Pragmatismo irresponsável: deixemos o Bulldog do Darwin de lado!

08/07/2016

Por Alfredo Copetti Neto e Carla Dóro - 08/07/2016

De há muito sabe-se das extremas divergências que compõem o pensamento de Ronald Dworkin em relação ao de Richard Posner. Em muitos de seus escritos Dworkin criticou Posner de forma aguda. Posner nunca quis compreender bem as críticas de Dworkin, até porque se as levasse ao fim e ao cabo restaria muito pouca coisa de sua proposta jurídica. Uma vez, em um texto dedicado a Dworkin – Tribute to Ronald Dworkin and a Note on Pragmatic Adjudication – Posner questionou o por que de tantas severas críticas. Dentre os textos críticos de Dworkin ao Posner está o Darwin’s Bulldog, no qual o autor rememora o clássico seguidor de Charles Darwin, o biólogo britânico Thomas Henry Huxley, seu grande defensor em discussões públicas. Em um debate com o estudante Henry Fairfield Osborn o próprio Huxley declarou "Você sabe que eu tenho que tomar conta dele - de fato, eu sempre tenho sido o buldogue de Darwin".

Possivelmente o título contemporâneo de Bulldog do Darwin não caiba a Posner, por uma série de razões que ultrapassam o ambiente deste escrito, mas se levantarmos os argumentos dworkinianos do texto, veremos que Posner sustenta, para não dizer muito, um pragmatismo irresponsável.

Se colocados diante da seguinte pergunta: “existe uma resposta correta em casos controversos?”, Ronald Dworkin e Richard Posner responderiam de forma completamente diversa. Enquanto Dworkin utilizaria de sua teoria da integridade do direito, lançando mão de duas metáforas – a metáfora do Juiz Hércules, e a metáfora do romance em cadeira – para responder que existem respostas corretas para casos difíceis; Posner criticaria essa posição de Dworkin e responderia pela inexistência de uma resposta correta. Para Posner, os juízes, por terem diferentes valores, temperamentos, experiências e concepções sobre a função da justiça, respondem de forma diferente diante de casos difíceis, assim, não se poderia falar em respostas corretas, apenas em respostas que deem certo.

A divergência entre os autores citados é decorrência das diferentes concepções sobre o conceito de Direito para cada um deles, o que vai influenciar a forma como os autores enxergam os problemas jurídicos e, portanto, respondem à questão inicialmente proposta.

Posner é um (neo)pragmático, ele cria, na verdade, um pragmatismo sui generis, que divide sua avaliação entre questões de fato e questões de direito. Para Posner, o equívoco de uma decisão pode decorrer de questões de fato, mas não indicará uma falha no direito. É importante, nesse sentido, entender que o pragmatismo se reveste de um forte aspecto funcional, na medida em que uma ideia, para ser aceita como verdade, deve ter um resultado positivo e deve cooperar com as demais verdades aceitas pelo indivíduo. Logo, a verdade pode ter um prazo de validade de acordo com a sua utilidade contextual. Assim, no pragmatismo, o significado ou o valor de alguma coisa é determinado pelas suas consequências práticas. Ou seja, algo só deve ser aceito como verdadeiro se gerar resultados positivos. A verdade é aquilo que é útil e funciona para um arquétipo predeterminado.

É nessa lógica que, de acordo com Posner, para questões discutidas em tese ou para questões de fato, não parece ser um problema não existir respostas verdadeiras ou falsas. Mas que para questões de direito, ao sopesarmos os argumentos apresentados, pode acontecer de um não necessariamente se apresentar mais forte que o outro. Assim, sem critérios absolutos para determinar qual é a melhor interpretação da lei ou avaliação dos fatos, haverá casos em que não temos respostas certas. A incerteza da decisão decorre, então, da incerteza quanto à veracidade ou a falsidade dos fatos alegados. Nesse sentido, Posner argumenta que há uma área de indeterminabilidade do direito, o que o autor chama de "área aberta”, segundo o qual os juízes deverão responder por meio de um julgamento-legislativo, ante a falta de respostas no direito.

Ronald Dworkin, por sua vez, pensa o direito como algo além de um simples conjunto de normas. Para esse autor o direito é um sistema jurídico e, portanto, apresenta coerência interna. Assim, a inexistência de uma norma não faz com que um caso fique sem solução, pois haverá resposta mesmo no silêncio da lei. Para além, Dworkin sustenta o direito como integridade. Ao invés de uma abordagem pragmática, a sua abordagem da função judicial exige que o juiz considere o direito como uma rede de trama fechada. Não há nenhum direito além do direito. Direito e moral estão intrinsecamente ligados. Dworkin compreende que nos casos controversos o juiz deve olhar além da letra da lei (o que o direito é) para determinar o que o direito deve ser. Para tanto, o juiz deve entrar num processo interpretativo, sendo guiados pelos princípios.

É com isso em mente que Dworkin acusa o pragmatismo jurídico de ser uma teoria vazia ao exigir que os juízes atuem “como se” as pessoas tivessem alguns direitos, a fim de tomar as decisões que lhes pareçam melhores para o futuro da comunidade. Assim, para o pragmatismo, as pessoas não tem direito a nada, a não ser a uma decisão judicial que se revele melhor para a comunidade como um todo. Essa teoria, segundo Dworkin, ignora a coerência com o passado como algo que tenha valor em si mesmo e, portanto, não leva os direitos a sério.

Assim, Posner e Dworkin divergem em um ponto crucial: a objetividade. Para Posner, a objetividade jurídica é conversacional, depende do consenso e tem aspirações científicas. Dworkin, ao contrário, não tem tal aspiração cientificista. Sua teoria visa a buscar não a objetividade, mas coerência, o que envolverá a esfera moral do direito.

O objetivo anunciado de Posner não é a moralidade, mas o que ele chama de “teoria moral”. Posner apresenta a diferença entre julgamento moral (que ocupa as pessoas comuns) e teoria moral (que afeta apenas um pequeno grupo acadêmico) como uma diferença de tipo, mas essa diferença, para Dworkin, só pode ser defendida até certo limite.

As pessoas normalmente utilizam o raciocínio moral como uma saída quando se sentem incertos em suas convicções. Elas são pessoas moralmente responsáveis e o seu interesse pelo raciocínio moral é uma consequência natural desse senso de responsabilidade. Elas querem que seus atos sejam o reflexo de suas convicções e que essas convicções estejam de acordo com princípios e ideias mais gerais que elas defendem em outras ocasiões. Em conclusão, elas se preocupam sobre a integridade das suas convicções, porque desejam agir da forma correta. Na visão de Dworkin, essas pessoas não estão preocupadas em construir uma teoria moral completa, mas o senso de responsabilidade dirá o quão geral será a “teoria” que elas construirão. Para além, Dworkin afirma que, por outro lado, muitas pessoas sabem o que pensam e não querem ser chateados com dúvidas ou insinuações de que são inconsistentes ou sem princípios. Algumas pessoas não querem nenhuma “teoria” antes de marchar, ou votar, ou guerrear, e ridicularizam quem pensa diferente, e Posner toma partido dessas pessoas.

Parece que Posner, no entanto, não fornece nenhum argumento para a sua tese “forte” de que a teoria moral não oferece bases para um julgamento moral, nem para a sua teoria “fraca” de que os juízes devem evitar a teoria moral. Pelo contrário, apesar dos esforços, Posner parece recorrer com frequência à teoria moral.

Em síntese, para Dworkin, Posner preferiria que as decisões judiciais fossem baseadas em algoritmos ou na ciência, a fim de que fossem resolvidas por consenso. Porém, alega Dworkin, os juízes inevitavelmente enfrentarão questão morais, e enclausurar a teoria moral não irá transformar essas questões em assuntos matemáticos ou científicos.

Nessa lógica, Dworkin vê no darwinismo uma nova esperança para o pragmatismo de Posner. Ele  explica que o darwianismo entende que a evolução do ser humano nos permitiu desenvolver atitudes e disposições que nos ajudam não apenas a sobreviver, mas a prosperar. Desse modo, devemos colocar nossa fé na habilidade da natureza proceder a essa seleção natural. Assim, de acordo com o que Dworkin chama de “pragmatismo darwiniano”, nós não precisamos saber o que é melhor para nós mesmos e nossas comunidades, apenas precisamos ter fé no processo que tem gerado certas inclinações, atitudes e disposições naturais em diferentes comunidades. Essa hipótese explicaria as contradições de Posner a respeito das questões morais.

Esse “pragmatismo darwiniano” explica porque Posner não consegue resistir a nenhum ceticismo quanto à moralidade: ele entende que a moralidade tem sua força natural evolutiva e também explica a diferença entre o raciocínio moral inarticulado por ele proposto e o “moralismo acadêmico”, no sentido que o primeiro é natural, enquanto o segundo é intervencionista e perigoso.

Diante disso, Dworkin adverte que o pragmatismo de Posner é irresponsável, porque não mais se supõe que os juízes decidam por meio de um método algorítimo que a leve a um processo formal e lógico. Além disso, é certo que os juízes devem levar em conta as consequências de suas decisões, mas eles podem fazê-lo direcionados por princípios, mais do que por suas próprias preferências políticas e pessoais. O juiz não deve simplesmente reconhecer que goza de um poder discricionário quase legislativo como propõe Posner, mas trazer o processo decisório para uma vasta rede de princípios de derivação coletiva ou de moralidade política.

Em conclusão, uma vez rejeitada a teoria moral e, portanto, o fundamento teórico para a sua proposta, Posner não apresenta nenhum outro modo pelo qual pode sustentar suas ideias. Ao contrário, seus argumentos mostram justamente que a teoria moral não pode ser eliminada, e que a perspectiva moral é indispensável, mesmo para o ceticismo ou o relativismo. Parece-nos que Posner, tentando desesperadamente encontrar uma maneira de sustentar rechaçar a teoria moral, acaba justamente apegando-se nela para responder suas teses.


Notas e Referências: 

DWORKIN, Ronald. Darwin's New Bulldog. Harvard Law Review, v. 111, n. 7, p. 1718-1738, 1998.

POSNER, Richard A. Tribute to Ronald Dworkin and a Note on Pragmatic Adjudication. NYU Ann. Surv. Am. L., v. 63, p. 9, 2007.


Curtiu o artigo???

Leia mais sobre o tema no www.garantismobrasil.com

11121231_1607881519495631_524568245_n


alfredo

. Alfredo Copetti Neto é Doutor em Direito pela Università di Roma, Mestre em Direito pela Unisinos. Cumpriu estágio Pós-Doutoral CNPq/Unisinos. Professor PPG-Unijuí. Unioeste e Univel. Advogado OAB-RS. . .


Carla Dóro. . Carla Dóro é mestranda em Direitos Humanos pela UNIJUÍ, bolsista da CAPES e integrante do Núcleo de Educação e Informação em Direitos Humanos (NEIDH) na mesma Universidade. . .


Imagem Ilustrativa do Post: Bulldog // Foto de: Chase Elliott Clark // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/chasblackman/8667995363

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura