Princípios do Advogado Natural e do Defensor Natural: esses (des)conhecidos

27/08/2016

Por Maurilio Casas Maia - 27/08/2016

Embora ainda raramente estudados durante a graduação de Direito e referenciados na jurisprudência, os princípios do advogado natural e do defensor natural representam fortes instrumentos de garantia do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, os quais já não podem ser ignorados pelos estudiosos do Direito. Com efeito, o mês de agosto de 2016 reservou especial espaço aos retrocitados princípios no cenário do Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme se demonstra a seguir.

O princípio do advogado natural

No dia 4 de agosto de 2016, o STJ (RHC n. 71.406-AP*, 5ª T., rel. min. Reinaldo Soares da Fonseca) reconheceu a nulidade de decisão penal proferida após defensor público ser intimado pelo juízo para apresentação de alegações finais, em processo no qual constava a renúncia de poderes do advogado constituído, isso sem antes oportunizar a outorga de poder a novo advogado de confiança.

A violação do direito à nomeação do defensor de confiança é ofensiva à ampla defesa na expressão do STJ: “(...) embora constatada a renúncia ao mandato pelo advogado até então atuante no feito criminal, o Magistrado, sem antes proceder à intimação do réu para que, querendo, nomeasse outro advogado de sua confiança, remeteu, diretamente, os autos à Defensoria Pública, violando, assim, a garantia constitucional à ampla defesa”.

Em verdade, embora o termo princípio do advogado natural não seja mencionado no acórdão, já é hora do STJ e dos demais Tribunais reconhecerem tal princípio, uma vez que o advogado é indispensável (art. 133, CF/88) e é uma das figuras que “processam” o procedimento. Ou seja, defende-se aqui o advogado natural enquanto princípio incluso no inciso LIII do art. 5º da Constituição. Quanto à expressão “advogado natural”, indica-se para estudo o ímpar trabalho ao fim referenciado do professor José Emílio Meduar Ommati (2016, p. 188).

Aliás, não é demasiado lembrar que o direito à constituição da advocacia de confiança é também direito humano previsto no Pacto de São José da Costa Rica, no item 2, “d”. Portanto, tal direito também compõe o teor mínimo do princípio do advogado natural.

Nesse ponto, agigantam-se as responsabilidades dos defensores públicos no Processo Penal. Quando violado o princípio do advogado natural, é necessário que o defensor público apresente manifestação institucional nos autos do processo, negando-se a substituir o advogado da parte, se para esta sequer foi oportunizada a possibilidade de nomear advogado de confiança. Agindo assim, o defensor público auxiliará na promoção do direito humano à escolha do advogado de confiança. Ou seja, a manifestação defensorial promoverá direitos humanos no processo penal, nos termos da missão constitucional da carreira (art. 134).

O princípio do defensor natural

Por outro lado, o mesmo dia 4 de agosto de 2016 foi palco também para que o STJ (RHC n. 61.848-PA**, 5ª T., Rel. min. Félix Fisher) tratasse atentamente sobre o princípio do defensor natural, o qual é expresso em na legislação federal (LC n. 80/1994, art. 4º-A, inc. IV).

Ademais, a decisão bem diferencia a carreira de advogado público (CF/88, art. 131-132) – que defende o Poder Público –, da carreira dos defensores públicos (art. 134) – cuja missão constitucional é a defesa do necessitado, em acepção individual ou coletiva –, respeitando-se a terminologia adotada pela Constituição, terminologia a qual possui motivação histórica, mais adiante mencionada.

Assim sendo, a figura do defensor público natural também deve ser encontrada no inciso LIII do art. 5º da Constituição, por ser também missão defensorial o ato de processar o feito, impulsionando-o dentro de suas atribuições, colaborando com o salutar caminhar processual.

Em verdade, a decisão do STJ trouxe reforço ao modelo constitucional de assistência jurídica dos necessitados: a Defensoria Pública, a qual tem primazia sobre advocacia ad hoc ou dativa – pois esta última somente será acionada excepcionalmente e na impossibilidade da Defensoria Pública (EOAB, art. 22, § 1º). Nessa linha de raciocínio, a decisão está em harmonia com a própria origem do cargo de defensor público, que remonta ao dia “21 de julho de 1954” com a edição da Lei Estadual n. 2.188, no antigo estado do Rio de Janeiro.

Na referida ocasião da década de 50 do século passado, os defensores públicos ocupavam cargos isolados ao lado dos promotores dentro da mesma Procuradoria Geral de Justiça-PGJ (para maiores detalhes, clique aqui) – a primeira carreira procurava justiça por “defesa pública” e, a segunda, por “acusação pública”, nestes termos descrevendo-as de modo simplista.

Convém trazer ao texto mais uma vez o Pacto de São José da Costa Rica, quanto ao seu item 2, “e”. No retrocitado dispositivo é exposto o direito irrenunciável ao defensor providenciado pelo Estado, nos termos da legislação interna, a qual tem germe constitucional (art. 5º, LXXIV e art. 134), enquanto garantia fundamental.

Obviamente, a atuação do defensor público natural não impede o exercício do direito, a qualquer tempo, à constituição do advogado de confiança pelo próprio réu, constituído mediante mandato (EOAB, art. 5º, caput) e em conformidade com a letra “d” do item 2 da Convenção Americana de Direitos Humanos-“CADH” (Pacto de São José da Costa Rica).

Nota conclusiva

Em síntese, as decisões do STJ aqui comentadas harmonizam o Sistema de Justiça ao estabelecer um sistema de preferência pela constituição do advogado de confiança para fins representação processual penal dos jurisdicionados. Somente quando o causídico de confiança não for constituído no processo penal se abrirá oportunidade para o suprimento de sua ausência por meio do irrenunciável direito a um defensor público, enquanto agente do modelo de assistência jurídica estatal constitucionalmente eleito. Por fim, este último – o defensor público –, também não poderá ser substituído arbitrariamente pelo juízo, sob pena de ofensa aos ditames legais e constitucionais mencionados.

A seguir, conheça o interior teor dos acórdãos citados:

* Para conhecer o RHC n. 71.406-AP, clique aqui.

** Para conhecer o RHC n. 61.848 - PA, clique aqui.


Notas e Referências:

ESTEVES, Diogo. SILVA, Franklyn Roger Alves. Princípios institucionais da Defensoria Pública. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

KETTERMANN, Patrícia. Defensoria Pública. São Paulo: Estúdio Editores, 2015.

OMMATI, José Emílio Medauar. Uma teoria dos direitos fundamentais. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.

PAIVA, Caio. Prática Penal para Defensoria Pública. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

ROCHA, Amélia Soares da. Defensoria Pública: fundamentos, organização e funcionamento. São Paulo: Atlas, 2013.


Maurilio Casas Maia é Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-Graduado lato sensu em Direito Público: Constitucional e Administrativo; Direitos Civil e Processual Civil. Professor de carreira da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Defensor Público (DPE-AM). 

Email:  mauriliocasasmaia@gmail.com / Facebook: aqui.

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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