Projeto que obriga preso a custear gastos na prisão é inconstitucional 

09/06/2018

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado aprovou, no último dia 6/6 (quarta-feira), por 16 votos a favor e cinco contrários, o PLS 580/2015, que obriga o preso a ressarcir o Estado pelos gastos com sua manutenção no presídio. A proposta altera a Lei de Execução Penal (LEP) para definir que cada preso deverá ressarcir ao estado pelos gastos relacionados ao fornecimento de alimentação, vestuário e higiene. 

De autoria do senador Waldemir Moka (MDB-MS), o PLS 580/2015 altera a Lei de Execução Penal (LEP) para prever que o ressarcimento é obrigatório, independentemente das circunstâncias, e que se não possuir recursos próprios, ou seja, se for hipossuficiente, o apenado pagará com trabalho. 

O relator do Projeto, senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), afirmou que "O projeto é de importância ímpar, no momento em que o país todo recebe o Atlas da Violência, em que a bandidagem toma conta do país. Cada preso hoje gasta em média R$ 2,440 por mês, valor acima de muitos salários de professores e de muitos profissionais de outras áreas do país". Segundo Caiado, a partir daí o Estado terá mais recursos livres para políticas públicas. "Não vamos ter de gastar com condenado para ficar com mordomia de penitenciárias e sendo recrutados por facções criminosas", concluiu o relator. 

O Projeto, bem como as justificativas apresentadas pelo seu autor e pelo relator é abominável e revela toda insensatez daqueles que o defendem e aprovaram. Trata-se de Projeto embalado pelo populismo penal e que fere a dignidade da pessoa humana como postulado do Estado democrático de direito. 

O Brasil dominado pela fúria punitivista e pelo avanço do Estado Penal se aproxima da cifra de 750 mil presos – terceira maior população carcerária do planeta – sendo que a sua grande maioria é formada pelos mais vulneráveis, jovens, negros e pobres. São eles, também, conforme demonstra o citado Atlas da Violência, as principais vítimas dos homicídios, muitos dos quais praticados pelos agentes do Estado Penal. 

A prisão, já foi dito inúmeras vezes, é fábrica de delinquentes, é uma universidade do crime, universo alienante e artificial de onde ninguém sai melhor do que entrou. A prisão é uma contradição em si. Como punir e castigar e ao mesmo tempo reformar? Como (re)socializar privando da vida em sociedade? 

Fato relevante e que não pode ser esquecido refere-se ao número de mortes em presídios brasileiros. No ano de 2016 o Brasil teve 379 mortes nas prisões, média de uma morte por dia. É cediço que a superpopulação carcerária constitui uma das principais causas de mortes e rebeliões nas prisões. 

Como bem observa Maria Lúcia Karamgrande parte destes homicídios brutais, entre os próprios presos, nasce da convivência forçada, que faz com que qualquer incidente, qualquer divergência, qualquer desentendimento, qualquer antipatia, qualquer dificuldade de relacionamento, assumam proporções insuportáveis. O desgaste da convivência entre pessoas, que, eventualmente, não se entendam, aqui é inevitável. As pessoas que não se ajustam, os inimigos são obrigados a se ver todos os dias, a ocupar o mesmo espaço, o que, evidentemente, acirra os ânimos, eleva a tensão, exacerba os sentimentos de ódio, levando, muitas vezes, a que um preso mate outro, por motivos aparentemente sem importância”.[1] 

Desgraçadamente, os senadores da República que defendem o ignóbil Projeto, ignoram os malefícios da prisão, meio criminógeno por excelência, onde, segundo Louk Hulsman, o condenado “penetra num universo alienante, onde todas as relações são deformadas. A prisão representa muito mais que a privação da liberdade com todas as suas sequelas. Ela não é apenas a retirada do mundo normal da atividade e do afeto; a prisão é, também e principalmente, a entrada num universo artificial onde tudo é negativo. Eis o que faz da prisão um mal social específico: ela é um sofrimento estéril”.[2] 

Como já advertiu Roberto Lyra[3], “a prisão não é somente criminógena, é criminosa”. O Estado “bandido” – violador das garantias fundamentais e dos direitos humanos – exige do indivíduo que cumpra a lei, mas ele é o primeiro a infringi-la. Além das condições degradantes e sub-humanas a que são submetidos os presos, muitos deles acabam sendo assassinados dentro do próprio presídio. 

Urge que o Brasil reveja sua política criminal baseada no uso excessivo da privação de liberdade como punição a crimes, caso contrário em breve atingiremos a marca astronômica e injustificável de 1 milhão de encarcerados. 

Não se pode olvidar que o direito penal possui caráter fragmentário e subsidiário e de que a pena - remédio sancionador extremo- somente deve ser utilizada quando outros ramos do direito se mostrarem insuficientes e inadequados na proteção de bens jurídicos. 

Por tudo, os senadores que aprovaram o indecoroso Projeto deveriam abandonar, definitivamente, o discurso oco, hipócrita e populista que não condiz com o Estado Constitucional e que afronta a dignidade da pessoa humana, princípio que não faz distinção entre pessoas do “bem” ou do “mal”, “não criminosos” e “criminosos”, mas que garante a todas as pessoas um tratamento digno e humano como postulado do próprio Estado democrático de direito. 

Notas e Referências

[1] KARAM, Maria Lúcia. Dos crimes, penas e fantasias. Niterói, RJ: Luam, 1991.

[2] HULMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat. Penas perdidas: o sistema penal em questão. Niterói: Luam, 1993.

[3] LYRA, Roberto. Direito penal normativo. Rio de Janeiro: José Konfino, 1975.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Senado // Foto de: André Gustavo Stumpf // Sem alterações

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