Princípio da eficiência e a crise nos estados e prefeituras

21/03/2017

Por Charles M. Machado – 21/03/2017

Em momentos como o atual, é sempre bom uma reflexão do Estado que temos e do Estado que queremos, afinal as dimensões da atual crise, certamente nunca antes foram sentidas em igual dimensão, pela maioria absoluta das pessoas. Afinal sempre que a economia entrava em crise, o Governo com a sua capacidade de intervir, acabava tirando um coelho da cartola, dessa vez, como já foi dito não há coelho na cartola e nem cartas na manga. O Estado brasileiro, esse gigante paquidérmico, que em tudo pretende participar, e que em muito pouco se mostra eficiente, chega ao seu momento de esgotamento. Catalisado pela recessão, que deve levar o país há quatro anos sem crescimento (2014 a 2017), o modelo que é movido pela necessidade do crescimento contínuo do consumo, afinal os maiores tributos em arrecadação são baseados no crescimento permanente da aquisição em produtos de valor agregado (ICMS, IPI e IRPJ), sofre o seu esgotamento. A queda de Receita Patrimonial dos Estados Brasileiros, já alcança 27% no ano, com raras exceções, situação que piora nos Municípios.

Curioso, é que todo esse desequilíbrio ocorre com instituições norteadas pelo princípio da eficiência, afinal tal conceito apresenta-se muito restritivo quando tenta utilizar a acepção do vocábulo eficiência como eficácia social, ou a virtude de um ato administrativo atingir uma finalidade concreta[1], esquecendo-se em seu conteúdo a necessidade de avaliação dos meios e insumos.

Boa também é a lição do atual Ministro do Supremo, que de outra monta, assim conceitua, posto por ALEXANDRE MORAES:

"Assim, princípio da eficiência é o que impõe à administração pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, rimando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitarem-se desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social."[2]

Lembro que o Ministro foi o primeiro a comentar sobre a Emenda Constitucional nº 19/98, MORAES faz o conceito do princípio da eficiência confundir-se com outros princípios administrativos constitucionais. Por exemplo, a transparência é referente ao princípio da publicidade, a neutralidade e imparcialidade são referentes aos princípios da impessoalidade e igualdade. Outro, equívoco, muito comum entre vários doutrinadores e o próprio legislador, é o uso do vocábulo burocracia em sua conotação corriqueira, referente ao excesso de formalidade [3].

Alguns autores, ainda, nem aceitaram a eficiência como princípio administrativo constitucional, considerando-o como simples conseqüência de uma boa administração, servindo a sua nomeação no art. 37, após a Emenda Constitucional 19/1998, apenas como forma dar desculpas à população. MAURÍCIO ANTÔNIO RIBEIRO LOPES expõe a sua opinião:

"Inicialmente cabe referir que a eficiência, ao contrário do que são capazes de supor os procederes do Poder Executivo Federal, jamais será princípio da Administração Pública, mas sempre terá sido- salvo se deixou de ser em recente gestão pública – finalidade da mesma Administração. Nada é eficiente por princípio, mas por conseqüência, e não será razoável imaginar que a Administração, simplesmente para atender a lei, será doravante eficiente, se persistir a miserável remuneração de grande contingente de seus membros, se as injunções políticas, o nepotismo desavergonhado e a entrega de funções do alto escalão a pessoas inescrupulosas ou de manifesta incompetência não tiver um paradeiro"[4]

Entre os fundamentos de seus argumentos, ele indica CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO que cita:

"Quanto ao princípio da eficiência, não há nada a dizer sobre ele. Trata-se, evidentemente, de algo mais do que desejável. Contudo, é juridicamente tão fluido e de tão difícil controle ao lume do Direito, que mais parece um simples adorno agregado ao art. 37 ou o extravasamento de uma aspiração dos que burilam no texto. De toda sorte, o fato é que tal princípio não pode ser concebido (entre nós nunca é demais fazer ressalvas obvias) senão na intimidade do princípio da legalidade, pois jamais suma suposta busca de eficiência justificaria postergação daquele que é o dever administrativo por excelência. Finalmente, anote-se que este princípio da eficiência é uma faceta de um princípio mais amplo já superiormente tratado, de há muito, no Direito italiano: o princípio da ‘boa administração’".[5]

Por certo, concordamos em parte com os dois ilustríssimos autores quanto ser a eficiência algo mais do que desejável, bem como fazer parte do princípio da boa administração. Entretanto, entendemos o princípio da eficiência como princípio de atuação sobre o ato discricionário de natureza semelhante aos princípios da racionalidade e moralidade (também provindos do princípio da boa administração), porém todos são aplicados diferentemente sobre o ato administrativo e logo são diferentes entre si.

A gestão dos Entes Federativos, pressupõe a responsabilização pela condução financeira dos mesmos, e evidentemente que a gestão financeira, nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal, decorre, e o descompasso entre as despesas e receitas é prova determinante do descumprimento desse Preceito Constitucional, onde os números falam por si só.

Afinal no mesmo período em que a Receita Patrimonial dos Estados, cai quase 1/3, as despesas com pessoal já cresceram 14,8%, quadro que se repete na maioria absoluta das Prefeituras. Nesse momento os reajustes de algumas poucas categorias de privilegiados evidencia a falta de sintonia entre o serviço público e a sociedade.

O resultado é a total perda de capacidade de investimento e manutenção de obras e serviços públicos por parte dos Municípios, com a interrupção de serviços básicos e o pagamento com atraso dos seus fornecedores.

As prefeituras fecharam as contas de 2015 à beira da falência. O Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF), divulgado na última quinta-feira, pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), recuou 7,5% ano passado em relação a 2014.

Nos cálculos da Firjan, as prefeituras fecharam suas contas em 2015 com um déficit nominal (saldo negativo entre receitas e despesas, incluindo gastos com juros) de R$ 45,8 bilhões. A projeção da equipe de economistas da entidade empresarial é que esse rombo chegue a R$ 60 bilhões este ano.

O índice da Firjan sintetiza dados públicos sobre a capacidade de a prefeitura gerar receita própria, o peso dos gastos com pessoal, a capacidade de investir, a qualidade da gestão do caixa e o endividamento público.

No quadro geral, 87% dos Municípios pesquisados têm IFGF abaixo de 0,6, com situações classificadas como “crítica” ou “difícil”. Apenas 23 cidades têm indicador acima de 0,8, nível considerado “excelente” pela Firjan.

Outro fator que contribuiu para esse quadro, foi a explosão dos Municípios após a Constituição de 1998, de lá pra cá foram criadas 1.446 cidades.

A crise econômica, que ainda deve perdurar por todo ano de 2017 e 2018, acentua esse quadro, pois pelo menos R$ 165 bilhões deixaram de entrar nos cofres dos Municípios nos últimos anos, por outras razões que acabaram agravando esse quadro, como por exemplo os cerca de R$ 122,7 bilhões, fruto de desonerações do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto de Renda (IR), que por consequência diminuíram as transferências do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), uma das principais fontes de receitas das prefeituras, isso apenas entre 2008 a 2014.

Nesse cenário, muitos procuram estabelecer um culpado, pois faz parte da nossa educação cristã escolher um diabo. Culpar o pacto Federativo e repeti-lo à exaustão representa o caminho certo para tirar o foco do principal problema, a rediscussão do papel e por consequência do tamanho do Estado que queremos.

Nesse instante de queda das arrecadações acabamos por mascarar os sucessivos recordes de arrecadação atingidos pelos Municípios até antes da atual crise, onde por mais de uma década a arrecadação das prefeituras cresceu todos os anos com índices superiores a inflação.

Colocar a culpa no Pacto Federativo, desvirtua o diagnóstico da principal causa da doença, o fato em que as Prefeituras estão cada vez mais inchadas e carregadas de cargos comissionados e novas e mais secretarias. Veja por exemplo quantas são as cidades que nesse momento realizaram uma redução no número de secretarias ou de cargos comissionados?

Os Prefeitos, em sua grande maioria nesse momento preferem lamentar e jogar o real problema para as costas do próximos gestor municipal. Em um verdadeiro jogo de empurra empurra.

É preciso refundar a base e as formas de arrecadação, pois já existe um esgotamento da capacidade contributiva do contribuinte nesse modelo tributário. Sem o aperfeiçoamento dessas novas formas de receitas, teremos gestões sem novas obras, e com constante atrasos no pagamento de pessoal e fornecedores.

A quebra dos Municípios vai se dar pelo esgotamento do modelo, que em nada se vincula ao Princípio da Eficiência, porém o gestor público que mais rápido entender isso, certamente salvará seu mandato e seu projeto político e os cidadãos agradecem por estarem em cidades melhores, bem como a iniciativa privada que nesse momento uma ótima oportunidade para ofertar melhores serviços. A solução parte por acelerar as concessões e permissões, sendo ou não através de PPPs.

Atualmente o país tem 76 PPPs em funcionamento, sendo 46 estaduais, 29 municipais. Para se ter uma dimensão do interesse, somente neste ano foram publicados cerca de 80 Procedimentos de Manifestação de Interesse (PMIs), o estágio inicial de uma PPP, em que os governos recebem propostas da iniciativa privada sobre determinado projeto, baseadas em estudos preliminares. O número é equivalente ao total de PPPs assinadas de 2006 para cá e 50% a mais do que os 53 PMIs registrados em 2014, o que sinalizaria a tendência de expansão dessa modalidade de concessão pública.

É evidente que governos, precisam dialogar mais com os setores produtivos da sociedade para melhor identificação das demandas., pois é grande o número de PMIS que não se convertem em PPPs. Para se ter uma noção dos 54 procedimentos publicados em 2013, só dois resultaram em contratos. É evidente que a desconfiança e desconhecimento emperram a adoção do sistema. Muito se tem falado e pouco se tem produzido para que se comece a colocar em prática as Parcerias Público-Privadas (PPPs). Apontadas como a melhor alternativa para recuperar a capacidade de investimento do poder público, as PPPs ainda padecem de desconfiança do setor privado e de desconhecimento dos agentes públicos. Sobretudo de Estados e Municípios que ainda não perceberam as oportunidades que podem ser abertas nas suas esferas de poder.

Antes de mais nada, é preciso deixar claro que as PPPs obedecem a Lei de Licitações (n 8.666) Ou seja: qualquer projeto de PPP precisa passar pelo processo de publicação de edital e licitação para que seja estabelecido quem será o parceiro do poder público. Só que a lei federal das PPPs introduziu uma modificação importante. Na Lei das Licitações o primeiro envelope aberto é o da habilitação dos concorrentes, aquele que mostra se toda a documentação está correta. Nas PPPs abre-se primeiro os envelopes dos critérios técnicos e do preço a ser cobrado. Isso pode dar agilidade e permitir economia na execução das obras. Quem está disposto a discutir a melhoria do serviço público, e acredita que as PPPs podem servir para isso, deveria refletir em que setores e em quais instâncias elas seriam mais úteis. Deram certo, por exemplo, na construção e na administração de penitenciárias na Inglaterra. No Brasil, com seus altos índices de criminalidade, não seria interessante entregar à iniciativa privada a construção e administração de novas penitenciárias?. O ideal seria entregar às empresas privadas a tarefa de construir unidades haveria geração de emprego, renda e receita, e por certo uma considerável redução de fugas.

Enfraquecidos por uma queda nos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), o caixa das Prefeituras terá de arcar este ano com R$ 9,41 bilhões em despesas relativas a reajustes obrigatórios na folha de pagamento. A estimativa da Confederação Nacional de Municípios (CNM) é de que o aumento de 11,68% no salário mínimo gere um impacto financeiro de R$ 2,62 bilhões na esfera municipal, enquanto o reajuste do piso do magistério deve custar R$ 6,78 bilhões, situação que se agravou nos últimos anos, por causa da expansão dos gastos com pessoal num ritmo superior ao do crescimento da receita.

O Princípio da Eficiência, previsto no artigo 37, e que rege a Administração Pública, deve ser mensurado na qualidade dos serviços públicos prestados por ela, logo reduzir a máquina e recuperar a capacidade de investimento será a chave para os homens públicos com projeto de Estado, ainda que estes estejam em falta.

Sem uma intervenção imediata, o serviço público, seja ele estadual ou municipal caminha a passos largos para inadimplência no salário dos seus servidores. Alterara a Lei de Responsabilidade Fiscal, será o mesmo que tapar o sol com a peneira, ou o Serviço Público se reinventa ou pode morrer de inanição.

As Prefeitura e muitos Governos Estaduais, em grande parte, caminham à passos largos para quebra, e não adianta buscar culpados fora delas, pois os problemas e as soluções estão dentro das cidades.

Colocar a culpa no Pacto Federativo equivale ao casal que após anos de sinais evidentes de desgaste da relação matrimonial procura fora uma desculpa para aliviar cada qual à sua parcela de culpa.

O problema é que na quebra dos Municípios, carrega-se junto toda uma série de relações, entre o público e o privado que são fundamentais para milhões de pessoas, ao contrário da crise matrimonial onde os atingidos vivem sempre sobre o mesmo teto.


Notas e Referências:

[1] Quanto ao conceito de eficácia social: CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 12ª. ed., São Paulo : Saraiva, 2000.

[2] MORAES, Alexandre de. Reforma Administrativa: Emenda Constitucional nº 19/98. 3. ed., São Paulo : Atlas, 1999, p. 30.

[3] Quanto ao conceito de burocracia, remete-se o leitor ao artigo a ser publicado por nós intitulado que está no prelo de publicação: As definições de burocracia: sua presença nas reformas administrativa, e a importância da participação popular como elemento intrínseco à eficiência da Administração Publica.

[4] LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Comentários à Reforma Administrativa: de acordo com as Emendas Constitucionais 18, de 05.02.1998, e 19, de 04.06.1998. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1998, p. 108.

[5] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. ed. 12, São Paulo : Malheiros, 1999, p. 92.


Charles M. MachadoCharles M. Machado é Professor nos Cursos de Extensão da ESPM, Escola Superior de Propaganda e Marketing, em Direito das Marcas e Direito do Intangível, é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha, Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também já foi  palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email: charles@charlesmachado.adv.com.br


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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