Processo penal à moda fast - food?

29/05/2016

Por Ygor Nasser Salah Salmen e Wellington M. de Almeida - 29/05/2016

A notícia, vinculada no site do Ministério Público do Estado do Acre em 06 de abril de 2016, é de causar um verdadeiro “frio na barriga”: “Ministério Público oferece denúncia em audiência de custódia e obtém condenação de réu em apenas três dias”.

Acerca da notícia, restou publicada que:

“O Ministério Público do Estado do Acre (MPAC), por meio da Promotoria de Justiça de Xapuri, ofereceu denúncia contra acusado de crime de roubo, ainda em audiência de custódia, possibilitando a instrução do processo e condenação do réu no mesmo dia.

No caso concreto, o réu foi preso no dia em flagrante pela polícia após a prática de crime de roubo de um aparelho celular. No inquérito policial, confessou o crime, bem como, foram apreendidas, em seu poder, o telefone da vítima e a arma branca utilizada para a prática do delito.

Apresentado em audiência de custódia, seu flagrante foi devidamente  homologado e a prisão convertida em preventiva. Na mesma ocasião, já foi oferecida denúncia que, devidamente recebida pelo magistrado, Luis Gustavo Alcalde Pinto, abriu vista ao advogado do réu, que já ofereceu também em audiência a defesa preliminar.

Designada a instrução processual para o mesmo dia, restou ao réu condenado a pena de cinco anos e quatro meses de reclusão em regime inicial semiaberto” [1]

Na toada acima, concernente à da audiência de custódia, o promotor acriano explana que “na prática, criou-se apenas maior burocracia na contramão do princípio constitucional da razoável duração dos processos”. Ainda, complementou que “na Itália, é possível a adoção do chamado ‘rito diretíssimo’”.

Vislumbra-se, de imediato, a possibilidade de debate sobre a demasiada presteza no caso supramencionado. Afinal, é profícuo aplicar-se - à luz da Constituição da República Federativa do Brasil, consubstanciada na Convenção Americana de Direito Humanos -, a moda “fast-food” no processo penal?

Acredita-se que não. Ainda que haja o procedimento “rito diretíssimo” em outros países, essa celeridade processual pode macular garantias individuais, desatendendo, sobremaneira, o interesse público.

Diferentemente do preconizado na notícia em comento, observa-se que a Audiência de Custódia, adotado através de política criminal incentivado pelo Conselho Nacional de Justiça, tem como fim precípuo a apresentação do preso em flagrante à autoridade judiciária para análise da prisão, bem como, se necessário, a sua manutenção.

Visa-se, de forma indiscutível, dar evasão a quantidade absurda de presos provisórios, e, principalmente, atentar-se ao direito fundamental de liberdade. Não se tem, pois, condão de instrução processual e julgamento do caso penal.

Trata-se, pois, da impossibilidade de analisar o processo penal como um todo, discutir-se eventuais nulidades, provas ilícitas, aguardar laudos periciais, arrolar testemunhas, analisar processos complexos, enfim, uma série de elementos indispensáveis que são impossíveis de serem realizados em apenas 3 (três) dias, e, muito menos, na mera audiência de custódia, se competente aquele juízo fosse.

Corroborando com o exposto, a Convenção Americana de Direitos Humanos ao estabelecer Garantias Judiciais em seu artigo 8, inciso 2, estabelece que:

Artigo 8.  Garantias judiciais

2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.  Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

b. comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;

c. concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa;

f. direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos;

Com efeito, percebe-se desarrazoado o processo penal em que se busca uma sentença condenatória sem qualquer respeito ao cenário procedimental em contraditório. É necessário, de forma incontroversa, a possibilidade à produção de todos os meios de provas e a consecutiva análise pelo magistrado criminal.

Nunca é demais lembrar do Princípio Constitucional da Presunção da Inocência, conferido através do 5º, LVII da nossa Constituição da República, que não só possibilita ao acusado o amplo direito à defesa, tanto técnica, quanto pessoal, como de não ser “considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. – Neste sentido, indispensável a leitura da Ação Declaratória de Constitucionalidade proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil[2].

Pelo exposto, abre-se aqui uma série de discussões que estes autores pretendem trazer acerca da implementação da audiência de custódia no cenário brasileiro, bem como desdobramentos, competências, casos práticos e demais informações necessárias a fim de preconizar debates.


Notas e Referências:

[1] Disponível em: http://www.mpac.mp.br/xapuri-mpac-oferece-denuncia-em-audiencia-e-obtem-condenacao-de-reu-em-tres-dias/. Acesso em 24 de maio de 2016.

[2] Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-mai-20/oab-supremo-suspenda-prisoes-antes-transito-julgado


Ygor Nasser Salah SalmenYgor Nasser Salah Salmen é advogado criminal, Membro da Comissão de Prerrogativas da OAB/PR, Membro da Comissão de Advogados Iniciantes da OAB/PR, possui pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal pela ABDConst e é formado pela Universidade Positivo, instituição em que foi Pesquisador de Iniciação Científica pelo período de 3 (três) anos. E-mail: salmen@salmenadvogados.com.br


Wellington M. de Almeida. . Wellington M. de Almeida é advogado criminal, possui pós-graduação em Direito Penal Econômico e Empresarial pela Universidade Positivo. E-mail: salmen@salmenadvogados.com.br. .


Imagem Ilustrativa do Post: Fast food // Foto de: Crispin Anderton // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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