Professora, homossexualidade não é crime!... Mas o preconceito mata pessoas

19/10/2016

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Por Bartira Macedo de Miranda Santos – 19/10/2016

A tua piscina tá cheia de ratos Tuas ideias não correspondem aos fatos

Cazuza

Dizer que homossexualidade não é crime parece uma afirmação absurda pela sua obviedade. Mas, infelizmente, estamos num tempo em que é preciso defender o óbvio. As ideias não são coisas que desaparecem ou que morrem. Em se tratando de sistema punitivo, as ideias que racionalizam e legitimam a repressão, a punição e a exclusão de determinados grupos sociais sempre reaparecem, voltam ou permanecem, ou simplesmente transformam-se, atuando de forma diferente. Na Criminologia, o passado não é um tempo que acabou. A Idade Média não acabou. O fascismo não acabou. Os discursos punitivos da idade das trevas e mesmo do holocausto persistem na atualidade, alguns mudando as formas de expressão, sem mudar o fundamento que os sustentam. Como diz Anitua[1], “os discursos não são naturais; tem uma origem histórica claramente determinada” e “todo ato discursivo (toda forma de conhecimento) é um ato de poder”.

Parece óbvio dizer que todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança. Que todos os homens e mulheres nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Afinal, todo ser humano tem capacidade de gozar os direitos e as liberdades estabelecidas na Declaração Universal dos Direitos humanos (1948, ONU), independentemente de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política, origem social ou nacional, assim também previstos na Constituição da República Federativa do Brasil.

Na verdade, todos esses direitos são absolutamente recentes na história da humanidade e ainda temos um longo caminho a percorrer no que diz respeito à compreensão do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança. Esses direitos são construções jurídicas lentas e difíceis de universalizar. Uma longa e gradual história de luta teórica (e de sangue) antecedem a colocação desses direitos nos textos normativos e outra grande luta se trava para a sua efetivação.

Podemos perguntar: porque é tão difícil a concretização do direito à vida, à liberdade e à segurança?

É porque o direito à vida não se resume ao direito de não ser morto, embora nem esse aspecto seja respeitado, num país que produz 60 mil cadáveres por ano e um homossexual é morto a cada 36 horas. O direito à vida implica o direito a uma vida digna, com a possibilidade de ser tudo o que se quer e for possível ser; é ter acesso aos “bens da humanidade” e satisfação de suas necessidades. O direito à vida quer dizer o direito de não ser morto por sua orientação sexual, religião, opinião política, cor, origem regional, posição social, e quer dizer também o direito de ser diferente daquilo que se preconiza como “certo”.

Como diz Flávia Inês Schilling[2], não é por acaso que o direito à vida, à liberdade e à segurança estão enunciados conjuntamente na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Dependendo de nossa capacidade de cuidar do direito à vida, nossa liberdade e segurança estão em risco.

O direito à segurança não diz respeito apenas ao nosso direito de não sermos roubados, agredidos e violentados, mas também o direito de cidadania, direito de ir e vir, e que sejamos respeitados na nossa dignidade. O direito de segurança inclui a certeza de que teremos assegurados tantos outros direitos básicos como saúde, educação e lazer, e que quando estivermos mais velhos teremos uma aposentadoria digna. Inclui a certeza de que não seremos agredidos pelas nossas opções de vida, pelo nosso modo de ser, pela nossa orientação sexual.

A construção de uma sociedade livre, justa e solidária depende da compreensão e da efetividade desses direitos básicos e elementares. Mas essa construção teórica de respeito à vida, à liberdade e à segurança é difícil de concretizar, seja em relação a formas de pensar em si, seja em relação a elaboração de políticas públicas para a concreção desses direitos.

Em pleno século XXI, ainda não avançamos no sentido de colocar esses direitos como consenso. Há um sistema de crenças e ideias que racionalizam a atuação seletiva e desigual do poder punitivo. Embora a função do direito penal e do direito processual penal seja estabelecer uma estrutura normativa para limitar a atuação do poder punitivo desregrado, ainda há pessoas e grupos que lutam pelo direito ao direito penal e ao processo penal, para não serem mortas, executadas sumariamente, sem direito a um processo e a um julgamento. No Brasil, como sabem, não existe a pena de morte, mas existe a morte sem pena. A violência contra determinados grupos sociais, a exemplo dos homossexuais, se alimenta de um conjunto de ideias que culminam em agressões e mortes. Penso que o papel dos professores da área penal seja o de colocar as ideias de forma crítica, sempre chamando a atenção para o seu significado do ponto de vista da sua autuação discursiva nas relações de poder; se tendente à promoção aos direitos humanos ou à sua aniquilação, se pela constrição do arbítrio penal ou pela sua expansão. Enfim, as ideias não são neutras e, em alguns casos, elas implicam no respeito, ou não, ao direito à vida, à liberdade e à segurança.

Identificar as intenções políticas por detrás das ideias exige um certo refinamento teórico, especialmente quando se utiliza de autores consagrados para distorcer teorias. Mas, muitas vezes, as ideias estão tão cheias de preconceito que qualquer pessoa de bom senso consegue enxergar o seu despautério. Não podemos confundir o debate acadêmico com a opinião desfundamentada, fascista, racista ou preconceituosa, ainda que ditas por quem esteja, seja lá por qual motivo, exercendo a docência (e ainda que, no passado, essas ideias estiveram no repertório científico). As ideias científicas podem ser controversas, mas a divergência se dá dentro do campo da ciência, sob certos paradigmas aceitos pela comunidade científica. Assim, dizer, por exemplo, que a homossexualidade é crime, não é uma afirmação que esteja no campo da ciência de hoje; não é um debate aceito como acadêmico, enfim, é um debate que está à margem da ciência.

Em 11/10/2016, o Jornal Opção publicou reportagem com o título “Nova direita passa a ocupar espaço nas Universidades”. Assinada por Augusto Diniz, o texto, a pretexto de entender o crescimento da direita na sociedade, tratou de um pretenso crescimento do pensamento conservador nas Universidades, e entrevistou uma professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás.

O Texto da reportagem chega a ser um acinte à Faculdade de Direito da UFG. Nós, professores da Vestusta, sentimo-nos profundamente envergonhados pelo teor da reportagem.

Não há debate teórico possível com quem divide o mundo entre “esquerdista” e “direitista”. Nem mesmo é possível tratar de ciência como se estivesse na mesa de bar. É certo que as redes sociais deram visibilidade à idiotia e muitos perderam a vergonha de expressarem seus preconceitos. Mas isso não dá direito a qualquer professor de expressar seus despautérios no exercício da docência. Definitivamente, todo debate teórico tem seus limites nas fronteiras de outras formas de pensamento, que não o pensamento científico. E querer dar credibilidade às falas invocando o locus da “academia” só mostra o quanto a reportagem e o seu veículo de comunicação são pouco sérios.

É com muita indignação, que vemos o maior descalabro do texto na fala da professora ao referir-se à homossexualidade, “ela explica que gosta da pessoa, mas não aprova o crime que ela comete”.

Homossexualidade não é crime. É estarrecedor ver uma afirmação dessa de uma “professora” de direito penal. Já seria considerado um absurdo se a frase fosse dita em uma mesa de bar, mas dita enquanto “professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás”, envergonha toda a comunidade acadêmica.

O episódio mostra o grande atraso civilizatório na concreção de direitos à comunidade LGBT. Identificados como “criminosos”, está aberto o caminho para o discurso justificador da violação de seus direitos. Com esse discurso se abrem as jaulas dos preconceitos e soltam as bestas feras do fascismo. O curioso é que o texto da reportagem apresenta a visão de mundo de quem acha que o Estado não deve controlar a sociedade, que a liberdade deve ser garantida, defende um “capitalismo de verdade”, pois nele só “os competentes sobrevivem e quem não é competente não tem espaço”. Vejam: pelas ideias do texto, não deve haver controle do Estado sobre os indivíduos e sobre a economia. Mas, por outro lado, o texto é permeado por imposições de como as pessoas devem ser e de como devem conduzir suas vidas, “para a sociedade não sair do controle”. Não é contraditório? No fundo, querem a liberdade de mercado e direitos apenas para determinadas pessoas; querem o direito de controlar os outros sem serem controlados. E isso está diretamente relacionado ao exercício do saber/poder em relação a determinados grupos de pessoas. Preconceitos sem freios e poder sem limites levam à morte milhares de homossexuais e outros grupos sociais mais vulneráveis à violência.

Por fim, uma palavra sobre competência. Presume-se que todo professor de uma instituição de ensino público tenha passado de forma idônea em um concurso público. Presume-se, pois, que todos tenham as habilidades e competências para o cargo que exercem. No entanto, alguns casos são absolutamente inexplicáveis. Nem por isso, entretanto, se deve dar credibilidade a quem não a tem. Estamos vivendo um tempo de ascensão do pensamento autoritário, que nos mostra que as ideias da Idade Média estão em plena vigência, em que o fascismo ainda busca suas vítimas e, tal como aconteceu nesses períodos históricos, há sempre quem alimente e pretende legitimar a barbárie. Não é que o pensamento conservador, “de direita”, autoritário ou fascista tenha crescido nas Universidades. Desde o final da segunda grande guerra, esses pensamentos estavam nos porões, escondido nos “armários do veneno”[3]; mas, por questões historicamente explicáveis (e com a ascensão de um governo ilegítimo, apoiado pela grande mídia, tal qual ocorreu na ascensão de Hitler), se está querendo remover das trevas as bestas derrotadas pela história. Por meio de um factoide, pretendem fazer um pretenso contraponto que simplesmente não existe. Esse pensamento não está representado na academia; ele representa, ao contrário, a ignorância, o desconhecimento, a má fé, a justificação da barbárie, a burrice, o preconceito, ou seja, tudo contra o que se opõe o conhecimento científico. Não nego que isso seja um tipo de saber, pelo qual se exerce um poder; apenas não reconheço esse saber como sendo um saber científico (= conhecimento cientifico).

Por fim, agora realmente por fim, olhemos para a frase: “quem não tem competência não deve ter espaço”. Negar “espaço” pode significar negar a vida, a liberdade e a segurança das pessoas. Na estrutura ideológica do sistema punitivo, quando se idêntica a homossexualidade como crime, nega-se, aos homossexuais, o espaço da cidadania e o respeito que lhe são devidos, pelo simples fato de existirem como seres humanos. Esta é a porta de entrada para o exercício do poder de matar. Eu simplesmente não posso aceitar que a minha ciência mate pessoas. Nem posso ser conivente com os preconceitos – de quem quer que seja – que continuam a matar pessoas.


Notas e Referências:

[1] ANITUA, Gabriel Ignacio. Histórias dos pensamentos criminológicos. Tradução de Sérgio Lamarrão. Rio de Janeiro: Revan, 2008 (Coleção Pensamento Criminológico, nº 15).

[2] SCHILLING, Flávia Inês. Prefácio. In: MATSUDA, Fernanda Emy; GRACIANO, Mariângela; OLIVEIRA, Fernanda Castro Fernandes de. Afinal, o que é segurança pública. São Paulo: Global, 2009, p. 13.

[3] Vide: CONDE, Francisco Muñoz. Edmund Mezger e o direito penal do seu tempo: estudos sobre o direito penal no Nacional Socialismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.


Bartira

. Bartira Macedo de Miranda Santos é Doutora em História da Ciência pela PUC-SP, professora da Faculdade de Direito da UFG, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e conselheira seccional da Ordem dos Advogados de Brasil – Seção Goiás. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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