PRISÃO PREVENTIVA PÓS REFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL  

16/11/2018

 

            Desde a reforma de 2011 do Código de Processo Penal, com a entrada em vigor da lei 12.403, não se fala mais na máxima prisão preventiva ou liberdade. Hoje o que se tem é a discussão sobre restrição cautelar da liberdade ou liberdade total.

            Conforme previsto no Título IX do atual Código de Processo Penal, hoje o título sobre o tema é “da prisão, das medidas cautelares e da liberdade provisória”. Ou seja, se a liberdade do imputado for perigosa, merecedora de restrição, há a possibilidade de restringi-la pelas chamadas medidas cautelares restritivas da liberdade, que se dividem em prisão provisória, que por sua vez divide-se em prisão preventiva e prisão temporária, e medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art. 319 do Código de Processo Penal.

            Isto é, havendo necessidade de restringir a liberdade do imputado, pois que perigosa, deve-se, antes de aplicar qualquer medida restritiva da liberdade, analisar cuidadosamente o previsto no art. 282 do Código de Processo Penal, observando-se o chamado princípio da proporcionalidade.

            Em razão da menciona reforma processual de 2011, é possível, então, restringir cautelarmente a liberdade do imputado sem necessariamente prendê-lo provisoriamente, utilizando-se das chamadas medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art. 319 do CPP, que, segundo a reforma de 2011, terão, inclusive, preferência em relação à prisão provisória quando necessário o cerceamento cautelar do imputado. Por isso, diz-se ser a prisão preventiva a “ultima ratio”, isto é, a última das medidas.

            A prisão preventiva é derivada do direito romano, da necessidade de assegurar a aplicação da pena. Por isso, para eles, somente se poderia aplicá-la caso houvesse possibilidade de se alcançar ao final do processo uma sentença condenatória.

            Esta finalidade foi por nós também importada em nosso atual Código de Processo Penal, mas nele incluímos também outras três finalidades, previstas no art. 312, quais sejam, a garantia da ordem pública, a garantia da ordem econômica e a conveniência da instrução criminal.

            A finalidade da lei 12.403/2011 foi tratar a prisão preventiva como espécie do gênero prisão provisória, com o fim de diferenciá-la da prisão pena, que decorre de sentença penal condenatória transitada em julgado.

            Então hoje, pós reforma de 2011, temos como medidas cautelares restritivas da liberdade, a prisão provisória e as medidas cautelares diversas da prisão. Como já dito, a prisão provisória divide-se em prisão preventiva e prisão temporária e as cautelares diversas da prisão estão previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, e tem preferência em relação àquelas, segundo a lei processual penal.

            A prisão provisória, espécie do gênero prisão processual, aplica-se antes do trânsito em julgado, por isso cautelar. Diferentemente da prisão pena, que é consequência do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Por isso diz-se ser a prisão preventiva cautelar, que tem como objetivo proteger a persecução penal, isto é, o perfeito andamento das investigações ou do processo judicial.

            Segundo a nova redação do art. 282 do Código de Processo Penal, percebemos que o verdadeiro desejo do legislador é que a utilização das medidas cautelares restritivas da liberdade seja a menos injusta possível. Por isso exigiu que a prisão preventiva seja aplicada somente quando todas as demais formas de restrição cautelar da liberdade realmente não forem suficientes para proteger a persecução penal.

            Essa reforma decorreu do fato de que historicamente o imputado era considerado pecador, e, consequentemente, detentor de uma verdade a ser extraída. Ele, mais que uma pessoa, era o instrumento do qual se dispunha para fazer justiça.[1]E a prisão preventiva era importante instrumento para alcançar este objetivo.

            Hoje, a finalidade da prisão preventiva é ser medida última e necessária à proteção do perfeito andamento das investigações e da instrução processual, quando a liberdade do imputado for perigosa para a persecução penal.

            Qualquer segregação cautelar, prevista hoje no nosso Código de Processo Penal, pós reforma de 2011, somente poderá ser aplicada quando realmente necessária e nos casos expressamente previstos em lei, quando adequada ao caso concreto. E a prisão preventiva é a última destas medidas, conforme o parágrafo 6º, do art. 282 do Código de Processo Penal.

            Ou seja, a prisão preventiva somente será aplicada quando as medidas cautelares diversas da prisão não forem suficientes para proteger o que se busca.

            Isto porque, o art. 282 do Código de Processo Penal exige respeito ao princípio da proporcionalidade para aplicação das medidas cautelares restritivas da liberdade. Segundo este artigo, não basta a necessidade da segregação cautelar para restringir a liberdade do imputado, exige-se também que a medida a ser utilizada seja a mais adequada ao caso concreto, isto é, seja suficiente o bastante para proteger o que se busca e a que menor dano causará ao custodiado.

            Neste caso, respeitando-se o princípio da proporcionalidade, ainda que o segregado tenha sua dignidade reduzida, pois toda e qualquer restrição da liberdade a reduz, não perderá sua condição de sujeito de direitos, posto que evidenciado o caráter excecional da medida no caso concreto, com o fim outro que não o próprio agente, como a “conveniência da instrução criminal”, por exemplo.

            Afirmo então, que a barreira mais segura à decretação da prisão preventiva é considerá-la como instrumento importante e necessário (sempre levando em consideração sua excepcionalidade) para proteger a persecução penal, para proteger o bom andamento da investigação ou do processo, quando de fato houver claro e aparente risco à persecução penal, e quando as demais cautelares restritivas da liberdade não forem suficientes para proteger o que se busca.

            À segregação cautelar da liberdade exige uma clareza preliminar e bem fundamentada sobre a sua verdadeira função e motivo. Isto porque, não se pode querer o corpo do imputado com o fim de obter uma confissão, uma delação, ou um reconhecimento.

            A segregação cautelar somente será legitima quando tiver como objetivo a proteção, como medida última, da persecução penal.

            Para que a prisão preventiva possa ser legítima e justa seu uso deve ser limitadíssimo, sob pena de se transformar em um eficaz instrumento de castigo ou de tortura.

            Por isso, deve-se considerar ilegítima a prisão decorrente da automática equação entre a gravidade da acusação e a necessidade de submeter o acusado a uma prisão preventiva. Nenhuma explicação há para justificar o famigerado mandado automático de prisão cautelar.

            Evidente, então, pelo disposto na reforma do Código de Processo Penal, que o verdadeiro objetivo da prisão preventiva, após a reforma 2011, é ser um instrumento excepcional a serviço do processo, não podendo ser utilizada quando possível a proteção da persecução penal através das medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, respeitando-se, assim, sem ressalvas, o princípio da proporcionalidade, que exige a utilização da medida mais adequada ao caso concreto. E por medida mais adequada, como já dito, tem-se aquela necessária para proteger o que se busca, mas que menor dano causará ao segregado, isto é, a que menos reduzirá sua dignidade e liberdade.

            Salienta-se, ainda, que há tempos a doutrina tem denunciado a inadequação do conteúdo aflitivo da prisão preventiva, seja aquele entendido como imediata reação ao cometimento do crime ou como cumprimento antecipado da pena como resposta imediata à sociedade. Neste caso, além de se estar torturando o custodiado, se está também, de forma muito gravosa, impedindo que exerça de forma eficaz seu direito de defesa, pois que a prisão provisória, além de todos os outros prejuízos dela decorrentes, verdadeiramente impede o custodiado de um válido exercício do direito constitucional defensivo. E sabemos, a defesa no Estado Democrático é direito inviolável e indisponível.

            Ademais, a prisão preventiva - como o próprio nome já diz - também não pode ser utilizada como exemplo para a sociedade, posto que isso é função própria e exclusiva da pena. Não há como se utilizar de uma prisão provisória como medida educativa ou exemplar, pois que é submetida ao ainda - e somente a ele - imputado (pessoa não definitivamente culpada).

            Por isso, para decretação da prisão preventiva exige-se, além da observância do disposto no art. 282 do Código de Processo Penal, a soma dos requisitos “fumus comissi delicti” e “periculum libertatis”.

            Estes requisitos estão previstos no art. 312 e deverão cumular-se necessariamente com os requisitos legitimadores da prisão preventiva previstos no art. 313, ambos do Código de Processo Penal.

            Concluímos, então, que a prisão preventiva ainda é instrumento importante e necessário a serviço da justiça, mas deverá ser utilizada com cautela e somente quando as medidas cautelares diversas da prisão não forem suficientes para proteger o que se busca, pois que a prisão preventiva, pós reforma de 2011, é a última das medidas cautelares restritivas da liberdade à disposição do processo penal.

 

Notas e Referências

[1]                          COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema acusatório: cada parte no lugar constitucionalmente demarcado. In: Revista de informaões legislativas. 2009.

 

 

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