Processo Penal "denorex"; parece mas não é

26/01/2016

Por Tiago Oliveira de Castilhos - 26/01/2016[1]

[...]. No nosso ambiente intelectual, a verdade que conta é a verdade midiática. Qual é essa verdade?[2]

Vive-se uma peculiaridade no processo penal hoje, vinculada a interferência proveniente da "informação", oriunda da mídia, no que se refere a fatos criminais. Vive-se a "tele-realidade presente"[3] muito bem apresentada por Virilio, ao ponto das coisas e pessoas não serem mais o que elas aparentam ser, isso porque ocorre a "propaganda" (RAMONET, p. 48) que diz "[...]. Um discurso de propaganda é um discurso que tenta, criando fatos, ou ocultando-os, construir um tipo de verdade falsa, o que  está longe de ser o desígnio de nossos próprios sistemas informacionais. [...]."

Assim é o nosso processo penal "denorex", pois parece ser democrático e garantidor de direitos, mas está longe de ser, ou seja, é o slogan do "parece mas não é". Se cada vez mais notícias de processos e da atividade policial que são vendidas como a salvação para os males do nosso país, como a solução dos nossos problemas, quando na verdade são o prognóstico de mais problemas pela frente, pois são direitos e garantias sendo esmagados pelo Estado penalizador.

O processo penal idealizado nos cursos de direito é aquele processo penal romântico, ou seja, aquele que deveria ser, mas não é verdadeiramente. O processo penal que deveria ser é aquele instrumento de limitação do poder profanador do Estado frente ao mais fraco, ou seja, ao réu.

Ensina-se nas faculdades de direito não o que verdadeiramente acontece na prática, por isso se fala que a prática se distancia da teoria o que é uma lástima. Se ensinássemos o processo como ele é, ou seja, o processo penal aos moldes da "vida como ela é" de Nelson Rodrigues, isso seria um tremendo "tiro no pé", contra a "venda dos cursos de direito", o que nos levaria a ter poucos bancos da faculdade preenchidos porque a realidade é "punk" e as dificuldades são extremas, pois somos nós contra todo o sistema.

Graças se dá porque ainda existem doutrinadores que dão suporte para que se entenda que o processo é um jogo e que o "J" da "Justiça" não significa que seja feita a "Justiça", mas sim, de que o "Jogo" é jogado e quem melhor faz as jogadas leva a partida (Alexandre Morais da Rosa). Um jogo em que você advoga/joga a partida contra o dream team, leia-se "Barcelona" (famoso time de futebol), perdendo de 2X0, já com a partida no segundo tempo é extremamente difícil, pois é assim que começamos a partida já com o placar atrás.

E tudo tende a piorar e isso não se trata de ser pessimista ou ser o "cavaleiro do apocalipse", não, nada disso, mas de simplesmente situar o leitor na realidade. Tal realidade do processo penal além de complicada é desigual, pois além do instituto ter sido forjado por fascistas, recebe o processo elementos extrínsecos que fazem com que o "Jogo" fique mais difícil de ser jogado As imagens e informações lançadas na mídia dificultam o atuar da defesa porque criam cada vez mais a ideia de que as garantias são muitas e por isso a criminalidade está tomando conta da sociedade, logo, devemos restringir direitos e garantias, a propaganda é feita e com isso os oportunistas aparecem, basta ver as propostas contra corrupção do Ministério Público Federal, mas isso é assunto para outro momento.

O elemento extrínseco o qual me refiro é a "mídia" e a sua propaganda demonizadora das garantias constitucionais, mas não falo daqueles programas imbecis, como, por exemplo, os "datanistas" e "marcelo rezendistas",[4] não, mas sim da grande mídia que almoça e janta com as famílias no país inteiro, ou seja, jornais regionais ao meio dia e o jornal em rede nacional às 20hs chamado "Jornal Nacional" (JN).

Não quero ser prolixo e por isso foco a crítica para a infame "Operação Lava-Jato" e a deusificação do "moro"[5] feita pelo JN, que vende ainda a velha ideia, que cola mais que velcro dupla face (adesivo sintético), a de que esta infame "Operação" é uma verdadeira cruzada do "bem" contra o "mau", quando na verdade é mais um processo estilo "hidra"[6] (mitologia grega), ou seja, um bicho de muitas cabeças.

A mídia televisiva, pois é marca a cima de qualquer suspeita, já que se tem um "galã"[7] como apresentador e ele não mente, propaga que esta "Lava-Jato" tem muitas vantagens, pois possuiu um instrumento importantíssimo contra o crime que é a "Delação Premiada" e com ela ocorre a recuperação de muito dinheiro, com ela se coloca muito corrupto/bandido na cadeia, que é sem dúvida o fetiche daqueles que não a conhecem verdadeiramente o cárcere (Senhor perdoe-os eles não sabem o que falam), o que seria suficiente com a leitura da "Falência da Pena de Prisão" (Bitencourt).

É claro que deixam de mostrar que tudo isso custa muito, custa o quê? O direito de todos nós porque o processo penal com garantias é nosso; a própria democracia; a estética de se ter um processo penal democrático, garantidor; de ser uma limitação ao poder punitivo do Estado, além de encobrir que a "Operação" se dá com base em declarações dos chamados "X9", ou popularmente conhecidos como "dedo duro"; que se faz um "negócio" entre juízes, promotores; esquecem de propósito de dizer que a "Delação" é extraída pela ameaça da prisão preventiva; que há uma barganha como o delator (ética aqui nem pensar); documentos usados de forma irregular (docs. vindos do exterior), "Delações" conflitantes, entre tantas outras coisas. Esperar o que daquele "salvador" da pátria que preside esta "Operação" que prega que "os fins justificam os meios"[8].

Já finalizando, para não ser enfadonho, esta infame "Operação" e seus defensores e propagandistas causaram já e causarão prejuízos irreparáveis para o processo penal que se idealizava a longos anos. Para aqueles adeptos ao "morismo" estas "Delações" e a "Operação Lava-Jato" são "boas" para nós, mas como ensina Aury Lopes Jr: "bom para quem e bom por quê?


Notas e Referências:

[1] Slogan de publicidade de um Shampoo anticaspa que esteve presente nas telas brasileiras na década de 70 início dos anos 80. A propaganda tratava de dizer que era um shampoo com cheiro de remédio mas não era remédio e sim shampoo. Logo, "parece mas não é"!

[2] RAMONET, Ignacio. A tirania da comunicação. Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth. 5 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010, p. 45.

[3] VIRILIO, Paul. A Inércia polar. Tradução de Ana Luísa Faria. Lisboa: Dom Quixote, 1993, p. 13. "Tele-realidade presente", trata de um tempo imediato, "um tempo real que afeta gravemente o espaço das coisas reais" que revoluciona a percepção das coisas, pois há o imediatismo da imagem de coisas e acontecimentos em tempo real.

[4] Alcunha irônica que identifica o apresentador José Luiz Datena e seus seguidores. Ele é jornalista, locutor e apresentador de programa de televisão, apresenta o programa "Brasil Urgente", na TV Bandeirantes,  programa de cunho populista criminal que explora a criminalidade com intuito nítido de potencialização da insegurança pela venda da imagem trágica e informação do trágico. Esse programa vai ao ar em horários em que os Datanistas lhe aguardam sedentos por (des)informações vinculadas a criminalidade. As informações foram colhidas do wikipedia. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Luiz_Datena > Acesso em: 8 ago 2015. Expressão identificadora do apresentador Marcelo Luiz Rezende Fernandes que apresenta o programa de cunho populista "Cidade em Alerta" desde 2012, com imagens e reportagem sobre violência e criminalidade, sem conhecimento teórico algum. Programa de quinta categoria veiculado pela Rede Record em horário nobre.  Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Marcelo_Rezende > Acesso em: 9 ago. 2015.

[5] "Moro" e "morismo" denominação aplicada ao Juiz Sérgio Moro da "Operação Lava-Jato", midiaticamente conhecidos.

[6] Monstro criado por "Hera" para matar "Héracles", representava o interior do ser humano, com suas futilidades, vaidades e ostentações. Disponível em: < http://www.dicionariodesimbolos.com.br/hidra/ > e < http://mitologiagregadedeusesemonstros.blogspot.com.br/p/monstros-da-mitologia-grega.html >. Acesso em: 21 jan. 2016.

[7] Apresentador do Telejornal Nacional, da empresa Globo Comunicações e Participações S.A, dos anos 1990 até os dias atuais.

[8] YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. No Estado Democrático de Direito os fins não podem jamais justificar os meios. Em Consultor Jurídico. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2015-fev-04/leonardo-yarochewsky-fins-nao-podem-jamais-justificar-meios > Acesso em: 24 mar. 2015.

MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia Compacto do Processo Penal conforme a teoria dos Jogos. 2 ed., rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 3. ed. São Paulo: Saraiva. 2004.  Disponível em: < http://www.dicionariodesimbolos.com.br/hidra/ > e < http://mitologiagregadedeusesemonstros.blogspot.com.br/p/monstros-da-mitologia-grega.html >. Acesso em: 21 jan. 2016.  RAMONET, Ignacio. A tirania da comunicação. Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth. 5 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. No Estado Democrático de Direito os fins não podem jamais justificar os meios. Em Consultor Jurídico. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2015-fev-04/leonardo-yarochewsky-fins-nao-podem-jamais-justificar-meios > Acesso em: 24 mar. 2015. VIRILIO, Paul. A Inércia polar. Tradução de Ana Luísa Faria. Lisboa: Dom Quixote, 1993.

Tiago Oliveira de CastilhosTiago Oliveira de Castilhos é Mestre em Ciências Criminais pela PUC/RS. Especialista em Ciências Penais pela PUC/RS. Especialista em Neopedagogia da Gramática pela FATIPUC/RS. Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal da Uniritter Laureate International Universities e Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal com Ênfase em Segurança Pública da Uniritter Laureate International Universities. Professor de Direito Penal da Graduação em Direito da FADERGS. Professor do Curso Tecnólogo Jurídico em Serviços Penais da FADERGS. Professor convidado das Pós-Graduações da Uniritter Laureate International Universities. Publicou o livro "Prisão Cautelar e Prazo Razoável." Curitiba: Juruá, 2013. Contato: tiagodecastilhos@gmail.com


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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