PRISÃO PREVENTIVA E A NOVA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE

29/10/2019

A necessidade de restrição cautelar da liberdade do investigado ou do acusado estará evidenciada quando manifestamente perigosa ao bom andamento da persecução penal, quando a liberdade do imputado trouxer riscos concretos à investigação ou à instrução processual.

Para o Supremo Tribunal Federal, “à falta de demonstração em concreto do periculum libertatis do acusado, nem a gravidade abstrata do crime imputado, ainda que qualificado como hediondo, nem a reprovabilidade do fato, nem o consequente clamor público constituem motivos idôneos à prisão preventiva”.[1]

Segundo a legislação processual penal vigente, para decretação da prisão preventiva é imprescindível que a decisão judicial esteja fundamentada nos elementos trazidos aos autos capazes de demonstrar o fumus commissi delicti e o periculum libertatis, não sendo suficiente para mitigação do direito fundamental à liberdade a mera fundamentação genérica do preenchimento dos requisitos legais.

E os pressupostos autorizadores da prisão preventiva caracterizadores do perigo da liberdade estão previstos no art. 312 do Código de Processo Penal: a) garantia da ordem pública; b) garantia da ordem econômica; c) conveniência da instrução criminal; d) aplicação da lei penal; e) no caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares.

Acontece que não há na doutrina e jurisprudência um consenso sobre o conceito de garantia da ordem pública. A melhor orientação é no sentido de proteção do regular andamento da investigação e da instrução processual.

Por ordem pública, entretanto, não se pode admitir o clamor social pela prisão do investigado ou do acusado, nem tampouco a repercussão do crime na imprensa. Isso porque, a necessidade de restrição da liberdade de alguém como forma de satisfazer anseios sociais está distante dos propósitos da criação das cautelares restritivas da liberdade agora dispostos na nova lei n. 12.403/2011.

A nosso ver, por garantia da ordem pública tem-se o risco concreto de reiteração criminosa, evidenciado através de provas ou, ao menos, elementos indiciários (havendo mais de um) colhidos na investigação.

Este risco obviamente não poderá ser presumido. Não se poderá presumir pela necessidade de decretação da prisão preventiva para preservação da ordem pública, seja através da análise da vida pregressa do imputado ou diante de qualquer outra presunção de propensão à atividade criminosa, pois a prisão preventiva tem finalidade endoprocessual, visando unicamente a proteção do regular andamento da investigação e do processo.

E para avaliar este “risco de reiteração delitiva”, exige-se elementos seguros que apontem a habitualidade na atividade criminosa, como a participação em associações ou organizações criminosas.

O Ministro Eros Grau explicou que “a custódia cautelar voltada à garantia da ordem pública não pode, igualmente, ser decretada com esteio em mera suposição de que o paciente obstruirá as investigações ou continuará delinquindo. Seria indispensável, também aí, a indicação de elementos concretos que demonstrassem, cabalmente, a necessidade da medida extremada”[2].

E com o objetivo de evitar a utilização de medidas cautelares restritivas da liberdade como prima ratio e sem o preenchimento, cumulativo, dos requisitos fumus comissi delicti e periculum libertatis, o legislador editou o art. 9º, previsto na nova lei de abuso de autoridade (Lei n. 13.869/2019):

Decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena a autoridade judiciária que, dentro de prazo razoável, deixar de:

I - relaxar a prisão manifestamente ilegal;

II - substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou de conceder liberdade provisória, quando manifestamente cabível;

III - deferir liminar ou ordem de habeas corpus, quando manifestamente cabível.

Perceba que o mencionado tipo penal, agora considerado crime de abuso de autoridade, é bastante vago e impreciso, conferindo ao intérprete um amplo campo discricionário decisório, violador, portanto, do princípio da taxatividade, merecendo, a nosso ver, ser declarado inconstitucional.

Mas, embora o art. 1º, §2º, da nova lei de abuso de autoridade discipline que “a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade”, e até que a Suprema Corte decida pela (in)constitucionalidade da mencionada lei, o art. 9º merece ser analisado.

Entendemos que o art. 9º da Lei n. 13.869/2019 buscou impedir a restrição cautelar da liberdade sustentada em juízo de ilação ou de presunção, através de motivação vaga e imprecisa, como nos casos de prisão preventiva em razão da gravidade abstrata do crime, clamor público, ou presumida periculosidade social do agente.

Com a edição da Lei n. 13.869/2019 está vedada a utilização da prisão preventiva sustentada em juízo de previsibilidade de risco para a ordem pública. Sua decretação está limitada à demonstração em concreto da prática de conduta que evidencie efetivo risco de reiteração criminosa ou à persecução penal, como, por exemplo, no caso de ameaça às vítimas e testemunhas, risco de destruição de provas, risco de fuga do investigado ou acusado, ou no caso de descumprimento de outras medidas cautelares anteriormente impostas.

Ou seja, a conclusão pela existência de periculum libertatis à decretação da prisão preventiva, exige risco concreto, diante de circunstâncias fáticas, de reiteração criminosa ou risco ao bom andamento da investigação e instrução processual.

 

Notas e Referências

[1]STF, 1ª Turma, RHC 79.200/BA.

[2] STF. HC 95.009-4/SP.

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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