quais os fins imediatos e mediatos de proteção da mesma. Essa constatação constitui um prius lógico para a determinação se o legislador incorreu em um excesso manifesto no rigor das penas [STC 55/96]. Nesse sentido, para afirmar-se o juízo de adequação, há se verificar, sobretudo, se a tutela jurídico-penal não é constitucionalmente ilegítima, o que demanda uma investigação de dupla perspectiva: ao tempo em que os bens ou interesses que se trata de preservar não devem estar constitucionalmente proscritos, igualmente não devem ser socialmente irrelevantes [STC 111/93] se desejarem despertar a atenção do Direito Penal. Acaso constatada a ilegitimidade da tutela penal sob os pressupostos recém visitados, desde logo a norma incriminadora será inadequada e, portanto, ofensiva ao princípio da proporcionalidade. Por outro lado, nas hipóteses em que a tutela penal é constitucionalmente exigida, por meio de mandados (explícitos ou implícitos) de penalização, a adequação da medida já vem previamente afirmada pela Constituição. [xxvi]
Quanto à necessidade, vê-se diretamente ligada aos princípios de direito penal da fragmentariedade e da subsidiariedade, ou seja, o direito penal deve proteger exclusivamente bens jurídicos (de relevância jurídica), sendo a ultima ratio do direito. A pena só deve ser prevista e aplicada (salientem-se os dois momentos mencionados) diante da impossibilidade de se alcançar a proteção do bem visado por outra forma. A propósito:
Na esfera penal, o princípio da necessidade, também chamado de princípio da exigibilidade, foi inserido já nas primeiras Declarações de Direitos. […] condiciona o emprego da pena à impossibilidade de fins preventivos serem alcançados através de outros menos alternativos menos gravosos. [xxvii]
O critério de necessidade indica que a medida eleita há de consubstanciar-se como o meio menos gravoso, dentre os disponíveis e eficazes, à obtenção do fim almejado.Na seara jurídico-penal, devemos indagar se a utilização da norma penal é necessária para alcançar a finalidade de proteção do bem jurídico. A medida (intervenção penal) será necessária se tal finalidade protetiva (fim) não poderia ser conquistada com a mesma eficácia recorrendo-se a uma medida alternativa menos restritiva (sanção civil ou administrativa). Essa análise se realiza mediante uma prévia consideração acerca do grau de eficácia das medidas a priori sujeitas à implementação, complementado-se a partir de uma constatação empírica sobre a ineficácia – ou mesmo escassa eficácia – de uma ou mais medidas que, embora em primeiro plano adequadas à realização do fim proposto, não o realizam satisfatoriamente, razão por que cedem espaço àquela que, nada obstante mais lesiva, atinge eficazmente o interesse público perseguido (que, no caso, é a eficaz proteção do direito fundamental). [xxviii]
Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito é a que mais se confunde com a proporcionalidade em sentido lato, sendo bastante sutil a diferença. Talvez a chave para sua compreensão seja a expressão equilíbrio, que se deve vislumbrar entre os meios utilizados e os perseguidos. Nesse diapasão: "A terceira e última vertente do princípio da proporcionalidade lato sensu corresponde ao princípio da proporcionalidade em sentido estrito. Significa este que deve haver uma proporção, uma equivalência entre a gravidade do delito e a intensidade da pena. Busca-se, através desse princípio, encontrar um ponto de equilíbrio no entrechoque de valores e bens envolvidos no conflito penal, a fim de que o meio eleito – a pena – seja empregado numa relação de razoável proporção com os fins perseguidos (preventivos)." [xxix]
Também entendido como princípio da justa medida, por meio do qual são pesadas as desvantagens dos meios em relação às vantagens dos fins, esse exame sugere que o meio utilizado não pode se demonstrar desproporcional (em concreto) em relação ao fim perseguido. À diferença do que sucede com os juízos de adequação e necessidade, nos quais o fim figura tão somente como um ponto de referência, na análise da ponderação a finalidade da intervenção constitui um elemento essencial da mesma, de sorte que a relevância do fim perseguido se faz ponderar com a relevância do prejuízo causado ao direito fundamental, razão pela qual torna-se fundamental determinar a importância que a Constituição concede à consecução do referido fim. Trasladado ao Direito Penal, esse exame procura determinar se a incidência da pena não estabelece um desequilíbrio parente e excessivo entre a sanção prevista e o fato praticado. Exemplificativamente, o exame da proporcionalidade em sentido estrito entra em ação no Direito Penal quando invocado aquilo que costumeiramente se designa princípio da insignificância. [xxx]
De qualquer forma, um juízo definitivo sobre a proporcionalidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação e do possível equilíbrio entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador (proporcionalidade em sentido estrito). [xxxi]
A par do momento de cominação penal abstrata, o princípio da proporcionalidade em sentido estrito incide ainda no instante de aplicação da pena pelo juiz. É o que se denomina de proporcionalidade concreta ou judicial, e da qual decorre que a pena aplicada ao autor da infração penal tem que ser proporcional à gravidade do fato delituoso praticado. [xxxii]
Ainda esclarecendo os limites em que a pena deve ser aplicada, Marcus Alan de Melo Gomes trata da concretização do princípio no âmbito do Poder Legislativo, que deve estabelecer limites proporcionais ao delito que se visa a prevenir/reprimir, veja-se: "O conceito de proporcionalidade em sentido estrito, ou proporcionalidade material, encontra-se, também, relacionado ao campo de verificação do significado dos valores objeto de tutela, sendo que uma vez incriminada a conduta afrontosa ao bem jurídico digno de proteção penal, tem lugar a ulterior questão acerca da identificação da medida da resposta sancionatória; o que há de ser verificado, nesta etapa, é a influência que os limites derivados de princípios superiores geram na atividade legislativa consistente em eleger a medida da pena proporcional ao delito, ou seja, cabe analisar os parâmetros em relação aos quais a cominação legal da pena deve ser norteada." [xxxiii]
Contudo, a compreensão do princípio da proporcionalidade não estagnou em sua subdivisão e na necessidade de sua aplicação nos momentos de criminalização primária e secundária. Os estudos desenvolvidos sobre o tema demonstraram que o mesmo princípio (a mesma proporcionalidade) apresenta dois vieses distintos, não se podendo ignorar nenhum deles. Nesse sentido, extrai-se da obra de Luciano Feldens (não obstante se refira aos direitos fundamentais, que não se confundem com o princípio da proporcionalidade, pela íntima relação que mantêm, deve-se aplicar o mesmo raciocínio quanto à sua dupla função): "[…] em sua interação com a atividade estatal, os direitos fundamentais passam a projetar-se em dois sentidos (uma espécie de ida e volta): (a) como direitos de defesa, indicando o dever do Estado de respeitá-los (perspectiva negativa), e (b) como imperativos de tutela, indicando o dever do Estado de protegê-los ativamente (perspectiva positiva (diante de ataques provenientes de terceiros mediante a implementação de medidas eficazes (deveres de proteção)." [xxxiv]
Por conseguinte, apesar de aparentemente apontarem em direções opostas, os dois vieses são absolutamente complementares e essenciais para que se admita o Direito Penal no Estado Democrático de Direito.
PROPORCIONALIDADE – PERSPECTIVA ALEMÃ
O princípio da proporcionalidade foi inicialmente aplicado apenas (frise-se: exclusivamente) para proteger os cidadãos dos excessos eventualmente cometidos pelo Estado, ou seja, dentro de um contexto de combate ao Estado absolutista (Leviatã) e de crescimento do movimento liberal. Por esse motivo, poderia ser facilmente confundido com o princípio (hoje autonomamente reconhecido) da proibição de excesso de proibição.
Com o passar do tempo, outra perspectiva despontou: o garantismo positivo, ou seja, a proibição de proteção estatal deficiente. Observe-se que se está praticamente a repetir o escorço realizado a respeito dos direitos fundamentais, mas foi justamente o mesmo caminho trilhado. Não se pode dividir a história em ramos e tratá-los de forma estanque, como se fossem independentes. De fato, a evolução dos direitos fundamentais tem a mesma origem da evolução do princípio da proporcionalidade, bem como, de certa forma, um é a origem do outro, caminhando sempre interligados.
Por esse motivo, a partir de certo ponto, não se pôde mais falar apenas em proporcionalidade como absenteísmo estatal, ou seja, como simples forma de evitar seus excessos. Diante das circunstâncias, foi necessário também exigir que a atuação do Estado, como ente protetor de toda a sociedade e dos cidadãos, ocorresse pautada pelo princípio em análise.
Nesse sentido, extrai-se da obra de Lenio Luiz Streck: "Há que se ter claro, portanto, que a estrutura do princípio da proporcionalidade não aponta apenas para a perspectiva de um garantismo negativo (proteção contra os excessos do Estado), e, sim, também para uma espécie de garantismo positivo, momento em que a preocupação do sistema jurídico será com o fato de o Estado não proteger suficientemente determinado direito fundamental, caso em que estar-se-á em face do que, a partir da doutrina alemã, passou-se a denominar de "proibição de proteção deficiente" (Untermassverbot). [xxxv]
O autor trata da ampliação das funções estatais, destacando a proibição de abstenção ou omissão do Estado, quando deveria prevenir e reprimir a prática de delitos, a fim de assegurar os direitos fundamentais (bens juridicamente protegidos). Trata-se, pois, da outra face dos direitos fundamentais (garantismo positivo), conforme resume o seguinte excerto: "Perfeita, pois, a análise de Baratta: é ilusório pensar que a função do Direito (e, portanto, do Estado), nesta quadra da história, esteja restrita à proteção contra abusos estatais. No mesmo sentido, o dizer de João Baptista Machado, para quem o princípio do Estado de Direito, neste momento histórico, não exige apenas a garantia da defesa de direitos e liberdades contra o Estado: exige, também, a defesa dos mesmos contra quaisquer poderes sociais de fato. Desse modo, ainda com o pensador português, é possível afirmar que a idéia de Estado de Direito demite-se da sua função quando se abstém de recorrer aos meios preventivos e repressivos que se mostrem indispensáveis à tutela da segurança, dos direitos e liberdades dos cidadãos. Tanto isso é verdadeiro que o constituinte brasileiro optou por positivar um comando criminalizador, isto é, um dever de criminalizar com rigor alguns crimes, em especial, o tráfico de entorpecentes, inclusive epitetando-o, prima facie, de hediondo. Na verdade, a tarefa do Estado é defender a sociedade, a partir da agregação das três dimensões de direitos – protegendo-a contra os diversos tipos de agressões. Ou seja, o agressor não é somente o Estado. Dito de outro modo, como muito bem assinala Roxin, comentando as finalidades correspondentes ao Estado de Direito e ao Estado Social, em Liszt, o direito penal serve simultaneamente para limitar o poder de intervenção do Estado e para combater o crime. Protege, portanto, o indivíduo de uma repressão desmesurada do Estado, mas protege igualmente a sociedade e os seus membros dos abusos do indivíduo. Estes são os dois componentes do direito penal: a) o correspondente ao Estado de Direito e protetor da liberdade individual; b) e o correspondente ao Estado Social e preservador do interesse social mesmo à custa da liberdade do indivíduo. Tem-se, assim, uma espécie de dupla face de proteção dos direitos fundamentais: a proteção positiva e a proteção contra omissões estatais. Ou seja, a inconstitucionalidade pode ser decorrente de excesso do Estado, como também por deficiência na proteção. [xxxvi]
O princípio da proporcionalidade exige, ao mesmo tempo, que o Estado concretize os direitos fundamentais através de abstenção e de intervenção. Nesse sentido: "Naturalmente, a efectos de justificar la invitación a utilizar los derechos fundamentales sólo en función negativa, la cuestión de si esto supone o no restabelecer su función clásica carece de importancia, pero distinguirla com este sello otorga a esta postura un mayor poder de convicción. Por ello merece la pena perguntarse si em la defensa frente a la intervencción se encuentra, de hecho, la función clásica de los derechos fundamentales. Incluso em el caso de que sea así, hay que aceptar que la ampliación de funciones de los derechos fundamentales tiene causas sociales explicables; sólo cuanco éstas son conocidas es posible pronunciarse sobre si la ampliación está justificada." [xxxvii]
Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco elucidam as ideias de excesso de proibição e proibição deficiente, com base no direito constitucional alemão, que foi o primeiro a tratar expressamente do assunto: "A doutrina identifica como típica manifestação do excesso de poder legislativo a violação do princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso (Verhältnismässigkeitsprinzip; Übermassverbot), que se revela mediante contraditoriedade, incongruência e irrazoabilidade ou inadequação entre meios e fins. No direito constitucional alemão, outorga-se ao princípio da proporcionalidade (Verhältnismässigkeits) ou ao princípio da proibição de excesso (Übermassverbot) qualidade de norma constitucional não escrita. […] Essa orientação, que permitiu converter o princípio da reserva legal (Gesetzesvorbehalt) no princípio da reserva legal proporcional (Vorbehalt des verhältnismässigen), pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador, mas também a adequação desses meios para consecução dos objetivos pretendidos (Geeignetheit) e a necessidade de sua utilização (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit). [...] Ao lado da idéia da proibição do excesso tem a Corte Constitucional alemã apontado a lesão ao princípio da proibição da proteção insuficiente. Schlink observa, porém, que se o Estado nada faz para atingir um dado objetivo para o qual deva envidar esforços, não parece que esteja a ferir o princípio da proibição da insuficiência, mas sim um dever de atuação decorrente de dever de legislar ou de qualquer outro dever de proteção. Se se comparam, contudo, situações do âmbito das medidas protetivas, tendo em vista a análise de sua eventual insuficiência, tem-se uma operação diversa da verificada no âmbito da proibição do excesso, na qual se examinam as medidas igualmente eficazes e menos invasivas. Daí concluiu que “a conceituação de uma conduta estatal como insuficiente (untermässig), porque 'ela não se revela suficiente para uma proteção adequada e eficaz', nada mais é, do ponto de vista metodológico, do que considerar referida conduta como desproporcional em sentido estrito (unverhältnismässig im engerem Sinn)”. [xxxviii]
Dado o conceito dos princípios de proibição de excesso e de proteção deficiente ou insuficiente, pode-se concluir que o Estado, por meio das criminalizações primária e secundária, deve ter sua atuação norteada pelo que ensina o movimento garantista (negativa e positivamente), assegurando o pleno gozo dos direitos fundamentais, em seu duplo viés.
Como se vem afirmando, a proporcionalidade e o objetivo de concretização dos direitos fundamentais ensejam a manutenção de um equilíbrio nas ações estatais, ou seja, uma espécie de intervenção tarifada. Diante disso, não se pode permitir que o Estado, sob o argumento de proteger, acabe por atingir de modo ainda mais grave outro (ou até o mesmo) direito fundamental.
É o que se denomina princípio da proibição de excesso de proibição (übermassverbot) - o Estado não pode ir além do necessário e adequado, como esclarece Ingo Wolfgang Sarlet: "[...] para a efetivação de seu dever de proteção, o Estado – por meio de um dos seus órgãos ou agentes - pode acabar por afetar de modo desproporcional um direito fundamental (inclusive o direito de quem esteja sendo acusado da violação de direitos fundamentais de terceiros). Esta hipótese corresponde às aplicações correntes do princípio da proporcionalidade como critério de controle de constitucionalidade das medidas restritivas de direitos fundamentais que, nesta perspectiva, atuam como direitos de defesa, no sentido de proibições de intervenção (portanto, de direitos subjetivos em sentido negativo, se assim preferirmos). O princípio da proporcionalidade atua, neste plano (o da proibição de excesso), como um dos principais limites às limitações dos direitos fundamentais, o que também já é de todos conhecido e dispensa, por ora, maior elucidação." [xxxix]
Tal princípio surgiu em virtude dos frequentes excessos cometidos pelo Estado: a História traz inúmeros exemplos de atuação estatal indevida, mas é de conhecimento geral que a transposição de limites não se restringe ao passado:
Que a pena privativa de liberdade é resposta não raramente excessiva pela prática de uma infração penal, tendo-se em conta que serve – ou deve servir – para a proteção de bens jurídicos e para a prevenção de delitos, inclusive e em especial quando de sua execução, é dado inegável. [xl]
É justamente por isso que o princípio da proporcionalidade, no sentido da vedação de excessiva proibição, deve e vem sendo invocado com frequência. Evidente que não basta usá-lo como argumento ou subterfúgio, mas sim verificar o preenchimento de todos os seus subprincípios a fim de prever (abstratamente) e aplicar (concretamente) uma pena a determinado delito.
A obra de Eugenio Raúl Zaffaroni também trata da hierarquização de lesões e a necessária proporcionalidade entre o delito (mesmo que fruto da seletividade) e a pena abstrata e concretamente imposta:
- Principio de proporcionalidad mínima
- La criminalización alcanza un límite de irracionalidad intolerable cuando el conñicto sobre cuya base opera es de ínfima lesividad o cuando, no siéndolo, la afectación de derechos que importa es groseramente desproporcionada con la magnitud de la lesividad del conflicto. Puesto que es imposible demostrar la racionalidad de la pena, las agencias jurídicas deben constatar, al menos, que el costo de derechos de la suspensión del conflicto guarde un mínimo de proporcionalidad con el grado de la lesión que haya provocado. A este requisito se le llama principio de proporcionalidad mínima de la pena con la magnitud de la lesión. Con este principio no se legitima la pena como retribución, pues sigue siendo una intervención selectiva del poder que se limita a suspender el conflicto sin resolverlo. Simplemente se afirma que, dado que el derecho penal debe escoger entre irracionalidades, para impedir el paso de las de mayor calibre, no puede admitir que a esa naturaleza no racional del ejercicio del poder punitivo se agregue una nota de máxima irracionalidad, por la que se afecten bienes de una persona en desproporción grosera con el mal que ha provocado. Esto obliga a jerarquizar las lesiones y a establecer un grado de mínima coherencia entre las magnitudes de penas asociadas a cada conflicto criminalizado, no pudiendo tolerar, por ejemplo, que las lesiones a la propiedad tengan mayor pena que las lesiones a la vida, como sucedía en el caso del derogado art. 38 del decreto-ley 6582/58, razón por la que había sido declarado inconstitucional por la CS, criterio que luego fue alterado con fundamentos que importan ignorar la función hermenéutica de la Constitución tanto como hacer renuncia expresa a la función controladora.
- Las teorías preventivas de la pena llevan al desconocimiento de este principio, em razón de que, invocando inverificables efectos preventivos, las agencias políticas -y aun las judiciales, con condenas ejemplarizantes- se atribuyen la facultad de establecer penas en forma arbitraria, desconociendo cualquier jerarquía de bienes jurídicos afectados. Esta es otra de las formas en que la falsa (o no verificada) idea de bien jurídico tutelado o protegido (fundada en cualquier teoría preventiva de la pena) neutraliza el efecto limitativo u ordenador del concepto de bien jurídico afectado o lesionado.
- No falta en las leyes el supuesto inverso, en que aparece un irracional privilegio en algunas conminaciones penales, que minimizan una lesión respecto de la regla general dada por las restantes: las privaciones de libertad cometidas por funcionarios (arts. 143 y 144 CP) tienen calificantes comunes con las de los mismos delitos cometidos por no funcionarios (art. 142 CP), pero la escala penal del funcionario público es de uno a cinco años y la del no funcionario de dos a seis años. Toda vez que privilegiar el tratamiento penal del funcionario públicoes republicanamente inadmisible, corresponde entender que la pena del art. 142 CP es de uno a cinco años. [xli]
Observe-se que, no último parágrafo, até mesmo o ministro da Suprema Corte argentina, cujas obras mais recentes apresentam um caráter fortemente minimalista e tendente ao abolicionismo, aborda implicitamente o princípio da proibição de proteção deficiente.
Novamente, importa enfatizar a evolução do princípio da proporcionalidade como não intervencionismo estatal para a necessidade de se proteger adequadamente os direitos fundamentais (untermassverbot): "Passados dois séculos, é possível dizer que a visão de cunho liberal deixou de lado aquilo que se pode chamar de proteção positiva dos direitos fundamentais por meio do Direito Penal, preocupação típica do Estado Democrático de Direito. […] vislumbra-se o outro lado da proteção estatal, o da proibição da proteção deficiente (ou insuficiente), chamada no direito Alemão de Untermassverbot." [xlii]
Luciano Feldens aborda a proibição deficiente em alguns aspectos distintos: dignidade constitucional, categoria dogmática autônoma e limiar inferior de liberdade do legislador[xliii]. Reconhece, desta feita, o dever de proteção eficaz por parte do Estado, impedindo que se fique aquém de um mínimo necessário, como esclarece no trecho abaixo transcrito: "Uma vez reconhecido que pesa sobre o Estado o dever de proteção de um direito fundamental, logicamente que a eficácia da proteção constitucionalmente requerida integrará o próprio conteúdo desse dever, pois um dever de tomar medidas ineficazes não faria sentido. Nesse tom, a partir do momento em que compreendemos que a Constituição proíbe que se desça abaixo de um certo mínimo de proteção, a proporcionalidade joga, aqui, como proibição de proteção deficiente. Diversamente do que sucede com a proibição de intervenção (excessiva), a função de imperativo de tutela pressupõe uma deliberação sobre o “se” e o “como” da proteção, circunstância que torna sua operacionalização mais difícil em relação àquela. Observe-se: enquanto na proibição de intervenção excessiva a legitimidade da ação estatal é questionada em face de uma medida específica (precisamente aquela que foi adotada), na hipótese de um imperativo de tutela a justificação há de estabelecer-se em face de um arsenal de medidas de possível adoção à proteção do direito fundamental (civis, administrativas, penais etc.)." [xliv]
Por consequência, a omissão estatal nos casos em que deveria agir viola um direito fundamental e, da mesma forma, a Constituição. No que concerne ao assunto, Lenio Luiz Streck argumenta: "A proibição de proteção deficiente pode definir-se como um critério estrutural para a determinação dos direitos fundamentais, com cuja aplicação pode determinar-se se um ato estatal - por antonomásia, uma omissão viola um direito fundamental de proteção." [xlv]
Marcus Alan de Melo Gomes, por outro lado, argumenta que há apenas limites máximos de punição, mas não limites mínimos, ou seja, admite a existência de um Estado que não exerça o poder punitivo: "No Estado Democrático de Direito, ademais, há que se ter em conta que o princípio da proporcionalidade, como máxima constitucional – explícita ou implícita, pouco importa – deve revestir-se de um sentido garantista. Assim, pode-se afirmar que a proporcionalidade serve para estabelecer limites máximos de punição, mas não limites mínimos irredutíveis." [xlvi]
Luigi Ferrajoli, de forma semelhante, salienta que a inefetividade estrutural não pode ser reparada pela via judiciária (o que reduziria de forma significativa a atuação do Poder Judiciário): "É pela observação de tais garantias, e antes ainda pela sua introdução, que depende a efetividade dos direitos fundamentais. Podemos, portanto, distinguir dois tipos de inefetividade de tais direitos: uma inefetividade contingente, consequente à violação, por obra de atos inválidos ou ilícitos, das suas garantias; e uma inefetividade estrutural, consequente à falta de garantias e das relativas funções e instituições, por causa da omissa produção das leis de atuação. A inefetividade contingente é sempre reparável por meio da intervenção judiciária. Ela consiste, de fato, na comissão de atos inválidos ou de atos ilícitos, uns anuláveis e outros sancionáveis com base no seu acertamento jurisdicional quando da garantia secundária. A inefetividade estrutural, ao contrário, é irreparável pela via judiciária e requer sempre a intervenção do legislador. Ela se manifesta, de fato, na indébita omissão, que somente o legislador pode (e deve) reparar, da legislação de atuação necessariamente requerida pela estipulação constitucional de qualquer direito fundamental." [xlvii]
Tal afirmação, contudo, não tem como prosperar nas atuais sociedades, levando-se em consideração fatores históricos, sociais e, até mesmo, jurídicos. Criticando a doutrina de Luigi Ferrajoli e defendendo a possibilidade de usar o Direito Penal para a realização dos direitos das pessoas, Lenio Luiz Streck aduz que:
O projeto garantista de Ferrajoli, assim, tem como base um projeto de democracia social, que forma um todo único com o Estado social de Direito: consiste na expansão dos direitos dos cidadãos e dos deveres do Estado na maximização das liberdades e na minimização dos poderes. Como fórmula sumária, Ferrajoli representa o ordenamento como Estado liberal mínimo e Estado social máximo: Estado e Direito mínimo na esfera penal, graças à minimização das restrições de liberdade do cidadão e à correlativa extensão dos limites impostos à atividade repressiva; Estado e Direito máximo na esfera social, graças à maximização das expectativas materiais dos cidadãos e à correlativa expansão das obrigações públicas de satisfazê-las.
À evidência, Ferrajoli trabalha com a ideia de que a legitimação do Direito e do Estado provêm de fora ou de baixo, entendida como a soma heterogênea de pessoas, de forças e de classes sociais. Ou seja, como contraponto às teorias autopoiéticas do Direito, que visam, mediante um direito do tipo “reflexivo”, não adaptar o Direito aos ensaios da sociedade, mas sim aos limites do establishment, reduzindo, com isto, a complexidade social. Ferrajoli parte de uma perspectiva heteropoiética, vale dizer, desde um ponto de vista externo, que significa sobretudo dar primazia axiológica à pessoa e, portanto, a todas as duas específicas e diversas identidades, assim como à variedade e à pluralidade de pontos de vista externos expressos por ela.
Observe-se, porém, o que diz o professor italiano: é relativamente fácil delinear um modelo garantista em abstrato, e traduzir seus princípios em normas constitucionais dotadas de claridade e capazes de deslegitimar, com relativa certeza, as normas inferiores que se apartem dele. Difícil, porém, é modelar as técnicas legislativas e judiciais adequadas para assegurar efetividade aos princípios constitucionais e aos Direitos Fundamentais consagrados por eles. Por isso, faz uma forte crítica à ciência penalista, que teoriza sobre o monopólio penal e judicial da violência institucional, que esquece as práticas autoritárias e as ilegalidades da polícia, confunde a imagem normativa do Direito Penal como técnica de tutela de Direitos Fundamentais e de minimização da violência: o sistema jurídico, por si só, não pode garantir absolutamente nada; as garantias não podem estar sustentadas apenas em normas, nenhum Direito fundamental pode sobreviver concretamente sem o apoio da luta pela realização por parte de quem é seu titular e da solidariedade da força política e social, conclui. [xlviii]
Tecendo críticas semelhantes, Luciano Feldens argumenta que Luigi Ferrajoli partiria de uma concepção unilateral dos direitos fundamentais e, pois, do garantismo: "Essa compreensão unidirecional dos direitos fundamentais, a qual se traduz em uma concepção também unilateral de garantismo, fundamenta-se em uma premissa da teoria de Ferrajoli com a qual decididamente não podemos concordar. Ferrajoli prega o garantismo como uma visão pessimista do poder, entendendo-o, sempre, como um mal. Compreender o Estado como sempre um mal, assinalando-lhe um “irreduzível grau de ilegitimidade política”, parece-nos demasiado forte. Que um determinado poder (governo) possa descambar “para o mal”, achando-se exposto a “degenerar-se em despotismo” não equivale a dizer que todo o poder é mau e que necessariamente descambará para o despostismo. Como observa García Figueroa, desde tal ponto de vista a teoria de Ferrajoli expressa uma grande contradição: por um lado, parece ter perdido toda a esperança em redimir o Direito e o Estado de sua “intrínseca imoralidade”, mas, por outro, os propósitos transformadores de seu modelo não podem ser compreendidos sem o pressuposto de uma mínima confiança nas próprias possibilidades morais (evidentemente de uma moral crítica) do Estado e do Direito. No particular, Alexy, em cuja se verificam significados pontos de identificação com o paradigma constitucionalista, evidencia um claro contraponto a Ferrajoli. […] A questão novamente passa por compreender a relação que se trava entre Estado e direitos fundamentais no marco do modelo atual. O princípio do Estado constitucional de Direito, na atualidade, não exige apenas a garantia da defesa de direitos e liberdades contra o Estado; exige, também, a defesa dos mesmos contra quaisquer poderes sociais de fato. Nessa linha, se poderá afirmar, com Baptista Machado, que a ideia de Estado (Constitucional) de Direito se demite de sua função quando se abstém de recorrer aos meios preventivos e repressivos que se mostrarem indispensáveis à tutela da segurança, dos direitos e liberdades dos cidadãos. A necessidade de uma intervenção eficaz do Estado na preservação dos direitos fundamentais e/ou interesses constitucionais é missão de um Direito Penal valorativamente ajustado ao modelo de Estado constitucional nas vestes Estado Social e Democrático de Direito, um modelo no qual há coisas sobre as quais o legislador não pode decidir e algumas outras sobre as quais não pode deixar de decidir." [xlix]
No Brasil, podem-se destacar os seguintes votos do Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes como pioneiros na aplicação do princípio da proibição de proteção deficiente (muito embora sejam longas as transcrições, mostram-se muito relevantes para a argumentação): "De outro modo, estar-se-ia a blindar, por meio de norma penal benéfica, situação fática indiscutivelmente repugnada pela sociedade, caracterizando-se típica hipótese de proteção insuficiente por parte do Estado, num plano mais geral, e do Judiciário, num plano mais específico. Quanto à proibição de proteção insuficiente, a doutrina vem apontando para uma espécie de garantismo positivo, ao contrário do garantismo negativo (que se consubstancia na proteção contra os excessos do Estado) já consagrado pelo princípio da proporcionalidade. A proibição de proteção insuficiente adquire importância na aplicação dos direitos fundamentais de proteção, ou seja, na perspectiva do dever de proteção, que se consubstancia naqueles casos em que o Estado não pode abrir mão da proteção do direito penal para garantir a proteção de um direito fundamental. […] Dessa forma, para além da costumeira compreensão do princípio da proporcionalidade como proibição de excesso (já fartamente explorada pela doutrina e jurisprudência pátrias), há uma outra faceta desse princípio, a qual abrange uma série de situações, dentre as quais é possível destacar a dos presentes autos. Conferir à situação dos presentes autos o status de união estável, equiparável a casamento, para fins de extinção da punibilidade (nos termos do art. 107, VII, do Código Penal) não seria consentâneo com o princípio da proporcionalidade no que toca à proibição de proteção insuficiente. Isso porque todos os Poderes do Estado, dentre os quais evidentemente está o Poder Judiciário, estão vinculados e obrigados a proteger a dignidade das pessoas, sendo este mais um motivo para acompanhar a divergência inaugurada pelo Min. Joaquim Barbosa." [l] Delimitar o âmbito de proteção do direito fundamental à vida e à dignidade humana e decidir questões relacionadas ao aborto, à eutanásia e à utilização de embriões humanos para fins de pesquisa e terapia são, de fato, tarefas que transcendem os limites do jurídico e envolvem argumentos de moral, política e religião que vêm sendo debatidos há séculos sem que se chegue a um consenso mínimo sobre uma resposta supostamente correta para todos. Apesar dessa constatação, dentro de sua competência de dar a última palavra sobre quais direitos a Constituição protege, as Cortes Constitucionais, quando chamadas a decidir sobre tais controvérsias, têm exercido suas funções com exemplar desenvoltura, sem que isso tenha causado qualquer ruptura do ponto de vista institucional e democrático. Importantes questões nas sociedades contemporâneas têm sido decididas não pelos representantes do povo reunidos no parlamento, mas pelos Tribunais Constitucionais. Cito, a título exemplificativo, a famosa decisão da Suprema Corte norte-americana no caso Roe vs. Wade, assim como as decisões do Tribunal Constitucional alemão nos casos sobre o aborto (BverfGE 39, 1, 1975; BverfGE 88, 203, 1993). Muito se comentou a respeito do equívoco de um modelo que permite que juízes, influenciados por suas próprias convicções morais e religiosas, dêem a última palavra a respeito de grandes questões filosóficas, como a de quando começa a vida. Lembro, em contra-argumento, as palavras de Ronald Dworkin que, na realidade norte-americana, ressaltou o fato de que “os Estados Unidos são uma sociedade mais justa do que teriam sido se seus direitos constitucionais tivessem sido confiados à consciência de instituições majoritárias”.
Em nossa realidade, o Supremo Tribunal Federal vem decidindo questões importantes, como a recente afirmação do valor da fidelidade partidária (MS n° 26.602, 26.603 e 26.604), sem que se possa cogitar de que tais questões teriam sido melhor decididas por instituições majoritárias, e que assim teriam maior legitimidade democrática.
Certamente, a alternativa da atitude passiva de self restraint – ou, em certos casos, de greater restraint, utilizando a expressão de García de Enterría – teriam sido mais prejudiciais ou menos benéficas para nossa democracia.
O Supremo Tribunal Federal demonstra, com este julgamento, que pode, sim, ser uma Casa do povo, tal qual o parlamento. Um lugar onde os diversos anseios sociais e o pluralismo político, ético e religioso encontram guarida nos debates procedimental e argumentativamente organizados em normas previamente estabelecidas. As audiências públicas, nas quais são ouvidos os expertos sobre a matéria em debate, a intervenção dos amici curiae, com suas contribuições jurídica e socialmente relevantes, assim como a intervenção do Ministério Público, como representante de toda a sociedade perante o Tribunal, e das advocacias pública e privada, na defesa de seus interesses, fazem desta Corte também um espaço democrático. Um espaço aberto à reflexão e à argumentação jurídica e moral, com ampla repercussão na coletividade e nas instituições democráticas.
[…]
A primeira impressão, não há dúvida, é de que a lei é deficiente na regulamentação do tema e, por isso, pode violar o princípio da proporcionalidade não como proibição de excesso (Übermassverbot), mas como proibição de proteção deficiente (Untermassverbot).
Como é sabido, os direitos fundamentais se caracterizam não apenas por seu aspecto subjetivo, mas também por uma feição objetiva que os torna verdadeiros mandatos normativos direcionados ao Estado.
A dimensão objetiva dos direitos fundamentais legitima a idéia de que o Estado se obriga não apenas a observar os direitos de qualquer indivíduo em face das investidas do Poder Público (direito fundamental enquanto direito de proteção ou de defesa – Abwehrrecht), mas também a garantir os direitos fundamentais contra agressão propiciada por terceiros (Schutzpflicht des Staats).
A forma como esse dever será satisfeito constitui, muitas vezes, tarefa dos órgão estatais, que dispõem de alguma liberdade de conformação. Não raras vezes, a ordem constitucional identifica o dever de proteção e define a forma de sua realização.
A jurisprudência da Corte Constitucional alemã acabou por consolidar entendimento no sentido de que do significado objetivo dos direitos fundamentais resulta o dever do Estado não apenas de se abster de intervir no âmbito de proteção desses direitos, mas também de proteger tais direitos contra a agressão ensejada por atos de terceiros.
Essa interpretação da Corte Constitucional empresta sem dúvida uma nova dimensão aos direitos fundamentais, fazendo com que o Estado evolua da posição de “adversário” para uma função de guardião desses direitos.
É fácil ver que a idéia de um dever genérico de proteção fundado nos direitos fundamentais relativiza sobremaneira a separação entre a ordem constitucional e a ordem legal, permitindo que se reconheça uma irradiação dos efeitos desses direitos sobre toda a ordem jurídica.
Assim, ainda que não se reconheça, em todos os casos, uma pretensão subjetiva contra o Estado, tem-se, inequivocamente, a identificação de um dever deste de tomar todas as providências necessárias para a realização ou concretização dos direitos fundamentais.
Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas como proibições de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Utilizando-se da expressão de Canaris, pode-se dizer que os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso (Übermassverbote), mas também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela (Untermassverbote).
Nos termos da doutrina e com base na jurisprudência da Corte Constitucional alemã, pode-se estabelecer a seguinte classificação do dever de proteção:
- a) dever de proibição (Verbotspflicht), consistente no dever de se proibir uma determinada conduta;
- b) dever de segurança (Sicherheitspflicht), que impõe ao Estado o dever de proteger o indivíduo contra ataques de terceiros mediante a adoção de medidas diversas;
- c) dever de evitar riscos (Risikopflicht), que autoriza o Estado a atuar com o objetivo de evitar riscos para o cidadão em geral mediante a adoção de medidas de proteção ou de prevenção especialmente em relação ao desenvolvimento técnico ou tecnológico.
Discutiu-se intensamente se haveria um direito subjetivo à observância do dever de proteção ou, em outros termos, se haveria um direito fundamental à proteção. A Corte Constitucional acabou por reconhecer esse direito, enfatizando que a não-observância de um dever de proteção corresponde a uma lesão do direito fundamental previsto no art. 2, II, da Lei Fundamental.
Assim, na dogmática alemã é conhecida a diferenciação entre o princípio da proporcionalidade como proibição de excesso (Übermassverbot) e como proibição de proteção deficiente (Untermassverbot). No primeiro caso, o princípio da proporcionalidade funciona como parâmetro de aferição da constitucionalidade das intervenções nos direitos fundamentais como proibições de intervenção. No segundo, a consideração dos direitos fundamentais como imperativos de tutela (Canaris) imprime ao princípio da proporcionalidade uma estrutura diferenciada. O ato não será adequado quando não proteja o direito fundamental de maneira ótima; não necessário na hipótese de existiram medidas alternativas que favoreçam ainda mais a realização do direito fundamental; e violará o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito se o grau de satisfação do fim legislativo é inferior ao grau em que não se realiza o direito fundamental de proteção.
Na jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão, a utilização do princípio da proporcionalidade como proibição de proteção deficiente pode ser encontrada na segunda decisão sobre o aborto (BverfGE 88, 203, 1993). O Bundesverfassungsgericht assim se pronunciou: “O Estado, para cumprir com seu dever de proteção, deve empregar medidas suficientes de caráter normativo e material, que levem a alcançar – atendendo à contraposição de bens jurídicos – a uma proteção adequada, e como tal, efetiva (proibição de insuficiência). […] É tarefa do legislador determinar, detalhadamente, o tipo e a extensão da proteção. A Constituição fixa a proteção como meta, não detalhando, porém, sua configuração. No entanto, o legislador deve observar a proibição de insuficiência […]. Considerando-se bens jurídicos contrapostos, necessária se faz uma proteção adequada. Decisivo é que a proteção seja eficiente como tal. As medidas tomadas pelo legislador devem ser suficientes para uma proteção adequada e eficiente e, além disso, basear-se em cuidadosas averiguações de fatos e avaliações racionalmente sustentáveis. [...]”. [li]
Desta forma, o viés menos abordado dos direitos fundamentais e da proporcionalidade (face positiva ou de atuação) vem sendo reconhecido não só pelos principais ícones do Direito Constitucional no Brasil, mas também pelos Tribunais, que têm aplicado o princípio da proibição de proteção deficiente a casos concretos, além do já pacificamente aceito princípio da proibição de excesso de proibição, sem o qual o Estado como pretendido não se sustentaria.
Notas e referências:
[i] BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 356-357.
[ii] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 295-296.
[iii] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 352.
[iv] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 297-298.
[v] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 391.
[vi] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 102.
[vii] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 117-118.
[viii] DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 170.
[ix] SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 394.
[x] GRIMM, Dieter. Constitucionalismo y derechos fundamentales. Trad. Raúl Sanz Burgos e José Luiz Muñoz de Baena Simón. Madrid: Trotta, 2006, p. 101.
[xi] GRIMM, Dieter. Constitucionalismo y derechos fundamentales. Trad. Raúl Sanz Burgos e José Luiz Muñoz de Baena Simón. Madrid: Trotta, 2006, p. 81.
[xii] GRIMM, Dieter. Constitucionalismo y derechos fundamentales. Trad. Raúl Sanz Burgos e José Luiz Muñoz de Baena Simón. Madrid: Trotta, 2006, p. 99-100.
[xiii] GRIMM, Dieter. Constitucionalismo y derechos fundamentales. Trad. Raúl Sanz Burgos e José Luiz Muñoz de Baena Simón. Madrid: Trotta, 2006, p. 106.
[xiv] GRIMM, Dieter. Constitucionalismo y derechos fundamentales. Trad. Raúl Sanz Burgos e José Luiz Muñoz de Baena Simón. Madrid: Trotta, 2006, p. 161.
[xv] GRIMM, Dieter. Constitucionalismo y derechos fundamentales. Trad. Raúl Sanz Burgos e José Luiz Muñoz de Baena Simón. Madrid: Trotta, 2006, p. 155-156.
[xvi] MACHADO, Martha de Toledo. Proibições de excesso e proteção insuficiente no direito penal. A hipótese dos crimes sexuais contra crianças e adolescentes. São Paulo: Verbatim, 2008, p. 61.
[xvii] SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal : parte geral. Curitiba: ICPC; Lumen Juris, 2008, p. 28.
[xviii] GOMES, Marcus Alan de Melo. Princípio da proporcionalidade e extinção antecipada da pena. São Paulo: Lumen Juris, 2008, p. 152.
[xix] SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal : parte geral. Curitiba: ICPC; Lumen Juris, 2008, p. 28-29.
[xx] SARLET, Ingo Wolfgang. In: FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e direito penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 7.
[xxi] GOMES, Marcus Alan de Melo. Princípio da proporcionalidade e extinção antecipada da pena. São Paulo: Lumen Juris, 2008, p. 149.
[xxii] GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. O princípio da proporcionalidade no Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 35.
[xxiii] ALAGIA, Alejandro; BATISTA, Nilo; SLOKAR, Alejandro; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Direito penal brasileiro: primeiro volume – teoria geral do direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 225-238.
[xxiv] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 396-398.
[xxv] GOMES, Marcus Alan de Melo. Princípio da proporcionalidade e extinção antecipada da pena. São Paulo: Lumen Juris, 2008, p. 160.
[xxvi] FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e direito penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 83.
[xxvii] GOMES, Marcus Alan de Melo. Princípio da proporcionalidade e extinção antecipada da pena. São Paulo: Lumen Juris, 2008, p. 169.
[xxviii] FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e direito penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 83-84.
[xxix] GOMES, Marcus Alan de Melo. Princípio da proporcionalidade e extinção antecipada da pena. São Paulo: Lumen Juris, 2008, p. 188.
[xxx] FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e direito penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 85.
[xxxi] BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 366.
[xxxii] GOMES, Marcus Alan de Melo. Princípio da proporcionalidade e extinção antecipada da pena. São Paulo: Lumen Juris, 2008, p. 193.
[xxxiii] GOMES, Marcus Alan de Melo. Princípio da proporcionalidade e extinção antecipada da pena. São Paulo: Lumen Juris, 2008, p. 155-156.
[xxxiv] FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e direito penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 13.
[xxxv] STRECK, Lenio Luiz. Bem jurídico e Constituição: da proibição de excesso (übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (untermassverbot) ou de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais. Disponível em http://leniostreck.com.br/index.php?option=com_docman&Itemid=40. Acesso em 25 mar 2011, p. 8.
[xxxvi] STRECK, Lenio Luiz. O dever de proteção do Estado (Schutzpflicht): o lado esquecido dos direitos fundamentais ou “qual a semelhança entre os crimes de furto privilegiado e o tráfico de entorpecentes”? Disponível em http://leniostreck.com.br/index.php?option=com_docman&Itemid=40. Acesso em 20 ago. 2009. pp. 3-4.
[xxxvii] GRIMM, Dieter. Constitucionalismo y derechos fundamentales. Trad. Raúl Sanz Burgos e José Luiz Muñoz de Baena Simón. Madrid: Trotta, 2006, p. 157.
[xxxviii] BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 364-367.
[xxxix] SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais e Proporcionalidade: notas a respeito dos limites e possibilidades de aplicação das categorias da proibição de excesso e de insuficiência em matéria criminal. In: Revista da Ajuris, v. 35, nº 109, mar. 2008. p. 155.
[xl] GOMES, Marcus Alan de Melo. Princípio da proporcionalidade e extinção antecipada da pena. São Paulo: Lumen Juris, 2008, p. 202.
[xli] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Derecho Penal: Parte General. Buenos Aires: Ediar, 2002, p. 131-132.
[xlii] STRECK, Maria Luiza Schäfer. A face oculta da proteção dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 91-92.
[xliii] FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e direito penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 91-95.
[xliv] FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e direito penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 90-91.
[xlv] STRECK, Lenio Luiz. Bem jurídico e Constituição: da proibição de excesso (übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (untermassverbot) ou de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais. Disponível em http://leniostreck.com.br/index.php?option=com_docman&Itemid=40. Acesso em 25 mar 2011, p. 8.
[xlvi] GOMES, Marcus Alan de Melo. Princípio da proporcionalidade e extinção antecipada da pena. São Paulo: Lumen Juris, 2008, p. 195.
[xlvii] FERRAJOLI, Luigi. Por uma teoria dos direitos e dos bens fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 115.
[xlviii] STRECK, Lenio Luiz. In: ANDRADE, Vera Regina Pereira de; BARATTA, Alessandro; STRECK, Lenio Luiz. Criminologia e feminismo. Porto Alegre: Sulina, 1999, pp. 101-103.
[xlix] FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e direito penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 70-71.
[l] Supremo Tribunal Federal. RE 418.276-5, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 9/2/2006.
[li] Supremo Tribunal Federal. ADIN 3.510, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, julgada em 29/5/2008.
Fernanda Mambrini Rudolfo é Defensora Pública do Estado de Santa Catarina. Doutoranda e Mestre em Direito pela UFSC. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela EPAMPSC. Diretora-Presidente da Escola Superior da Defensoria Pública de Santa Catarina.