Potencial consciência da ilicitude: Lição 18

22/07/2015

Olá, Empório do Direito!

É com satisfação que iniciamos mais uma lição sobre a teoria do crime. Hoje completamos dezoito semanas e, importante lembrar, estamos estudando desde o texto 16 a culpabilidade. Na semana passada trabalhamos a imputabilidade e suas causas de exclusão. Hoje focaremos esforços no estudo sobre a potencial consciência da ilicitude.

Potencial consciência da ilicitude

A potencial consciência da ilicitude é o elemento da culpabilidade que determina só ser possível a punição do agente que, diante das condições fáticas na quais estava inserido, tinha a possibilidade de atingir o entendimento sobre o caráter criminoso da conduta que perpetrava.

Importante lembrar que a consciência sobe a ilicitude da conduta para a teoria causalista fazia parte do dolo, que era alocado na culpabilidade. É por isso, repisa-se, que a partir do finalismo, quando o dolo e a culpa migraram para a conduta, o dolo passou a ser natural, já que ficou desprovido do caráter normativo que representava a consciência da ilicitude. Foi também o finalismo quem criou a necessidade de punição quando o agente, mesmo praticando determinado fato sem a noção acerca da ilicitude, tinha a possibilidade de atingir essa conclusão. Por isso fala-se hoje em POTENCIAL consciência da ilicitude como requisito para a culpabilidade.

MPE-PR/Promotor de Justiça – A frase: “A potencial consciência da ilicitude encontra-se na culpabilidade, permanecendo apartada ao dolo”, refere-se à teoria estrita da culpabilidade. CORRETO

Como causa capaz de afastar a potencial consciência da ilicitude aparece o erro de proibição inevitável, previsto pelo art. 21 do Código Penal e lá denominado erro sobre a ilicitude do fato. O erro de proibição evitável também encontra previsão no mesmo artigo, mas não como causa dirimente de culpabilidade e sim como circunstância de diminuição de pena.

Art. 21 – O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.  

FUJB/MPE-RJ/Promotor de Justiça – O erro de proibição, ainda que invencível, não exclui o dolo, mas sim a potencial consciência da ilicitude. CORRETO

Antes de enfrentar os demais pontos do erro de proibição, é indispensável estabelecer sua diferença para o desconhecimento da lei. Conforme enfatiza o art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”. Logo, vê-se que a parte inicial do art. 21 do CP está em consonância com o dispositivo. Todavia, o desconhecimento da lei, quando comprovado, é causa atenuante genérica da pena prevista no art. 65, II, do CP.

O desconhecimento da lei configura-se com a ignorância do agente frente à existência de normatização de determinada questão. Entretanto, mesmo desconhecendo a existência do dispositivo, é possível que esteja cercado de elementos que lhe deem condições de atingir a consciência sobre a incompatibilidade da conduta com o Direito. Ilustra-se com o exemplo de uma criança que não tem condições de sequer entender quais as funções das leis, mas que, pela educação que recebe dos pais, vai começando a questionar-se sobre seus atos. É certo que não conhece os elementos objetivos do crime de furto, mas já possui a possibilidade de entender que o ato de apropriar-se de algo de outra pessoa mostra-se contrário às regras da sociedade que frequenta.

Assim, para ter afastada a culpabilidade, o agente deve demonstrar que agiu em erro quanto à proibição da conduta que praticou, precisando evidenciar também que não era possível atingir a consciência sobre a ilicitude do fato. Esse erro inevitável, invencível, do qual o agente pode ser desculpado, provoca isenção de pena. De outro ponto, frisa-se, quando faltar a noção sobre a ilicitude da conduta porque não houve por parte do agente a diligência exigível, diante da certeza de que o erro poderia ter sido evitado, haverá no máximo diminuição de pena. Importante asseverar que deve ser levado em conta para aferição da consciência sobre a ilicitude da conduta o perfil subjetivo do agente.

Fundamental ter em mente que o próprio dispositivo legal (art. 21, parágrafo único, do CP) oferece critérios para que o intérprete possa decidir sobre a evitabilidade do erro ou não. Diz a lei que “considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência”.

A doutrina costuma referir-se à expressão “juízo profano” para referir-se ao agente que age de determinada maneira, sem noção quanto à ilicitude, quando podia ter sido mais diligente, atento. Profano porque desconsidera a extensão do Direito frente ao caso concreto e pratica a conduta nos limites do que entende ser correto. Usa-se bastante a expressão “valoração paralela do profano” para se fazer alusão aos exatos limites da compreensão acerca da ilicitude por um leigo, de acordo com a sua capacidade subjetiva.

PGR/Procurador da República – Para a doutrina, o erro invencível é aquele inescusável, na medida em que pode ser superado por pessoa dotada de diligência ordinária, ou seja, pelo “juízo profano”. ERRADO

A doutrina costuma classificar o erro de proibição em direto, indireto e mandamental, devendo em todas as espécies ser considerada a evitabilidade ou não do erro, o que, ratifica-se, pode isentar o agente de pena ou apenas conferir-lhe redução:

– DIRETO – Diz respeito à situação do agente que não conhece determinado conteúdo legal, ou que não consegue delimitar a extensão de sua incidência. É o próprio agente, diretamente, que valora a situação na qual se encontra.

MPE-PR/Promotor de Justiça – O erro de proibição direto, incidente sobre a existência, a validade ou o significado da lei penal, possui tratamento jurídico diverso do erro de proibição indireto, incidente sobre os limites jurídicos de uma causa de justificação legal ou sobre a existência de uma causa de justificação inexistente. ERRADO

– INDIRETO – O agente vive situação que lhe induz a imaginar estar autorizado a agir. Interpreta equivocadamente o evento, que, ao contrário do que pensa, não suporta juridicamente a resposta que será perpetrada. É o ocorre com algumas descriminantes putativas. Lembre-se de que para a teoria extremada da culpabilidade as descriminantes putativas são sempre erro de proibição, enquanto para a teoria limitada, adotada pela legislação penal nacional, podem configurar erro de tipo ou de proibição.

CESPE/DETRAN-ES – Tratando-se de culpabilidade, a teoria estrita ou extremada e a teoria limitada são derivações da teoria normativa pura e divergem apenas a respeito do tratamento das descriminantes putativas. CORRETO

Vale recordar que descriminantes são as situações justificantes, nas quais, por conta da existência de tipos permissivos, fica excluída a ilicitude do fato típico. Putativa porque são imaginárias, ou seja, só existem na cabeça do agente, que erra ao idealizar estar autorizado. Logo, na hipótese de descriminante putativa o indivíduo age imaginando estar em legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular do direito, quando, na realidade interpretou mal a situação.

As descriminantes putativas podem ser divididas em três espécies:

1) as que o erro se relaciona com os pressupostos fáticos que constituem elementos objetivos da causa excludente de ilicitude. É o caso do clássico exemplo do agente que se depara com seu desafeto e, imaginando que será atacado, lhe agride. Errou acerca de fato que, se existisse, lhe autorizaria a atacar sob a justificativa da defesa. Configura, por isso, erro de tipo, já que o agente não conhece situação fática e, por isso, não percebe que é uma elementar do tipo. Por isso, se inevitável, afasta dolo e a culpa, se evitável, afasta dolo, permitindo a punição por culpa;

2) quando o agente erra por acreditar que a situação que está vivendo configura hipótese justificante. Importante perceber que não erra aqui imaginando condição que lhe permitiria agir, como na espécie anterior. Aqui o agente interpreta bem os acontecimentos, mas imagina que a situação é mais uma daquelas previstas como causa excludente de ilicitude. Como exemplo serve a situação da pessoa traída em relacionamento amoroso que age matando o traidor, pois imagina-se legitimada na defesa da honra. Deve ser trabalhada como erro de proibição, pois aqui o agente age desconsiderando os limites legais da conduta porque não os conhece. Quando o erro for tido como inevitável, haverá isenção de pena, caso seja visto como evitável, implicará no máximo em redução de pena;

3) quando o erro está nos limites do uso das causas de excludentes. É a hipótese do excesso, que também deve ser tida como erro de proibição e, por consequência, deve ser analisada sob o prisma da (in)evitabilidade.

CESPE/TRF1ªR/Juiz – No erro de proibição indireto, o agente tem perfeita noção da realidade, mas avalia de forma equivocada os limites da norma autorizadora. Tal erro, se escusável, isenta-o de pena; se inescusável, concede-lhe o direito a redução da pena de um sexto a um terço. CORRETO

CESPE/TJ-ES – Caracterizada a ocorrência de erro de proibição indireto inescusável, o agente responderá pelo crime doloso, com pena diminuída de um sexto a um terço. CORRETO

CESPE/TJ-PB – De acordo com a teoria limitada da culpabilidade, adotada no CP, o erro que recai sobre uma situação fática configura erro de tipo permissivo, e o erro do agente sobre os limites ou a existência de uma causa de justificação, erro de proibição. CORRETO

CESPE/DPE-AL – Para a teoria limitada da culpabilidade, adotada pelo CP brasileiro, toda espécie de descriminante putativa, seja sobre os limites autorizadores da norma, seja incidente sobre situação fática pressuposto de uma causa de justificação, é sempre considerada erro de proibição. ERRADO

– MANDAMENTAL – quando o agente erra ao desconsiderar que está obrigado a agir, pois inserido nas hipóteses do art. 13, §2º, do Código Penal, permanecendo inerte. Com o seu erro fere norma mandamental.

PC-MG – O erro de proibição mandamental é aquele que recai sobre uma norma impositiva e, se inevitável, isenta o agente de pena. CORRETO

Terminamos assim mais uma lição. Semana que vem trabalharemos a exigibilidade de conduta diversa.

Grande abraço e bons estudos!


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Marcelo Pertille é Especialista em Direito Processual Penal e Direito Público pela Universidade do Vale do Itajaí, Advogado e Professor de Direito Penal de cursos de graduação em Direito e da Escola do Ministério Público de Santa Catarina.

 


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