Prescrição médica e falsidade ideológica

02/04/2018

Coluna: Direito à Saúde / Coordenador: Clenio Jair Schulze

Questão interessante reside em saber se é possível um médico praticar o crime de falsidade ideológica ao prescrever um medicamento ou tratamento sem evidência científica ou sem critérios que indiquem um resultado positivo para o paciente.

O artigo 299 do Código Penal prevê que:

“Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:

        Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular.

        Parágrafo único - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.”[1] 

Como se observa do dispositivo transcrito, pode incidir no crime o profissional que pratica a seguinte conduta: fazer uma declaração falsa com a finalidade de criar uma obrigação.

A declaração falsa se materializa na afirmação – existente na prescrição – que o medicamento é prescrito para algo que pode não acontecer, ou seja, o resultado útil ao cidadão não será alcançado, inexistindo eficácia e eficiência no tratamento. Já a criação da obrigação decorre da sujeição do ente público (União, Estado, Distrito Federal e/ou Município) – ou do plano de saúde – a fornecer um medicamento ou tratamento sem possibilidade de sucesso.

Nesta perspectiva, em tese, é possível vislumbrar a prática de crime de falsidade ideológica quando há notória ausência de utilidade no tratamento prescrito.

Ponto a ser avaliado é se a capitulação criminal existe quando o remédio prescrito está incorporado no sistema de Saúde (ou no plano de Saúde) ou se há crime apenas quando inexiste o registro na Anvisa e/ou a incorporação.

Interessante observar que, além do aspecto penal, também se vislumbra, em tese, violação ao Código de Ética Médica. Tal diploma normativo prevê que:

“Capítulo II

Direitos dos médicos

É direito do médico:

[...]

II - Indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e respeitada a legislação vigente.”[2]

Assim, prescrever um tratamento sem que exista comprovação científica e em desobediência às regras impostas, pode ensejar ao profissional a aplicação de sanção por infração ética pelo respectivo órgão de classe ou de sanção pela prática do crime de falsidade ideológica previsto no Código Penal.

Portanto, trata-se de tema a ser abordado com maior profundidade pelos agentes do sistema de Justiça e do sistema da Saúde, com a finalidade de qualificar o Direito e a Judicialização da Saúde e, principalmente, para coibir abusos e estabelecer maior segurança à população.

 

[1] BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em 31 Mar. 2018.

[2] BRASIL. Resolução CFM 1.931/2009. Código de Ética Médica. Disponível em https://portal.cfm.org.br/images/stories/biblioteca/codigo%20de%20etica%20medica.pdf. Acesso em 31 Mar. 2018.

 

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