POSSIBILIDADE PENAL QUE DERIVA DA SONEGAÇÃO DE BENS E REMOÇÃO DE INVENTARIANTE    

30/01/2021

O Código de Processo Civil de 2015 não inovou ao trazer em seu artigo 622[1] acerca da remoção do inventariante, ainda assim, o referido dispositivo merece atenção, principalmente no que tange às possibilidades penais ao inventariante sonegador.

Da leitura básica do dispositivo, colhe-se que o inventariante deve zelar os bens e cuidar para que a partilha ocorra o mais rápido possível, ou seja, não se admite atuação procrastinatória em ônus dessa natureza. E, em ocorrendo, o afastamento se impõe, caso haja insatisfação por parte de algum dos herdeiros, ou mesmo, manifestação do custos legis - Ministério Público - em defesa de interesses indisponíveis.

Acerca da motivação para o incidente de remoção do inventariante, colhe-se da doutrina de Arnaldo Rizzardo que “o aparecimento, no curso do inventário, de total incompatibilidade entre herdeiros e inventariante, ou entre este e alguns deles, transparecendo atitudes de evidentes manobras para prejudicá-los; ou a não tolerância e nem permissão em visitar e examinar os bens do espólio; a retenção de valores recebidos por períodos longos, sem o devido investimento; a constante demora em atender os compromissos do espólio; e mesmo a constituição de procurador sem a devida capacidade profissional, trazendo dificuldades no prosseguimento do inventário. Enfim, todo o comportamento recriminável e inadequado na gestão do patrimônio de terceiros.”[2] 

Não obstante, comprovadas falhas, sejam elas culposas ou dolosas, no exercício do encargo de administrar o espólio, justifica-se a remoção do inventariante, para que a vontade e os interesses dos herdeiros não sejam lesados. A razão principal da inventariança é exatamente essa, uma posição de confiança dos herdeiros. Portanto, quando não desempenhado em legítima boa-fé, deverá o inventariante ser removido.

Agregando ao tema, Maria Berenice Dias entende que, em sendo “comprovadas falhas culposas ou dolosas no exercício da inventariança, justifica-se a sua remoção. A tramitação por muitos anos do processo, por si só, não é motivo bastante para o afastamento do inventariante. Nem a complexidade do processo é causa para a sua remoção. No entanto, ainda que não haja falha do inventariante, o profundo dissenso entres as partes de modo a comprometer o andamento do inventário e retardar a sua conclusão autoriza a nomeação de um inventariante dativo.”[3]

A referida remoção, tal como dicção do art. 622, pode ser perquirida por meio de incidente de remoção de inventariante ou de ofício pelo juiz através de despacho nos próprios autos. Bastando que a autoridade judicial perceba a inércia e retenção de valores por parte do administrador do espólio, ou ainda, verifique desvio de condutas das autorizadas pelo juízo.

Nesse ponto, alcançamos a possibilidade de sanção penal àquele que, sob cargo de confiança/inventariante, declara a inexistência ou apropria-se de bens do espólio, o qual será submetido além da sanção cível - às penas de sonegados - ao crime de apropriação indébita. [4]

Vista disso, extrai-se do Código Penal a conduta típica da apropriação indébita: “Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção: [...] § 1º- A pena é aumentada de um terço, quando o agente recebeu a coisa: I- em depósito necessário; II- na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial; III - em razão de ofício, emprego ou profissão.”

Diferenciando-se do crime de furto, o tipo legal da apropriação indébita consiste no apoderamento de coisa alheia móvel, sem o consentimento do proprietário, mas que em posição de confiança passa a agir como se fosse o dono. Na apropriação da coisa, o agente tem acesso a bem de forma legal, apodera-se do mesmo e deixa de entregar ou devolver ao seu legítimo dono, que no caso do inventário, é a seus herdeiros.[5]

O recente entendimento do egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal é no sentido de condenar aquele que comete crime previsto no art. 168 do Código Penal, ao se apropriar de coisa alheia móvel de bem que tem a posse ou a detenção, incluindo a figura do co-proprietário, o que deduz maior rigor do juízo de reprovação como no caso do inventariante.[6]

O fato é que, se o inventariante deixa de cumprir seu dever, comete o delito civil de sonegação e fica sujeito às penas da lei. Não obstante, os sonegados - que são os bens que deveriam ser trazidos ao inventário, conscientemente desviados - ao não se descrever e colacionar na partilha, além da pena civil, o inventariante está sujeito à pena criminal do delito de apropriação indébita.

 

Notas e Referências

DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 4ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais 2016. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, v. 7: direito das sucessões. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Sucessões: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

[1] Art. 622. O inventariante será removido de ofício ou a requerimento:I - se não prestar, no prazo legal, as primeiras ou as últimas declarações; II - se não der ao inventário andamento regular, se suscitar dúvidas infundadas ou se praticar atos meramente protelatórios; III - se, por culpa sua, bens do espólio se deteriorarem, forem dilapidados ou sofrerem dano; IV - se não defender o espólio nas ações em que for citado, se deixar de cobrar dívidas ativas ou se não promover as medidas necessárias para evitar o perecimento de direitos; V -  se não prestar contas ou se as que prestar não forem julgadas boas;  VI - se sonegar, ocultar ou desviar bens do espólio. (CPC/15)

[2]  RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Sucessões: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 633, p. 640.

[3] DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 4ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais 2016. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, v. 7: direito das sucessões. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 564.

[4] RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Sucessões: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 633.

[5] Disponível em https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/arquivos/DireitoFacil201420171.pdf. Acesso em: 14/12/2020.

[6]APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. INVENTARIANTE. APROPRIAÇÃO DE VALOR APURADO COM A VENDA DE AUTOMÓVEL PERTENCENTE AO ESPÓLIO. AFASTADA ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE. DOLO CONFIGURADO. LESÃO À VIÚVA POSSUIDORA DO BEM. INEXIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA  NÃO VERIFICADA. SENTENÇA  MANTIDA. 1.  Comete o crime previsto no art. 168 do CPB aquele que se apropria de coisa alheia móvel de que se tem a posse ou detenção, o que inclui a figura do co-proprietário. A qualidade especial da autora, no caso, inventariante judicial, significa maior rigor do juízo de reprovação definido pelo legislador criminal face violação a um dos deveres inerentes ao múnus público que lhe foi conferido. (TJDF – Apelação Criminal 00027957220178070014, Relator: Maria Ivatônia, Data de Julgamento: 12/03/2020, 2ª Turma Criminal, Data de Publicação: Publicação no Pje: 09/04/2020)

 

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