Princípio da Causalidade X Princípio da Sucumbência: a necessária distinção para a necessária complementação:[1]  

25/01/2019

 

Coluna O Novo Processo Civil Brasileiro / Coordenador: Gilberto Bruschi

           Prevalece a máxima de que o indivíduo que teve seu direito lesado e foi obrigado a socorrer-se ao Poder Judiciário não pode ter mais um prejuízo com o pagamento de despesas processuais e honorários advocatícios.

Neste sentido, Cândido Rangel Dinamarco afirma que “a vitória processual de quem tem razão deixaria de ser integral quando tivesse de suportar gastos para vencer”[2], estando na mesma situação aquele que não tinha nenhuma obrigação, mas é acionado judicialmente, inexistindo motivo justo, portanto, para que este tenha que desembolsar valores a arcar com o custo do processo.

“O processo deve propiciar a quem tem razão a mesma situação econômica que ele obteria se as obrigações alheias houvessem sido cumpridas voluntariamente ou se seus direitos houvessem sido respeitados sem a instauração de processo algum”.[3]

Isto quer dizer que o custo inicial do processo com o adiantamento das despesas processuais, bem como o pagamento final dos honorários advocatícios fixados na sentença serão revertidos para aquele que venceu a demanda.

Tal afirmação pode ser extraída do artigo 82, § 2º, e 85, ambos do Código de Processo Civil de 2015, segundo os quais o vencido pagará ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Trata-se do chamado Princípio da Sucumbência.

Ocorre que este princípio não é apto a resolver todas as situações concretas, motivo pelo qual a doutrina afirma que latente, no nosso sistema processual, é o Princípio da Causalidade.

Em outras palavras, ao se interpretar literalmente os artigos acima mencionados, chegar-se-á a conclusão de que o sistema processual civil brasileiro adotou o Princípio da Sucumbência, segundo o qual aquele que perdeu a demanda deve arcar com os custos do processo.

Entretanto, se assim podemos dizer, a sucumbência é menos do que a causalidade, no sentido de que é apenas uma das hipóteses que explicam o dever do pagamento dos gastos com o processo.

Disso podemos extrair a afirmação de que a causalidade é o postulado maior, sendo a sucumbência uma mera aplicação específica, mas não a única.

Neste sentido, Yussef Said Cahali pondera que “o só princípio da sucumbência não se mostra suficiente para disciplinar a responsabilidade dos encargos em um sem número de situações concretas”[4].

O que ocorre, na verdade, é uma grande generalização, ao se afirmar que as despesas processuais serão pagas pelo vencido ao vencedor da demanda. É bem verdade, com efeito, que, na maioria das vezes, é isso que realmente ocorre, pois, o sucumbente geralmente é aquele que deu causa à instauração do processo, mas a recíproca nem sempre é verdadeira.[5]

Carnelutti ensinava que era possível se identificar a responsabilidade de determinada pessoa ao se analisar a relação causal entre o dano e a atividade por ela praticada.

Assim, se, indevidamente, determinado indivíduo deixasse de praticar algum ato, violando direito de outrem, ou não adimplisse alguma obrigação, por exemplo, este indivíduo poderia dar causa ao ajuizamento de uma demanda, devendo arcar, caso reconhecido o direito da outra parte, com os gastos do processo – despesas processuais e honorários advocatícios.

Nesta situação, há uma convergência entre o Princípio da Causalidade e o Princípio da Sucumbência, mas devemos ter firme a ideia de que este é efeito prático daquele, que é o verdadeiro princípio.

Há hipóteses, contudo, em que o Princípio da Sucumbência não é apto a explicar o motivo pelo qual a parte tem a obrigação de arcar com os custos do processo, corroborando o que afirmamos até então de que a sucumbência é uma das premissas menores da causalidade.

Tal asserção fica ainda mais evidente quando nos deparamos com situações em que, mesmo sucumbente, a parte vencida não tem o dever de arcar com os custos do processo.

Em tais casos[6], apesar de vencedor na causa, não terá o direito ao recebimento dos honorários advocatícios e, ainda, terá de pagar as custas do processo.

Entendemos que a Lei nº 13.105/2015 perdeu ótima oportunidade de pacificar o entendimento de que a causalidade é o princípio que rege o dever da parte de arcar com o custo do processo. Embora tenha regulamentado sua aplicação nos casos de perda do objeto[7], o Código de Processo Civil poderia ter ido além.

 

Notas e Referências

[1] Trecho de artigo jurídico publicado por este autor na Revista de Processo – RePro nº 259, Setembro/2016, intitulado “Honorários Advocatícios no Novo CPC: as polêmicas quanto sua majoração em grau recursal”, com algumas alterações.

[2] DINAMARCO, Cândido Rangel. Ob. cit., p. 666.

[3] Idem.

[4] CAHALI, Yussef Said. Honorários Advocatícios, 3. ed. [S.I]: Revista dos Tribunais, 1997. p. 56.

[5] Neste sentido, Cândido Rangel Dinamarco ensina que “A sucumbência é um excelente indicador dessa relação causal, mas nada mais que um indicador. Conquanto razoavelmente seguro e digno de prevalecer na grande maioria dos casos, há situações em que esse indício perde legitimidade e deve ser superado pelo princípio verdadeiro. Isso acontece sempre que de algum modo o próprio vencedor haja dado causa ao processo, sem necessitar dele para obter o bem a que tinha direito.” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Ob. cit., p. 666/667).

[6] Um exemplo disso ocorre na seguinte situação: executado apresenta impugnação à execução por quantia realizada pelo exequente sem que tenham sido fornecidos, pelo executado, os documentos necessários à apuração do valor devido. Determinado o fornecimento dos documentos, permanecendo inerte o executado, o exequente poderá apresentar os cálculos da forma como entende corretos (artigo 524, § 5º, do CPC). Mas, tal execução pode ser objeto de impugnação. Como a presunção de correção dos cálculos do exequente é relativa, o executado pode apresentar impugnação a tal execução. Contudo, ainda que vitorioso em tal incidente processual, o executado não poderá receber honorários advocatícios sucumbenciais, uma vez que ele – executado – deu causa à impugnação à execução.

[7] “Art. 85.

(...)

10. Nos casos de perda do objeto, os honorários serão devidos por quem deu causa ao processo. (...).” http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm.

 

 

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