Prefácio do livro “Política, Sociedade e Castigos: ensaios libertários contra o princípio da autoridade e da punição”

01/07/2018

Escrever sobre liberdades, em tempos de sufocamentos institucionais, é tarefa tão complexa quanto urgente. Enquanto nossos passos seguem sendo regrados, quantificados e vigiados, mais uma vez nos encontramos em um momento histórico onde retrocessos parecem se avizinhar. Enquanto nos lamentamos/conformamos, mais espaços de liberdade são aniquilados. Somos adestrados a não questionar.

Tal característica encontra ponto máximo nas privações carcerárias, cuja legitimação parece ser beneficiada por um sentimento metafísico de reprovar quem transgride a norma. A autorresponsabilização é tida como impossível, distante utopia de quem ainda insiste em sonhar.

É justamente diante deste quadro que obras como a de Guilherme Moreira Pires e Patrícia Cordeiro são absolutamente necessárias. Mais do que isto: urgentes. Temos um conjunto potente e corajoso de ensaios, em um livro que deveria ser o de cabeceira dos amantes da governamentalidade.

Temos aqui libelos genuínos em favor da liberdade e contra o medo. Afinal, enquanto houver medo, haverá submissões, verticalizações, escravaturas travestidas de contrato.

Como forma de demonstrar as potências libertárias, são trazidos fundamentais interrogantes à educação normalizadora. Enquanto a forma de ensinar estiver petrificada em disciplinamentos, jamais haverá espaço para liberdades. Se não há espaços para liberdades, nunca saberemos como lidar com elas.

Também são propostas importantes interrogações às criminologias, especialmente quanto à dificuldade de propor alternativas fora da zona de poder estatal, ou seja, sem abrir mão de governamentalizações. No limite, é também esta obsessão criminológica que impede o rompimento das amarras político-criminais indutoras de dor intencional[1].

Se uma sociedade sem penas já existe (vide a categoria criminológica da “cifra oculta”), falta justamente reconhecer este fato e entender suas repercussões. Enquanto não houver interesse nas dores não mediadas pelo poder institucional(izado), seguiremos acreditando na artificialidade punitiva.

Além de ensaios previamente publicados no site “Empório do Direito”, existem textos antes disponibilizados em espaços restritos, como os de Anais de eventos. Isto faz desta coleção um documento ainda mais importante e imprescindível.

As perspectivas libertárias aqui discutidas desnudam as vontades de punir. Independentemente de orientação ideológica: o poder está nu. Se depois da leitura desta magnífica coleção de textos ainda for possível pensar em punições, ao menos a consciência do penalista estará irremediavelmente condenada.

Notas e Referências

ÁVILA, Gustavo Noronha de. Prefácio. In: CORDEIRO, Patrícia; PIRES, Guilherme Moreira. Política, Sociedade e Castigos: ensaios libertários contra o princípio da autoridade e da punição. Florianópolis: Editora Habitus, 2017.

[1] Cf. CHRISTIE, Nils. Limites à Dor. Tradução de Gustavo Noronha de Ávila, Bruno Silveira Rigon e Isabela Alves. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Untitled (70's period) - Luis Noronha da Costa (1942) // Foto de: Pedro Ribeiro Simões // Sem alterações

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