Processo eletrônico e o Princípio da Extraoperabilidade: A conexão a serviço da causalidade (informação), da estrutura (operação) e da juridicidade (Parte 4)

17/07/2015

Por S. Tavares Pereira - 17/07/2015

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Princípio da Extraoperabilidade

O princípio: uma diretriz estratégica para os tecnólogos

Um SEPAJ deve ser concebido como um subsistema autônomo e estruturalmente acoplado

O princípio[1] da extraoperabilidade, lançado em 2009[2], é uma diretriz estratégica, no sentido das ciências administrativas e organizacionais, para o desenvolvimento do SEPAJ, passada pelos juristas aos tecnólogos. Sua enunciação funda-se no surgimento das eConexões. O comando, advindo do jurídico e direcionado aos técnicos, cumpre também o papel que Luhmann refere ao dizer que "el sistema jurídico se convierte a si mismo em ley"[3], ou seja, os juristas autorizam características tecnológicas do sistema de informação SEPAJ e legitimam os sistemas que as incorporam conforme recomendado.  As preocupações do princípio são a segurança[4] e a aderência jurídica do SEPAJ: processo na internet, conectado, com segurança e sem ofensa ao Direito.   O direito fundamental do devido processo legal é o limite[5].

A ferramenta tecnológica (SEPAJ) de produção do processo eletrônico implica, como se viu, uma transformação de natureza do próprio processo, que se tornou híbrido: sistema sócio-técnico. A diretriz dirige-se aos desenvolvedores da ferramenta porque o ganho decorrente da amplificação das possibilidades de conexão (eConexões) se faz exatamente pela ferramenta (o sistema de informação SEPAJ) e não pelas conexões típicas que sempre caracterizaram o sistema processual, proporcionadas pelos agentes processuais humanos (sistemas de consciência).

Na época, para a formulação textual da diretriz, utilizou-se o enfoque sistêmico luhmanniano do processo e do procedimento judicial expostos em legitimação pelo procedimento[6], mais tarde ampliados em sistemi sociali.  Apenas o SEPAJ é capaz de plugar o processo na internet e deve-se balizar essa conexão.

Ao teorizar a sociedade sob as luzes da teoria dos sistemas, Niklas Luhmann introduziu conceitos que são fundamentais, também, quando se pensa nos sistemas eletrônicos de processamento de ações judiciais (SEPAJ).

À luz do pensamento sistêmico das décadas de 50 e 60[7], Luhmann afirmava que os subsistemas sociais, aos quais equipara expressamente o procedimento judicial, se formam por diferenciação funcional e são autônomos[8].  A ferramenta SEPAJ não existia, na época. Os sistemas sociais – que são sistemas de comunicação - dependiam exclusivamente de sistemas psíquicos, também ditos de consciência.

O Niklas Luhmann que Alberto Febbrajo chama de segundo Luhmann absorveu, na década de 70, as novas idéias sobre sistemas autopoiéticos e passou a referir-se a sistemas autoreferenciais, que têm sua sobrevivência condicionada pela heteroreferenciabilidade, ou seja, devem estar estruturalmente acoplados ao sistema total, ao ambiente[9].   "O sistema e o ambiente concorrem sempre para a realização de todos os efeitos [...]  Não existem  sistemas sem ambientes ou ambientes sem sistemas [...] "[10] [tradução livre].

Na introdução à edição italiana de sistemas sociais, Alberto Febbrajo afirma que Luhmann realça, desse modo, o problema da conexão entre os subsistemas, conforme a recomendação caracterizadora do pensamento sistêmico (sistemas são redes, teias) e  fixa a comunicação como operação básica dos sistemas sociais: "se pode assim dizer que o conceito de comunicação tende não mais a se apoiar no conceito de função, mas a substituí-lo como conceito-guia [...]"[11] [tradução livre].  Duas outras categorias são, ainda, teorizadas por Luhmann, exaustivamente: interpenetração e acoplamento estrutural. Elas são correlatas das idéias de clausura operacional e abertura causal.

O princípio da extraoperabilidade destaca autonomia e acoplamento estrutural como características que o sistema técnico do processo deve ter.

Até onde, como e quanto usar da capacidade de conexão?

O princípio da extraoperabilidade, em primeiro lugar, obriga a área tecnológica a cobrar dos juristas a definição dos níveis em que um SEPAJ pode valer-se das novas possibilidades de conexão: só no informacional (abrir-se apenas cognitivamente), só no estrutural (permissão de penetração estrutural/acoplamento) ou em ambos?  Em segundo lugar, os tecnólogos deverão maximizar o uso da conexão nos limites das permissões postas.

A capacidade conetiva pode ser o limite? Parece que não. Na busca dessa resposta, os juristas se questionarão, por exemplo, sobre os riscos que existem, para a autonomia sistêmica processual, com as quebras do regramento milenar do processo que podem decorrer das inovações tecnológicas atinentes à amplificação quantitativa e qualitativa das conexões. Terão de atentar para o princípio da dupla instrumentalidade – ou da subinstrumentalidade – da tecnologia.[12] Perceberão que as eConexões são de natureza diversa daquelas que sempre estiveram presentes no processo e que a mutação de natureza das conexões evidencia uma propriedade do processo eletrônico, introduzida pelo eSujeito, o SEPAJ.  Os riscos do descontrole do fluxo informacional ou da composição estrutural desse sistema técnico, pela via das conexões tecnológicas, certamente serão objeto da consideração ponderada dos juristas (ou deveriam ser). Estar na internet é um risco[13].  Afinal, quem controla ou deve controlar os fluxos e os contatos do sistema processual com o entorno?  Esses fluxos são naturalmente exacerbados pelas novas formas de conexão do processo com os demais sistemas do mundo virtual.

Atualmente, os SEPAJ, embora timidamente, já adotam, em diferentes níveis, mecanismos que incorporam utilizações das eConexões para alimentação informacional e para acoplamento estrutural virtual. É o caso do Bacenjud, por exemplo. O princípio deve abrir o caminho para a expansão segura e legítima dessas interações/absorções.

Um erro comum nesse espaço de reflexão é pensar numa relação diretamente proporcional entre quantidade de conexão e qualidade do processo: quanto mais conexões, maior a qualidade do sistema processual. Estudos sociológico-sistêmicos e neurofisiológicos, no entanto, refutam essa expectativa[14]. Em verdade, empiricamente as ciências demonstram que essa relação tende a ser inversamente proporcional.  O aumento de complexidade sistêmica só pode ser construído a partir de uma consistente redução seletiva das conexões.

Interoperabilidade e extraoperabilidade

Sob enfoque da tecnologia da informação, a interoperabilidade ganhou força a partir do surgimento da internet. No mundo virtual, todos os sistemas devem poder comunicar-se. A idéia de teia (web) não resiste a uma composição de mundo virtual a partir de sistemas incapazes de se comunicar. A comunicação entre os sistemas é condição da sobrevivência dos milhões de sistemas presentes na rede e da operacionalidade da própria rede, ela mesma um sistema imenso cuja função é prover vias de comunicação.  Os sistemas da rede devem ser capazes, portanto, de comunicar-se entre si, segundo determinados padrões (protocolos), com fluxo de informação em geral bilateral[15].  Basta lembrar que a evolução para a web 2.0 trouxe a característica inovadora da bilateralidade do fluxo comunicacional (interação).

Ocorre que, entre os técnicos que trabalhavam em sistemas eletrônicos para o  processo, reduziu-se o alcance do termo interoperabilidade para significar a possibilidade de contato apenas entre os sistemas processuais - dos diferentes tribunais, das diferentes instâncias etc. Ainda hoje se pode dizer que ela é mínima e continua sendo uma melhoria a ser perseguida.

Por isso, o termo extraoperabilidade foi interpretado por alguns, quando do anúncio do princípio, como tendo caráter apenas provocativo, para combater a redução conceitual de interoperabilidade  no âmbito do judiciário.

O neologismo extraoperabilidade, então proposto, de fato serviu também para quebrar o viés reducionista do conceito de interoperabilidade. Ele foi eficaz para aludir à necessária conexão dos sistemas processuais com o mundo, com os demais sistemas eletrônicos disponíveis na sociedade e nos quais se encontra a grande massa de informação necessária para as ações e decisões processuais.  Mas o escopo real do princípio dizia respeito à própria concepção do SEPAJ, à sua conformação estrutural e à sua imersão no mundo virtual de maneira a aproveitar ao máximo as e Conexões por ele introduzidas no processo, com segurança.

Destinatários do princípio da extraoperabilidade

Para aproveitar o alargamento das conexões sistêmico-tecnológicas que a nova ferramenta processual propicia (eConexões), propôs-se que os técnicos se desvinculassem da visão secular cultuada pelos operadores do processo (o que não está nos autos não está no mundo, a qual, frise-se, continua fundamental na fase operativa do processo!), substituindo-a por outra: "o que não está nos autos, está no mundo ou num outro sistema".

Alguns entenderam, então, que a diretriz se dirigia à fase operativa do sistema e aos agentes processuais humanos. Um erro. Ela, enquanto diretriz para o desenvolvimento da ferramenta, estava vocacionada a regular a atuação dos técnicos desenvolvedores do SEPAJ.

As duas idéias fundamentais, presentes na diretriz, são  autonomia do sistema processual e acoplamento estrutural. A primeira, autonomia, envolve a questão do fluxo informacional (abertura cognitiva) mas sob estrito controle do SEPAJ. A segunda toca na questão da estrutura e estabelece, talvez, o ângulo mais profundo da diretriz: sistemas compartilhando/somando estruturas (algoritmos).

Um sepaj, concebido e desenvolvido com observância das duas idéias chaves, habilitar-se-ia a ser um agente automatizado (eSujeito) acelerador do sistema processual,  seja controlando  o fluxo virtual das informações para os autos processuais, na forma adequada para o processamento e para o alcance da máxima automação, seja incorporando virtualmente segmentos estruturais de outros sistemas do entorno, fazendo-os colocar suas próprias capacidades de trato do contingente (o entorno) a serviço do processo.

Tudo isso está ao alcance da tecnologia e é amplamente utilizado, na atualidade, em diferentes ramos de atividade, inclusive por alguns SEPAJ, embora minimamente.  A conexão, como se vê, é a característica sistêmica que permite se avance nessa direção. Links, webservices, contracts e  serialização são alguns dos ferramentais tecnológicos que podem ser acionados pelas eConexões.

O princípio da extraoperabilidade, portanto, estabelece o que se deve fazer com esse elemento constitutivo de todo e qualquer sistema, a conexão, mas focando especificamente a conexão tecnológica (eConexão), feita pela via do eSujeito, do sujeito tecnológico que a resolução CSJT 136 chama de sistema ou de Pje-JT.

Composição mono e poliestrutural do sistema processual em papel. Imanência da extraoperação no processo.

Os sistemas sociais, como o processo, exprimem-se mediante acoplamentos estruturais com sistemas de consciência, os operadores da estrutura legal fixada nas diferentes fontes do Direito (códigos, costumes, jurisprudência)[16].  Essa dependência é empiricamente verificável. Evidenciam-na os diferentes resultados alcançados durante a operação de um mesmo código legal, quando se troca o juiz, por exemplo, ou o advogado, num processo.

Um sistema de consciência não é um processador neutro como um computador. Ele interpreta e conjuga o programa legal ao seu próprio programa particular – resultado de aprendizagem, convicções, formação[17] -, gerando um programa final (estrutura) único e diferenciado, só em parte condicionado causalmente pelo programa legal (estrutura legal fixada nos códigos)[18].

Por isso, a extraoperação é imanente no sistema processual (o processo em si). Toda operação ocorre externamente em sistemas de consciência (juiz, advogados, servidores). O sistema legal – cuja estrutura está fixada nos códigos legais – se manifesta operativamente pelos processadores psíquicos dos diferentes agentes processuais humanos.  Lembre-se que Luhmann, num dos traços polêmicos de sua teoria, põe o homem no entorno dos sistemas sociais.

O programa processual, no processo físico, sempre dependeu de  extraoperação e, considerando-se os diferentes sistemas de consciência que atuam, ele pode ser dito   poliestrutural, em dois sentidos: (a) são múltiplas e distintas as estruturas psíquicas que se conjugam com a estrutura legal dos códigos para gerar a estrutura do programa do caso específico  e (b) portanto, são diferentes as estruturas operativas finais em cada caso (acoplamento operativo[19]).

Atentando-se, entretanto, para a natureza dos sistemas envolvidos, ou seja, para o tipo dos sistemas que se acoplam no processo em papel, tem-se o sistema legal extraoperado exclusivamente por sistemas de consciência (psíquicos). Pode-se dizer, então, que o processo físico é monoestrutural quanto à sua natureza.

Natureza biestrutural do processo eletrônico:  sistemas técnicos e de consciência.  Hibridização e efeitos.

No presente momento, está-se associando ao processo um novo tipo de sistema (sistema técnico, software, agente automatizado) e o processo, então, passa a ser um sistema híbrido, composto de sistemas de consciência e sistemas técnicos. O sistema processual não é mais monoestrutural, portanto  (somente sistemas de consciência se acoplando), mas biestrutural.

Exemplo simples: na autuação, sistemas de consciência estão sendo substituídos por sistemas técnicos.

Tais substituições crescerão muito, com o tempo, e não são triviais, como alguns pensam. Sistemas técnicos são, em si, neutros (causalmente fechados). Sistemas de consciência, ao contrário, são causalmente abertos. Operativamente os dois tipos de sistema são fechados (clausura operacional). As consciências mesclam o sistema legal com seus próprios programas operativos para gerar o programa (estrutura) do caso particular. Mas como são operativamente fechadas e as alterações da estrutura própria são difíceis, elas não têm a maleabilidade dos sistemas técnicos para abrir-se estruturalmente e enriquecer a mescla estrutural que promovem ao operar o sistema processual em cada caso. Isso acontece, é verdade, mas numa perspectiva evolutiva, não operacional. Uma mudança de entendimento do julgador, por exemplo, significa que, dali em diante, passará a operar sob novas condições (novo programa).  Outro exemplo é um curso que, pela via da aprendizagem, reestrutura o sistema de consciência do julgador.  Nos dois casos, o trecho sistêmico operado pela consciência se transforma e passa a produzir resultados diferentes. As entradas que, no passado, geravam o resultado A, passam a gerar, em operações futuras, o resultado B.

Por outro lado, como a operação básica dos sistemas de consciência é a percepção, o sistema processual absorve essa característica e os quadros fáticos considerados na aplicação do esquema de causalidade ganham maleabilidade. Günther fala em perístases ou em características relevantes da situação, um cenário de abertura peculiar do discurso de aplicação, considerado condição de imparcialidade e justiça[20].  Essa é uma característica relevante que se perde ao substituir sistemas de consciência por sistemas técnicos no processo[21].

Apesar dessa perda, os sistemas técnicos trazem a possibilidade de se pensar/conceber o processo com uma característica inovadora, típica da natureza de formação dos sistemas tecnológicos. Sistemas de consciência são estruturalmente fechados. Suas malhas estruturais são monolíticas e cerradas. Sistemas técnicos, ao contrário, são entes construídos e suas malhas estruturais são virtualmente abertas. Operacionalmente fechados mas estruturalmente abertos.

As consciências, quando operam, são causalmente abertas (probabilísticos). Os sistemas técnicos são causalmente fechados (determinísticos).

Sistemas técnicos se compõem aditivamente de estruturas menores. Sua evolução não necessita de um mecanismo de diferenciação, como ocorre com os sistemas naturais. Novas funcionalidades ou alterações funcionais podem ser intencionalmente desenvolvidas. Em sistemas técnicos como o SEPAJ, que são sistemas virtuais (softwares), funcionalidades inteiras e inovadoras podem ser, inclusive, o resultado de acoplamentos virtuais de estruturas de sistemas exógenos. Em tempo de operação, o sistema pode atuar sob determinação de uma estrutura algorítmica mista, própria e de terceiros sistemas, as quais virtualmente são integradas/incorporadas à malha estrutural do sistema processual:

Sistemas de consciência Estruturalmente fechados Causalmente abertos Evolução/diferenciação: difícil – aprendizagem etc
Sistemas ténicos Estruturalmente abertos (poliestruturalidade) Causalmente fechados Evolução intencional: fácil -   ficta, somativa ou subotimizadora[22].

A diretriz da extraoperabilidade propõe que, graças às possibilidades abertas pelos sistemas técnicos (eConexões),  trabalhe-se com uma perspectiva de permissão de  poliestruturalidade do componente tecnológico do processo. Quer-se que muitos sistemas técnicos atuem, ao lado do sistema legal e dos sistemas de consciência, acopladamente, na constituição do sistema processual.

Autonomia

A primeira prescrição do princípio da extraoperabilidade atine à autonomia do SEPAJ: ele deve ser concebido como um subsistema autônomo.  O que isso quer dizer?

No artigo de 2009, afirma-se que, para o sistema processual judicial produzir seus resultados com independência e imparcialidade, é indispensável que o sistema seja autônomo, uma característica dos sistemas dependentes de um intercâmbio ativo com o meio-ambiente, mas com controle absoluto da regência do processo de permuta.  O sistema se diz autônomo se estruturas e métodos próprios, internos, controlam o processo de troca. Em vez de independentes, sistemas autônomos costumam ser muito dependentes do meio-ambiente, em vários sentidos. Mesmo assim, a aplicação do Direito deve fazer-se segundo as regras internas do procedimento. O cumprimento da função deve ser  autônomo.[23]

Como se alcança um procedimento com tais propriedades?

Visão luhmanniana de autonomia e o SEPAJ

Para Luhmann, " [...]  ni el hecho de consultar reglas externas, ni el acceder a motivos de la legislación que se pudieran determinar fácticamente,  pueden valer como objeción contra la tesis de la unidad operativa y la autonomía del sistema jurídico.” [24] Para o jussociólogo, o Direito pressupõe que o entorno (outros sistemas) estruturam e reduzem complexidade e se aproveita, então, desses resultados, verificando-os, quando necessário, por critérios meramente jurídicos.  Isso, diz Luhmann, “ [...]  no conduce a que los límites del sistema se hagan borrosos, ni tampoco a un traslape de los sistemas, ni necesariamente a que el peso social del derecho se traslade a otro sistema”, pois se trata de um “ [...] comercio entre sistemas”.[25]

La autonomía (que permanece incólume) se reconoce por el hecho de que las decisiones específicamente jurídicas son normalmente aquellas que logran un enlace estrecho con el derecho y que, en él, encuentran su responsabilidad. La autonomía se reconoce también por la circunstancia de que la autorización del derecho cubre lo que no puede cubrir la técnica  [...]  En todas las operaciones cognitivas el derecho reconoce que puede equivocarse, y se reserva la decisión de lo que ha de decidir cuando el error se hace evidente. El que el derecho tenga que  legitimar dentro del derecho lo que consulta fuera del derecho, es una muestra más de que las referencias a cogniciones externas, son  aspectos de las operaciones internas del sistema jurídico.[26] [sem grifo no original]

A prevalência do jurídico, sempre e inescapavelmente, é bem estabelecida por Luhmann, como expressão da autonomia. Pensando nos SEPAJ e nas possibilidades inovadoras de conexão, o que se consultar fora, ou se absorver estruturalmente, deverá passar pelos filtros jurídicos para ser legitimado. O acionamento das eConexões não afronta ou nulifica, só por si, o caráter autônomo necessário do processo.  A idéia luhmanniana de autonomia alberga um rigoroso controle do que é tomado em consideração pelo sistema jurídico, como informação e como estrutura. Code is not law, salvo se o Direito o reconhecer como tal[27].

Autonomia, autarquia, abertura cognitiva e fechamento normativo.  Verdade processual e verdade da rede.

As idéias luhmannianas concernentes à autonomia estão expostas no Capítulo II,  Parte I - Processos Judiciais, da obra Legitimação pelo procedimento[28]. Para o autor, o conceito de autonomia, amplamente utilizado em várias áreas, inclusive do Direito, pode ser estabelecido a partir de uma distinção entre autonomia e autarquia.

Fala-se em autarquia, diz Luhmann[29], para aludir a processos de permuta (intercâmbio) entre sistema e meio-ambiente: "um sistema é autárquico (ou independente) na medida em que pode reduzir essas relações de intercâmbio, na medida em que pode se tornar independente do meio ambiente e existir por conta própria". A possibilidade de vida isolada do mundo circundante caracteriza o sistema autárquico. Por natureza, portanto, o processo não pode ser autárquico.

Autonomia, ao contrário, é característica de sistemas dependentes de um intercâmbio ativo com o meio-ambiente e diz respeito à regência desse processo de permuta.  O sistema se diz autônomo se controla o inescapável processo de troca que deve manter com o entorno.

Pensando em procedimento judicial de aplicação do Direito, facilmente se visualiza uma imensa dependência de outros sistemas sociais.  O procedimento não pode prescindir da contratação de juízes, da fixação de competências, da ratificação ou promulgação de leis e de que fatos sejam conhecidos e participados ao sistema. Mas "[...] tudo isso não exclui que a ação dentro do sistema seja, em parte, orientada segundo critérios próprios de seleção"[30].  O processo opera segundo regras internas, suas.

Isso pode ser observado no desenrolar do processo. Os vários pontos de vista vão se firmando, preclusivamente, e circunscrevendo o raio de ação das atuações subseqüentes, até o resultado. A autonomia manifesta-se desde a especificação das inferências permitidas, quanto às normas e fatos, até os comportamentos esperados do sistema, selecionados a partir das informações inferidas.

Cada seleção é um exercício de autonomia, como o é também a seleção da lei, que se pode utilizar numa conjuntura de fatos que adquiriram força no procedimento. E todos os participantes podem, de acordo com as possibilidades que o seu papel lhes dá, participar nesta autonomia - também, por exemplo, o réu que resolve não indicar determinadas testemunhas, ou o acusador que decide fazer uma demanda de preferência sobre uma relação de dívida basicamente existente, do que sobre uma troca.[31]

Uma coisa é a autonomia do procedimento, tomado como sistema social e outra, muito mais limitada, é a do juiz no papel que lhe é destinado no procedimento.

O SEPAJ deve ser concebido de forma a otimizar os contatos com o meio ambiente (permite ampliar significativamente a abertura cognitiva do sistema), mas sem deixar de exercer um profundo papel seletivo-valorador do conhecimento buscado no ambiente:

Según esto, el sistema jurídico puede tomar en consideración hechos externos, pero sólo como información que há sido generada internamente: sólo como "difference that makes a difference" (Bateson).[32]

Embora se vasculhe com maior amplidão o entorno, em busca de fatos externos ao procedimento, tais fatos só podem ser levados em consideração sob estrita observância do regramento normativo do processo (fechamento normativo). A verdade é processual, jurídica. Não há verdade na rede[33]. Além disso, somente os fatos que ultrapassarem os filtros de forma e esquema de causalidade postos na lei processual podem ganhar o status de informação, quer dizer, podem ser erigidos à condição de "diferenças que fazem a diferença" internamente. Essa condição de informação, ou seja, de capacidade para influir na operação sistêmica e orientar os ciclos operativos, deve ser dada internamente pelo sistema processual. O SEPAJ deve ser desenvolvido com observância estrita desse requisito sistêmico, não podendo funcionar como veículo de quebras à autonomia.  Interpretações dos códigos, pela via das regras de negócio – um conceito bom para os técnicos mas perigoso para o jurídico -  podem ser vias abertas para a quebra da autonomia do sistema processual.

Portanto, o SEPAJ deve ser um subsistema autônomo: aberto aos contatos ambientais (cognitivamente aberto) e estritamente vinculado às regras de cognição jurídicas postas nos códigos normativos ( normativamente fechado).

Outros fatores da autonomia: diferenciação funcional e outros.

Com uma efetiva diferenciação, busca-se a especificação de um sistema de ação procedimental capaz de tratar, com autonomia, os dados seletivamente admitidos no âmbito restrito e diferenciado dele.  Os mecanismos de diferenciação foram pensados para os sistemas de consciência (agentes processuais, homens). O SEPAJ é um sistema de outra natureza e exige meios inovadores de garantia da diferenciação, sob pena de haver interferências espúrias, não legítimas, no processo.

Além da diferenciação, outros fatores contribuem para a autonomia. Para Luhmann, diversas circunstâncias precisam harmonizar-se "[...] para os sistemas em geral e para os processos jurídicos em particular, numa perspectiva temporal, objetiva e social [...] ”[34].  O SEPAJ introduz desafios especiais nessa conjuntura.

a) Dimensão temporal: metas, produtividade e efetividade do Direito.

Os procedimentos devem estar organizados de modo a poder controlar, no tempo, a interação com o seu meio-ambiente[35]. Autonomia supõe obrigatoriamente esse controle e elaboração interna das informações. Tem-se de "[...] dar tempo ao procedimento para poder pôr em funcionamento os seus próprios métodos de elaboração de informações", sob pena de tirar-lhe a autonomia.

Ora, no mundo virtual e principalmente nos novos espaços determinísticos do processo, a instantaneidade e o desmonte do tempo são muito presentes. Nos espaços probabilísticos, entregues aos sistemas psíquicos, os prazos devem ser compatibilizados. Juízes devem ter prazos, mais ou menos elásticos, para elaborar e  expedir a decisão.

As novas tecnologias podem ser usadas para acelerar o processo, mas precisarão abster-se de violar os tempos necessários aos operadores incumbidos do processamento das informações quando isso lhes incumbe.  Pense-se nas metas. As instâncias gerenciais do processo têm ameaçado, para não dizer, comprometido, a qualidade da prestação jurisdicional. A celeridade tem focado a produtividade e atropelado a efetividade. Violações à autonomia sistêmica do processo são evidentes.

Independentemente das circunstâncias, os procedimentos judiciais só se estabelecem autonomamente se tiverem um relativo controle do processo em termos temporais. O processo eletrônico é híbrido, meio técnico (SEPAJ), meio social (agentes humanos). O SEPAJ deve respeitar o tempo humano necessário à preservação da autonomia.  Sem esse balanceamento, não se pode falar em autonomia.

A aceleração desbalanceada do procedimento, facilitado em certa fase, pressiona os elos operativos da fase decisória, principalmente pelo vazio de ferramentais de suporte aos julgadores. Esse apressamento provocado pela tecnologia milita em desfavor da autonomia e, em conseqüência, da segurança jurídica.

b) Dimensão das diferenças objetivas de sentido: regras de negócio e automação.

A autonomia do processo depende da estabilização objetiva e segura das diferenças de significado entre meio e sistema. Isso não significa determinar o procedimento concreto. A aceitação do procedimento deve dar-se sem intervenção atentatória à sua autonomia, deixando-se "[...] em aberto um espaço de manobra para a decisão. Nesse espaço de manobra pode desenrolar-se uma elaboração de informações relativamente autônoma."  Portanto, no plano do "processo concreto de interações entre sistema e meio", prevalece a ductilidade como elemento significativo generalizado. Assim, a imposição de uma organização jurídica de caráter apenas geral faz parte das condições essenciais para assegurar a autonomia procedimental.

O SEPAJ, com suas definições prévias de regras de negócio e pela automação (agentes automatizados, normas tecnológicas), leva trechos operativos do procedimento, do espaço deôntico, em que sempre ocorreram, para espaços lógico-formais e rígidos, muitas vezes estruturados fora do âmbito do procedimento, o que viola claramente a idéia de autonomia. A preponderância do tecnológico sobre o jurídico é uma ameaça constante. O processo concreto de interação entre sistema e meio despe-se da ductibilidade garantida por um agente humano e afasta do processo, para os momentos de definição das regras de negócio, a especificação dos significantes e das condições sob as quais ganharão ingresso nos autos eletrônicos. Sem falar na pré-especificação dos significados internos de cada significante, muitas vezes feitas em instâncias cuja legitimidade é questionável.

c) Dimensão social: processo não pode ser braço de um setor do meio ambiente.

Resta examinar, ainda, a autonomia numa dimensão social.

Afirma  Luhmann que o procedimento poderia apenas constituir-se de um "[...] meio que lhe apresentasse, em primeiro lugar, as informações gerais, depois as especiais e, no fim, lhe diminuísse a capacidade". Não haveria, então, autonomia. E continua: "para os procedimentos judiciais das sociedades civilizadas  (contrariamente aos das arcaicas) é característico que os âmbitos de introdução para premissas jurídicas ou efetivas de decisão, sejam socialmente distendidos"[36].  Há, portanto, uma separação das fontes das premissas em duas instâncias apartadas.

Uma instância incumbe-se de estabelecer o Direito (processo legislativo).  Outra enuncia os fatos verdadeiros e não verdadeiros. Atuam em planos distintos e devem estar separadas, sem possibilidade de se dominarem reciprocamente. O embate entre ambas só pode realizar-se dentro e através do processo jurídico.

Essa dicotomia de fontes de premissas decisórias livra o processo da pressão social. As premissas aptas para uma decisão não estão ao alcance monopolístico de um único ambiente.

Assim se evita o perigo de que o processo se possa tornar um braço prolongado dum determinado setor do meio ambiente. Na linguagem de decisão dos próprios processos jurídicos, esta condição de autonomia exprime-se manifestamente sob a forma duma separação rígida entre problemas de direito e problemas de fato, cuja correlação fica a cargo de cada caso particular.[37] [sem grifo no original]

A referência a “braço prolongado dum determinado setor”, diante da disposição de unificação do SEPAJ, suscita imensas preocupações que fogem ao referente do presente trabalho.  Mas, mesmo sob o enfoque deste estudo, a afirmação faz sentido.

A separação entre questões fáticas e jurídicas é questão relevante de que se ocupa a teoria do Direito, onde a diferença se radicaliza sob a forma de dicotomias bem conhecidas: norma e realidade, ser e dever ser[38], faticidade e validade.

Aqui, importa a diferenciação entre os processos de definição do direito e de apuração dos fatos, como condição de autonomia do procedimento judicial de aplicação do direito.  Num ambiente de processo eletrônico, o SEPAJ pode tornar-se a trilha de controle do procedimento, por exemplo, pela imposição de uma visão específica da fonte jurídica. Um atentado à autonomia, sem dúvida.

Procedimento, complexidade e ameaças à autonomia

Pelas condições que devem ser articuladas para se obter a autonomia dos procedimentos de aplicação judicial, vê-se a complexidade inerente ao processo de sua montagem. E também se expõem os meios de perturbá-los.

Os procedimentos, nas sociedades primitivas, não conseguiam se estabelecer autonomamente, porque tais sociedades eram incapazes de promover a diferenciação. As sociedades atuais, altamente complexas, embora possam prover as condições de autonomia, estão sujeitas a, voluntária ou involuntariamente, destruí-la ou perturbá-la[39].

O procedimento constitui um sistema programado de decisão[40].  Se era assim no processo em papel, no processo eletrônico essa afirmação ganha significação ampliada. "A programação objetiva e detalhada da decisão, podendo chegar até à automação, constitui uma dessas possibilidades[...]"[41], advertia o autor no final dos anos 60.

A programação do processo, a partir das Constituições, aliviou as preocupações a respeito. A dogmatização dos ditames constitucionais leva a isso. Ocorre que "as regras mais minuciosas do direito processual, com todas as garantias dum estudo constitucional, não levam à autonomia, se não forem secundadas pela diferenciação social do meio[...]"[42].  Sem essa condição prévia estabelecida, a especificação minuciosa do direito processual destrói a autonomia e põe o procedimento de aplicação nas mãos do que poderia ser chamado de uma "central política, controlando tanto as informações jurídicas, quanto as efetivas que são apresentadas ao tribunal".[43] Portanto, “ [...] a seletividade, e com ela a autonomia do processo jurídico, têm de ser maiores perante um meio encarado duma forma mais complexa.”[44]

Os riscos à diferenciação e à autonomia, com a introdução do SEPAJ no processo, só se amplificaram.  As preocupações jurídicas a respeito precisam  tornar-se balizas efetivas de controle da tecnologia. O princípio da extraoperabilidade é uma delas.

Acoplamento estrutural

Neste item, toma-se da computação a noção de que  estrutura[45] é programa, algoritmo, malha de instruções que o computador segue quando opera.[46].

O acoplamento estrutural, previsto no princípio da extraoperabilidade, é uma via aberta para o uso efetivo da inteligência coletiva no desenvolvimento do SEPAJ.  A coletividade tecnológica pode ajudar, com aportes estruturais, a construção/complementação do SEPAJ. A inteligência não está nos fatos (que importam no aspecto informacional cognitivo) mas principalmente na criação das estruturas dos softwares do entorno, especializados no trato da contingência e da complexidade que estão além do limite auto-referencial do SEPAJ.

Evolução do pensamento luhmanniano a respeito do acoplamento estrutural

O problema da composição das estruturas dos sistemas ocupou imenso espaço no pensamento luhmanniano[47] e oscilou realçando, ora a idéia de penetração (ou interpenetração quando bidirecional), ora a de acoplamento estrutural.

Na obra sistemas sociais, um extenso capítulo 6[48] tem o título de interpenetração e inicia informando que  "el presente capítulo trata de um entorno especial de los sistemas sociales: El de los seres humanos y sus relaciones con los sistemas sociales."[49]  Marcado muito profundamente pelo estruturalismo funcional de Talcott Parsons, Luhmann utilizou o conceito estabelecido pelo mestre. "Utilizamos El concepto ‘interpenetración' para indicar uma manera particular de contribución a la construcción de sistemas que es aportada por los sistemas en el entorno."[50]

Humberto Maturana e Francisco Varela, com a idéia de autopoiese, introduziram também o conceito de acoplamento estrutural [51] para o âmbito biológico. Desde então,  Luhmann concentrou-se em absorver, no seu arcabouço teórico, a abordagem dos chilenos[52]. Na aula X de sua introdução à teoria dos sistemas, ao final, o sociólogo alemão demonstra desesperança em relação às possibilidades de uso da idéia parsoniana de interpenetração e, na sequência, dedica uma aula inteira, a aula de nro. XI, à idéia de acoplamento estrutural:  "Antes, portanto, de tomar uma decisão pela continuidade ou descontinuidade em relação ao termo interpenetração, o importante é enfrentar o problema ao qual ela se refere, sendo, talvez,  necessário lançar mão de outro conceito."[53] Günther Teubner, sob a mesma dificuldade, introduz o conceito de interferência: “ [...] sistemas interferentes apresentam-se mutuamente  complexidade já ordenada”[54], uma noção importante para este trabalho.

Em obras posteriores, embora sem a forma assertiva de sistemas sociais, Luhmann recorre, volta e meia, à idéia de penetração:

Se trata más bien de un caso de interpenetración. Esto quiere decir: el derecho presupone que el entorno estructura y reduce complejidad, de esta manera se aprovecha de esos resultados sin necesidad de analizar su génesis - cuando lo amerite, lo hará bajo aspectos meramente jurídicos.[55]

O texto deixa claro que há a externalização de uma função, entregue a sistema do entorno. Isso significa duas coisas: (a) abertura cognitiva do sistema chamador ao resultado do sistema chamado/acionado:  “ [...] se aprovecha de esos resultados  [...]  “ e (b) abertura estrutural, porque o algoritmo da função que serve ao sistema chamador se encontra num outro sistema e, portanto, esse trecho do programa é só virtualmente incorporado (daí Luhmann falar em penetração) e não precisa situar-se fisicamente na malha estrutural do sistema chamador.[56]

Essas idéias são melhor formuladas nas obras tardias de Luhmann, mediante a distinção de acoplamento operativo e acoplamento estrutural.  Mas o fantasma da separação do sistema enquanto é concebido do sistema em operação permeia todo o pensamento luhmanniano, reprisando a antiga discussão filosófica da distinção entre o universal e o particular.  Pode-se dizer que a estrutura do universal (abstração do que está em todos os particulares) contém a miríade de estruturas particulares que se manifestam em tempo de operação.  Os técnicos distinguem isso chamando de classes e objetos[57].

Acoplamento operativo

O SEPAJ é um sistema técnico (software), instalado sobre uma rede virtual, e os rendimentos da idéia de conexão podem ser maximizados por intermédio desse sistema.

No acoplamento estrutural, o sistema supõe determinadas características do entorno – há, portanto, uma restrição, os limites supostos do universo - e facilita a influência do entorno sobre ele.  A estrutura do sistema está preparada para aceitar/rechaçar, nas relações com o entorno, o que se ajusta ou não ao suposto:

Los cerebros, con sus ojos y oídos, se acoplan únicamente en un rango físico muy estrecho con su entorno -y, en todo caso, no lo hacen por medio de sus propias operaciones neurofisiológicas. Pero, precisamente por ello,  hacen al organismo increíblemente sensible desde el punto de vista del entorno. La restricción es condición necesaria de la capacidad de resonancia, y la reducción de la complejidad es condición necesaria de la construcción de complejidad.[58]

Luhmann aponta como vantagem teórica da idéia de acoplamento estrutural o fato de que responde com precisão pouco comum “ [...]  a las relaciones entre sistema y entorno”.[59] E diz que a designação se deve à oposição  “ [...] entre este concepto y los acoplamientos operativos [...] “ que, entre outras coisas, apóiam-se “ [...] en la simultaneidad que debe suponerse siempre entre el sistema y el entorno. Esta simultaneidad permite un acoplamiento momentáneo de las operaciones del sistema con aquellas que el sistema atribuye al entorno.”[60]  Esta simultaneidade operativa permite que cada sistema execute uma malha algorítmica estrutural composta pela malha própria e por trechos estruturais que só virtualmente se integram para servir ao sistema. Por isso, “ [...] los acoplamientos operativos entre sistema y entorno son posibles  [...] exclusivamente en intervalos de eventos  [...] ”[61].

SEPAJ  e acoplamentos: add-ons, plugins, APIs

A idéia de acoplamento operativo é real no mundo dos programas de computador: sistemas técnicos virtuais (softwares) compartilham facilmente suas habilidades funcionais (externalizam o cumprimento de certas funções) e compõem-se, desde a base, a partir dessa idéia. Analistas e programadores sabem disso muito bem.  As eConexões permitem que dois sistemas, cada um no entorno do outro, em tempo de operação, se sirvam de estruturas situadas no espaço do outro.

A permissão de acoplamento estrutural, por seu turno, dá a possibilidade de definir os limites próprios, não virtuais, do sistema – núcleo duro sistêmico – supondo que certas características funcionais serão supridas pelo entorno, na forma de estruturas acopladas ao próprio sistema. Os tecnólogos falam de APIs[62],  add-ons, plugins,  extensões etc. para exprimir essa idéia.

Função do princípio da extraoperabilidade.

Os juristas devem ficar atentos, pois

la ciencia evoluciona justamente porque en ella todo sirve para algo,  pero  nada  sirve  para  todoPara  poder  ver  algo  distinto  es  necesario “moverse” y eso en la ciencia quiere decir: disolver los elementos que constituyen  una  determinada  teoría  para  recombinarlos  con  elementos  venidos de  otras  perspectivas.[63] [sem grifos no original]

A advertência de Monteagudo serve para os juristas em dois sentidos: para moverem-se a si mesmos e para porem em movimento os que estão incumbidos do desenvolvimento do SEPAJ.

O princípio da extraoperabilidade preconiza e autoriza a aplicação das possibilidades tecnológicas de (a) amplificação do intercâmbio ativo e controlado de informação com o ambiente (autonomia) e (b) de constituição multiestrutural/poliestrutural  do sistema técnico que está posto a serviço do processo, o SEPAJ.

A inteligência coletiva pode chegar efetivamente ao processo pelo desenvolvimento, em sistemas do entorno, de habilidades de trato especializado da complexidade externa  e que sejam postas a serviço do  SEPAJ via eConexão, mediante acoplamento operativo ou estrutural.   Segundo Monteagudo, a teoria sistêmica luhmanniana remete  “ [...]  a la flexibilización del concepto de estructura. Por lo  regular,  las  teorías  de  sistemas  se  asocian  a  conceptos  duros  de  estructura.”[64] Essa abordagem permissiva, no nível estrutural, é extremamente relevante para o desenvolvimento do SEPAJ.  Como o sistema técnico está posto a serviço de um sistema social, deve carregar-se, até onde possível, da natureza deste, flexibilizando-se estruturalmente, mas preservando o guarda-chuva da autonomia para eliminar riscos à higidez processual.

Ora, os desenvolvedores têm formação técnico-sistêmica e têm trabalhado, até agora, com o que Monteagudo denomina “conceptos duros de estructura”. No caso do SEPAJ, o encastelamento/fechamento dos códigos e a resistência dos técnicos ao compartilhamento e ao aproveitamento das contribuições do entorno, no plano estrutural, são emblemáticos e um obstáculo efetivo à evolução e ao desenvolvimento do sistema.  É preciso dividir o trabalho com os demais sistemas do mundo. Plugins, add-ons, APIs são caminhos para fazer estruturas externas operarem para o SEPAJ.


Notas e Referências:

[1] Emprega-se princípio com o sentido alexyano, de comando de otimização, de mandamento ou ordem para a perseguição continuada de posições de maior concretização do fenômeno denominado pelo neologismo extraoperabilidade.  ALEXY, Robert apud ATIENZA, Manuel. As razões... p. 267.

[2]  PEREIRA, S. Tavares. Processo eletrônico, máxima automação, extraoperabilidade, imaginalização mínima e máximo apoio ao juiz: ciberprocesso. Revista trabalhista direito e processo.  São Paulo, n. 30, p. 168-187, abr.mai.jun. 2009.

[3]  LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedad. (Das recht der gesellschaft).  Formatação eletrônica. Versão 5.0, de 13/01/2003. Disponível em: http://forodelderecho.blogcindario.com/2008/04/el-derecho-de-la-sociedad-niklas.html. Acesso em: 10 nov. 2011. p. 58.

[4] Sobre os riscos de estar na internet veja-se STAIR, Ralph M.; REYNOLDS, George W.  Princípios de sistemas..., p.  534 e seguintes.

[5] No sentido proposto por Peter J. Rubin, para quem o próprio direito a um procedimento justo é um direito substancial.  RUBIN, Peter J. Square pegs and round holes: substantive due process, procedural due process, and the bill of rights. In:___ Columbia law review.  New York,  v.103, n. 833, p.833-892, maio 2003. p. 848.

[6]  LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Trad. De Maria da Conceição Corte-Real. Brasília:UnB, 1980. 210p.

[7]  A teoria dos sistemas sofreu enorme impacto ao final da década de 60 e durante a década de 70 com as idéias de Maturana e Varela atinentes aos sistemas auto-organizadores e à autopoiese.

[8]  Idéias encontradas, notadamente, na obra  LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento.

[9] Idéias extraídas de LUHMANN, Niklas. Sistemi sociali. Fondamenti di uma teoria generale. Tradução para o italiano de Alberto Febbrajo e Reinhard Schmidt. Introdução à edição italiana de Alberto Febbrajo. Bologna:Società editrice il Mulino,  1990.

[10]  LUHMANN, Niklas. Sistemi sociali, p. 89-90.

[11] FEBBRAJO, Alberto. Introduzione all´edizione italiana. In:__ LUHMANN, Niklas. Sistemi sociali. Fondamenti di una teoria generale, p. 19.

[12] PEREIRA, S. Tavares.  O processo eletrônico e o princípio da dupla instrumentalidade.   Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1937, 20 out. 2008.  Disponível em: <HTTP://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp¿id=11824>. Acesso em: 16 mar. 2009.

[13] A respeito, veja-se LAUDON, Kenneth C.; LAUDON, Jane Price.  Sistemas de informação, p.  260-284.

[14] Comparando cérebros de primatas com os do homem (menores mas superiores), Gazzaniga diz que  “ [...] enquanto o tamanho absoluto do cérebro e o número total de neurônios aumenta, a conectividade  proporcional decresce e a estrutura interna muda ao mesmo tempo que o padrão de conectividade se altera. Para adicionar novas funções, o decréscimo na conectividade proporcional força o cérebro a se especializar. Pequenos circuitos locais, feitos de um grupo de neurônios interconectados, são criados para executar tarefas de processamento específicas e se tornam automáticos.” [sem grifo no original, tradução livre] GAZZANIGA, Michael S. Who´s in charge? Free will and the science of the brain. New York:Harper Collins Publishers, 2011. p.  33.  Ver, também, LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas,  p. 116, e LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedad, p. 316: “la reducción de la complejidad es condición necesaria de la construcción de complejidad”.

[15] Nos meios tecnológicos, fala-se, nesse sentido, em engenhos de serialização, desserialização, contracts e, inclusive intraoperabilidade (fluxo num sentido único, de dentro para fora).

[16] Segundo Luhmann, todos os sistemas sociais dependem de acoplamento estrutural com sistemas de consciência e deles são dependentes: “La sociedad  depende del acoplamiento estructural con los sistemas psíquicos; el derecho también”.  LUHMANN, Niklas. El derecho de La sociedad,  p. 174.

[17] “[...]  la inteligencia es asimilación en la medida en que incorpora a sus marcos todo lo proporcionado por la expe­riencia. Bien se trate del pensamiento, que, gracias al juicio, hace entrar lo nuevo en lo conocido y reduce así el universo a sus nociones propias, o de la inteligencia sensoriomotriz, que estructura igual­mente las cosas percibidas reduciéndolas a sus esquemas, en todos los casos la adaptación intelectual implica un elemento de asimilación, es decir, de estructuración mediante la incorporación de la realidad exterior a unas formas debidas a la actividad del sujeto”. PIAGET, Jean.  El nacimiento de la inteligencia en el niño. Barcelona:Editorial Crítica, 1985. p. 16-17.

[18] Sobre o programa combinatório de estruturas normativas e sistemas psíquicos,  Monteagudo afirma que “la superación de la doble contingencia y la continuidad del orden social dependen, pues, del mantenimiento de estructuras (normativas) fuertemente institucionalizadas en lo social e interiorizadas en lo psíquico.” MONTEAGUDO, Jorge Galindo. In:_ LUHMANN, Niklas. La sociedad de la..., p. XXXII.

[19] Na evolução do seu pensamento a respeito da relação sistema-entorno, Luhmann oscilou entre as visões oriundas de Parsons – interpenetração – e suas últimas concepções de acoplamento estrutural, desenvolvidas a partir das idéias de Maturana e Varela sobre os sistemas autopoiéticos e auto-organizadores, dependentes do acoplamento estrutural com o meio.  Em suas últimas obras, Luhmann refere-se também a “ [...] acoplamientos operativos (acoplamientos de operaciones por operaciones)  [...] “. LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedad,  p. 315.

[20] GÜNTHER, Klaus.  Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação.  São Paulo:Landy Editora, 2004. p.  25.

[21] Para mais reflexões a respeito, ver  PEREIRA, S. Tavares.  Processo eletrônico, software,  norma tecnológica...,  p. 67 e seguintes.

[22] “ [...] in the real world only suboptimizations are performed.”  DANIELS, Alan; YEATES, Donald. Systems analysis, p. 242.

[23]  PEREIRA, S. Tavares. Processo eletrônico, máxima automação..., p. 175-176.

[24] LUHMANN, Niklas. El derecho de La sociedad,  p. 61.

[25] LUHMANN, Niklas. El derecho de La sociedad,  p. 61.

[26] LUHMANN, Niklas. El derecho de La sociedad,  p. 61.

[27] A tecnologia não é uma fonte de legitimação de norma e, portanto, o código não é direito, no sentido da advertência empírica de LESSIG, Lawrence. Code. Version 2.0. New York: Basic books, 2006. 410p. Disponível em: HTTP://codev2.cc/download+remix/Lessig-Codev2.pdf. Acesso em: 10 jan.  2013. Também se trata do assunto ao falar da eNorma e da necessidade de submeter as expressões tecnológicas de normas jurídicas aos mecanismos de legitimação do Direito.   PEREIRA, S. Tavares.  Processo eletrônico, software,  norma tecnológica...,  p. 67 e seguintes.

[28]  LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento, p. 61-64.

[29]  LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento, p. 61.

[30] LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento, p. 61.

[31]  LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento, p. 61.

[32] LUHMANN, Niklas. El derecho de La sociedad, p. 57.

[33] Contra toda evidência empírica, Chaves Júnior sugere a existência de uma verdade da rede. A rede, em verdade, é um ambiente inseguro e inóspito. CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende. Comentários à Lei do processo eletrônico, p.  28.

[34]  LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento, p. 62.

[35]  LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento, p. 62.

[36]  LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento, p. 62.

[37] LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento, p. 63.

[38]  LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento, p. 63, nota 5.

[39]  LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento, p. 63.

[40]  "Até agora deitamos uma vista de olhos aos procedimentos de aplicação jurídica, aos procedimentos para  uma decisão programada", diz Luhmann na abertura da parte III. LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento, p. 117.

[41]  LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento, p. 63.

[42]  LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento, p. 63.

[43]  LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento, p. 63

[44]  LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento, p. 64.

[45] Mas é válido lembrar que “a pesar de haber sido desarrollado en el marco de una teoría de sistemas, el concepto luhmanniano  de  estructura  se  nos  presenta  como  un  concepto  flexible, capaz de dar cuenta de la regularidad de lo social, sin abandonar la contingencia que le es inherente. Luhmann concibe a las estructuras de los sistemas sociales en términos de expectativas.” MONTEAGUDO, Jorge Galindo. In: LUHMANN, Niklas. La sociedad de la..., p. XXXII.

[46] “As linguagens de programação tem diversas estruturas básicas que as compõem. Falamos já sobre estruturas de laçosfunçõesvariáveis e arrays. Agora falaremos sobre estruturas condicionais. Estas são parte fundamental em qualquer linguagem de programação, em termos básicos, as condições que guiam por onde o código deve prosseguir.” MÜLLER, Nicolas. Condições em PHP: IF, ELSE IF, ELSE, SWITCH. Disponível em: http://www.oficinadanet.com.br/post/9507-condicoes-em-php-if-else-if-else-switch. Acesso em: 10 nov.2014.

[47] Veja-se a manifestação do final dos anos 60: “ [...] existe uma interde­pendência entre a variabilidade estrutural e a complexidade nas relações entre o sistema e seu ambiente”. LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito II. Trad. De Gustavo Bayer. Rio de Janeiro:Edições Tempo Brasileiro, 1985. p. 42. Sobre variação estrutural, veja-se, também, a p. 16.

[48]  LUHMANN, Niklas. Sistemas sociales.  Lineamientos..., p. 199-235.

[49]  LUHMANN, Niklas. Sistemas sociales.  Lineamientos..., p. 199.

[50] LUHMANN, Niklas. Sistemas sociales.  Lineamientos..., p. 201.

[51]  MATURANA, Humberto; VARELA, Francisco.  A árvore do conhecimento,  p. 112-116.

[52] A obra culminante da carreira de Luhmann contém várias referências a essa absorção das idéias de Maturana e Varela. Veja-se, por exemplo, LUHMANN, Niklas. La sociedad de la..., p. 44 e seguintes.

[53]  LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas... , p. 270.

[54] TEUBNER, Gunther. Social order from legislative noise. Autopoietic closure as a problem for legal regulation. In: State, law, and economy as autopoietic systems.  Regulation and autonomy in a new perspective. Gunther Teubner e Alberto Febbrajo (eds.) Milan: Dott. A Giuffrè, 1992. p. 633.

[55]  LUHMANN, Niklas. El derecho de La sociedad, p. 61.

[56] Em termos tecnológicos, função é um algoritmo que pode ser acionado, recebe certos parâmetros e gera e devolve um resultado.  O algoritmo chamador supõe a correção do algoritmo chamado.

[57] Os tecnólogos falam de classes e objetos. Uma classe é a idéia de objeto, seu projeto. No mundo real, na faticidade, no momento mesmo de operação do sistema, o objeto é um objeto mesmo, o dasein heideggeriano, um ente  como tantos outros que podem ganhar vida por algum tempo (instante, daí o instanciar um objeto do linguajar deles), idênticos aos demais cuja objetivação se faz a partir da mesma classe.  Classe e objeto, dois momentos de existência do objeto, no primeiro como idéia, no segundo como realidade fática. A partir de uma classe geram-se muitos objetos.

[58] LUHMANN, Niklas. El derecho de La sociedad,  p. 316.

[59] LUHMANN, Niklas. El derecho de La sociedad,  p. 315.

[60] LUHMANN, Niklas. El derecho de La sociedad,  p. 315.

[61] LUHMANN, Niklas. El derecho de La sociedad,  p. 316.

[62] A respeito, a Wikipédia tem ótimo resumo. Disponível em:  http://pt.wikipedia.org/wiki/I nterface_ de_programa%C3%A7%C3%A3o_de_aplica%C3%A7%C3%B5es. Acesso em: 15 out. 2014.

[63] MONTEAGUDO, Jorge Galindo. In: LUHMANN, Niklas. La sociedad de la...,  p. XXXIV.

[64] MONTEAGUDO, Jorge Galindo. In: LUHMANN, Niklas. La sociedad de la..., p. XXXII.


S. Tavares Pereira é mestre em Ciência Jurídica (Univali/SC) e aluno dos cursos de doutoramento da UBA. É especialista em Direito Processual Civil Contemporâneo pela PUC/RS, juiz do trabalho aposentado do TRT12 e, antes da magistratura, foi analista de sistemas/programador. Advogado. Foi professor de direito constitucional, do trabalho e processual do trabalho, em nível de graduação e pós-graduação, e de lógica de programação, linguagem de programação e banco de dados em nível de graduação. Teoriza o processo eletrônico à luz da Teoria dos Sistemas Sociais (Niklas Luhmann). 


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