PRECLUSÃO CONSUMATIVA E A QUESTÃO DE SUA PREVISÃO NORMATIVA OU O PORQUÊ DE O ART. 200, CPC, NÃO PODER SER INVOCADO PARA SUSTENTÁ-LA  

10/09/2019

Um dos grandes mistérios da processualística é revelar a base normativa da preclusão consumativa. Digo isso, pois, muito por força da autoridade de Giuseppe Chiovenda, repete-se que há três tipos de preclusão – dentre elas a consumativa-, que, além de tudo, seriam aplicáveis ao direito brasileiro.

Não se pode, todavia, dentro da normatividade, defender a existência de algo – notadamente se supressor de direitos – sem indicar sua base textual-normativa. Em outras palavras, a preclusão depende de previsão em lei, esta entendida como fonte do direito processual.

Por essas breves linhas, pretendo, a partir do que venha a ser tal tipo de preclusão, demonstrar que o art. 200, CPC, não lhe serve de sustentação.

Muito resumidamente, pode-se dizer que preclusão é efeito jurídico que consiste na perda, por motivos variados, de uma situação jurídica que se titulariza. Acima de tudo, poderes precluem.

No caso da preclusão consumativa, a perda ocorre pelo exercício da situação jurídica titularizada. Ela extingue-se pelo uso, daí a adjetivação.

Por mais que a preclusão em si não seja uma sanção (muito embora ilícitos dos mais diversos podem gerar outras caducidades), é inegável que ela é contrária aos interesses do titular da situação jurídica extinta. E isso pelo simples motivo de ele perder algo que tem. A razão da necessidade de ela ter previsão legal está exatamente nesse viés diminutivo da esfera jurídica do sujeito.

No Brasil, tradicionalmente, tanto a preclusão temporal quanto a lógica têm bases normativas consolidadas. Vide, por exemplo, o art. 223, para o primeiro caso, e o parágrafo único do art. 1.000, ambos do CPC.  

Em relação à preclusão consumativa, porém, essa base normativa (se existir) não é tão óbvia.

Isso, no que diz respeito aos atos das partes, porquanto, no que tange às decisões judiciais, há regra explícita: o art. 494, CPC, de aplicação restrita, todavia, às decisões dadas a título definitivo.

Postas essas considerações, chego ao momento de analisar o art. 200, CPC.

É possível ter tal dispositivo como base normativa da preclusão em discussão? A pergunta, implícita no título deste texto, serve-me neste momento para a argumentação.

A resposta é negativa.

É preciso, antes de tudo, contextualizar o mencionado texto de lei.

Ao fixar que os atos processuais das partes (incluindo os bilaterais) produzem efeitos de plano (isto é, independentemente de homologação judicial), o dispositivo acaba por ter um âmbito bem menos amplo do que se costuma entender. Isso, porque ele não tem sentido para os atos procedimentais das partes, especialmente os postulatórios. Estes dispensam qualquer tipo de homologação por um motivo simples: são postos para a análise judicial, a fim de, em seu conteúdo, serem acolhidos ou rejeitados.

A homologação é algo que lhes é estranho. Não se homologa atos como a petição inicial, a contestação, o recurso etc.: eles procedem ou não. A finalidade dela está na atribuição ao ato de um efeito que, em sua natureza, não existe, efeito esse que só o agente homologatório pode atribuir. Como a chancela pelo fisco, no lançamento sujeito à homologação, e a força de coisa julgada, para o acordo celebrado pelos litigantes. 

O sentido do caput do art. 200, portanto, é estabelecer o óbvio: os atos dispositivos das partes, para produzirem seu efeito precípuo, não precisam ser homologados. A transação sobre o objeto da lide, por exemplo, enseja a extinção desta última, desde que, claro, seja válida e eficaz conforme seus próprios requisitos.

A ressalva do parágrafo único feita à desistência da ação também se dá por motivos óbvios. Embora o ato de desistir já produza o efeito de desfazer a demanda (pois a revoga), ele não tem como gerar a imediata extinção do processo, uma vez que tal extinção só ocorre por decisão judicial. É inconcebível dizer que a parte possa, ela mesma, extinguir o processo.

Em verdade, trata-se de uma falsa homologação: não há o que se homologar; tem-se apenas de, verificando a validade e a eficácia do ato de desistência, extinguir o processo sem resolução do mérito. Já no recurso a “homologação” é desnecessária, pois a extinção do processo já se deu, conquanto esteja condicionada pelo recurso. Assim, por força da desistência, ao se retirar este último, a extinção do processo se desprende de suas amarras. 

Não obstante, mesmo se se entender que os atos postulatórios se encontram no âmbito do dispositivo em análise, dele não se pode extrair qualquer vestígio de fixação da preclusão consumativa.

Explico.

Ora, preclusão consumativa não é efeito próprio do ato praticado. É um efeito que a ele pode se agregar (anexar, como se diz). Tanto por lei como por disposição negocial (caso da decadência, art. 211, CC).

O efeito precípuo de um recurso, por exemplo, não é gerar a perda do direito a ele.

Ou seja, querer extrair do art. 200, CPC, que apenas fixa a autonomia da eficácia do ato processual da parte de qualquer tipo de chancela judicial, a dita preclusão é, numa metáfora, transformar o antídoto no veneno. Seu sentido não é dizer algo do tipo: “se a parte desistiu não pode mais praticar o poder de desistir”, mas sim fixar que “o ato de desistir opera seu efeito independentemente de qualquer agregação que lhe seja feita por uma decisão judicial”.

Retoricamente, é de se perguntar: se a previsão da preclusão consumativa está no art. 200, CPC, caso ele não existisse no ordenamento, poder-se-ia dizer que a ocorrência dela dependeria de homologação judicial, visto ser função dele, exatamente, a dispensa de tal homologação?  

São essas, portanto, minhas razões para objetar a tese de que a preclusão consumativa referente aos atos das partes tem, no art. 200, CPC, a sua base normativa.

Que sigamos em busca desse texto perdido.

 

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