Possibilidade de corrigir defeitos formais em sede de recurso de revista: art. 896, §11, da CLT e NCPC – Por Juliane Facó

21/03/2017

Coordenador: Ricardo Calcini

A Lei n˚ 13.015/2014 chancelou a possibilidade de o Tribunal Superior do Trabalho desconsiderar ou mandar sanar defeito formal que não se repute grave, desde que tempestivo o recurso. A regra constante no §11 do art. 896 visa efetivar o princípio da instrumentalidade das formas.

Afinado com essa diretriz, o Novo Código de Processo Civil tipificou, como normas fundamentais, o princípio da primazia da decisão de mérito (art. 4˚[1]), da boa-fé objetiva processual (art. 5˚[2]) e da cooperação (art. 6˚[3]), que devem orientar os sujeitos do processo, incluindo o juiz.

E ainda introduziu, nos arts. 932, parágrafo único, e 938 do CPC, um dever geral, dirigido ao relator, de determinar que os vícios sejam supridos pelas partes antes de inadmitir o recurso.

Encontra-se diante de um formalismo mitigado, instrumental, mais próximo da realidade e dos litigantes. Privilegia-se mais o conteúdo do que a forma, o direito material discutido em juízo do que a existência de vícios que impedem a sua apreciação. O intuito do legislador é combater um exacerbado formalismo que fortalece a jurisprudência defensiva, buscando conferir aos jurisdicionados uma tutela mais efetiva, qualificada, substancial e adequada.

E a CLT se antecipou a esse cenário, moldado pelo CPC/2015, ao trazer a possibilidade de corrigir defeito formal no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, em sede de recurso de revista, o que representa um significativo e louvável avanço, já que o filtro recursal é mais recrudescido, repleto de óbices que podem conduzir ao não conhecimento do recurso.

Mas que tipo de defeito poderia ser sanado no âmbito do TST?

Apenas defeitos formais, que não constituem a essência do ato e que sejam qualificados como leves ou que não se reputem graves. Trata-se de conceito jurídico indeterminado a ser concretizado pelo órgão julgador, após exame das teses veiculadas nos recursos.

Algumas hipóteses já foram vislumbradas pela jurisprudência do TST, modificada após a vigência do NCPC, ou constantes na IN n˚ 39, sobretudo com relação ao preparo e a representação.

No que diz respeito ao preparo, o CPC possui regra expressa que impede o reconhecimento da deserção antes de a parte ser intimada para sanar o vício no prazo de cinco dias, na forma do art. 1.007. Somente se o defeito não foi corrigido é que o recurso será inadmitido.

Havendo insuficiência do valor recolhido para demonstrar o preparo, o §2˚ do art. 1.007 do CPC determina que o recorrente seja intimado para complementar o valor em 5 dias. Se o caso for, porém, de ausência de comprovação do recolhimento devido, o recorrente, ao ser intimado, deve efetuar o preparo em dobro, a título de sanção processual (§4˚ do art. 1.007).

Detectado equívoco no preenchimento da guia de custas e havendo dúvida quanto ao recolhimento, o relator também deve intimar o recorrente para sanar o vício no prazo de 5 dias, na esteira do que estabelece o §7˚ do art. 1.007 do CPC, sendo relevada a pena de deserção.

Esses dispositivos se aplicam integralmente ao processo do trabalho?

Ora, no processo do trabalho sabe-se que o preparo consiste no recolhimento de custas de 2% sobre o valor da causa (art. 789 da CLT) e depósito recursal (art. 899 da CLT), cujo teto é fixado pelo TST anualmente em 1˚ de agosto. Observa-se, ainda, a súmula 128 do TST[4].

O preparo da revista, por sua vez, pode ser composto do recolhimento de custas (se houver inversão da sucumbência no julgamento do recurso ordinário – súmula 25 do TST[5] – ou majoração do valor da causa) e depósito recursal, até atingir o valor da condenação fixada judicialmente.

Pelos dispositivos do NCPC reportados acima, se o preparo for incompleto (recolhido a menor) ou inexistente (ausência de comprovação), a deserção só pode ser aplicada se, após intimado para sanar o vício em 5 dias, o recorrente não o fizer, mantendo-se silente.

O TST considera, contudo, que a possibilidade de sanar o defeito relativo ao preparo só incide com relação às custas e não alcança o depósito recursal, como revela o art. 10 da IN 39:

Paragrafo único. A insuficiência no valor do preparo do recurso, no Processo do Trabalho, para os efeitos do § 2˚ do art. 1007 do CPC, concerne unicamente às custas processuais, não ao depósito recursal.

E mesmo com relação às custas, o TST só entende aplicáveis os §§2˚ e 7˚ do art. 1.007 do CPC e exclui o §4˚ (recolhimento em dobro em caso de ausência de preparo) – art. 10, caput, da IN 39.

Essa diretriz, porém, não se coaduna com o modelo de processo encampado pelo NCPC e pela Lei n˚ 13.015/2014, mormente com o formalismo mitigado/instrumental que rege o ordenamento.

Não há justificativa para conferir tratamento diferenciado aos elementos que compõem o preparo recursal trabalhista (custas + depósito recursal). Se o TST entende que há omissão na CLT e que a regra trasladada do CPC é compatível com o ordenamento com relação às custas, não haveria como se posicionar de maneira diferente para o depósito recursal.

Tampouco há motivos que amparem a não aplicação do §4˚ do art. 1.007, ainda que o recolhimento em dobro do depósito recursal ultrapasse o valor do teto fixado pelo TST, pois, nesse caso, o montante a maior deve ser efetuado a título de sanção processual, e não de preparo propriamente dito, o que permitiria exceder o teto previsto pelo Tribunal Superior do Trabalho e ainda seria uma forma de garantir o juízo de maneira mais efetiva e facilitar a execução.

Assim, para concretizar os princípios da primazia de decisão de mérito, cooperação e instrumentalidade das formas, defende-se a aplicação integral do art. 1.007 do CPC, na medida em que há lacuna da CLT e compatibilidade com as singularidades trabalhistas (art. 769 da CLT).

No tocante ao vício de representação, passível de ser sanado na instância recursal, inclusive no TST, a IN 39 (art. 3˚, I) acolhe a regra do art. 76 do CPC, cujo teor abaixo se reproduz:

Art. 76. Verificada a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte, o juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o vício.

§ 1o Descumprida a determinação, caso o processo esteja na instância originária:

I - o processo será extinto, se a providência couber ao autor;

II - o réu será considerado revel, se a providência lhe couber;

III - o terceiro será considerado revel ou excluído do processo, dependendo do polo em que se encontre.

§ 2o Descumprida a determinação em fase recursal perante tribunal de justiça, tribunal regional federal ou tribunal superior, o relator:

I - não conhecerá do recurso, se a providência couber ao recorrente;

II - determinará o desentranhamento das contrarrazões, se a providência couber ao recorrido. (destaques aditados)

Baseado nesse dispositivo, o TST alterou a súmula 383, que passou a permitir que o vício de representação seja sanado na fase recursal, desde que o instrumento de mandato esteja presente nos autos, embora apresente irregularidades. Ausente o mandato, contudo, só se releva o defeito em hipóteses excepcionais, previstas no art. 104 do CPC[6], desde que o recorrente tenha justificado de forma prévia, no recurso, o motivo de não ter colacionado a procuração.

Esse é o entendimento que restou cristalizado na súmula 383 do TST, pós CPC/2015:

RECURSO. MANDATO. IRREGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO. CPC DE 2015, ARTS. 104 E 76, § 2º (nova redação em decorrência do CPC de 2015) - Res. 210/2016, DEJT divulgado em 30.06.2016 e 01 e 04.07.2016

I – É inadmissível recurso firmado por advogado sem procuração juntada aos autos até o momento da sua interposição, salvo mandato tácito. Em caráter excepcional (art. 104 do CPC de 2015), admite-se que o advogado, independentemente de intimação, exiba a procuração no prazo de 5 (cinco) dias após a interposição do recurso, prorrogável por igual período mediante despacho do juiz. Caso não a exiba, considera-se ineficaz o ato praticado e não se conhece do recurso.

II – Verificada a irregularidade de representação da parte em fase recursal, em procuração ou substabelecimento já constante dos autos, o relator ou o órgão competente para julgamento do recurso designará prazo de 5 (cinco) dias para que seja sanado o vício. Descumprida a determinação, o relator não conhecerá do recurso, se a providência couber ao recorrente, ou determinará o desentranhamento das contrarrazões, se a providência couber ao recorrido (art. 76, § 2º, do CPC de 2015). (destaques aditados)

Logo, se for diagnosticada, por exemplo, pelo Ministro do TST (relator do recurso de revista), irregularidade na procuração residente nos autos ou carreada com o recurso (v.g., procuração em cópia não autenticada; ausência de identificação do outorgante; substabelecimento outorgado sem que na procuração haja poderes expressos para substabelecer – súmula 395, III do TST -; procuração com prazo vencido[7]; assinatura ilegível; irregularidade na impressão/digitalização do mandato), deve-se intimar a parte para sanar o defeito.

Já vícios relacionados ao conteúdo do recurso, a ausência de prequestionamento, a tempestividade[8], aos pressupostos previstos no art. 896, §1˚-A, a adequação do recurso de revista a uma das hipóteses previstas no art. 896 da CLT (cabimento), não são considerados sanáveis.

O motivo é que não se enquadram no conceito de defeito formal, e sim substancial (da essência do ato), ou, ainda que se considere como vício formal, não se reputam graves, como exige a lei.

Todo esse regramento, inclusive a diretriz constante no art. 896, §11, da CLT, pode ser aplicado para quaisquer recursos trabalhistas, não se restringindo, portanto, ao recurso de revista.

Trata-se, repita-se, da concretização das normas fundamentais capituladas nos arts. 4˚, 5˚ e 6˚ do CPC/2015: princípios da primazia da decisão de mérito, da boa-fé objetiva processual e da cooperação, respectivamente, que devem ser observados por todos os sujeitos processuais.


Notas e Referências:

[1] Art. 4o As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.

[2] Art. 5o Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.

[3] Art. 6o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

[4] Súmula 128 do TST: “DEPÓSITO RECURSAL. I - É ônus da parte recorrente efetuar o depósito legal, integralmente, em relação a cada novo recurso interposto, sob pena de deserção. Atingido o valor da condenação, nenhum depósito mais é exigido para qualquer recurso. II - Garantido o juízo, na fase executória, a exigência de depósito para recorrer de qualquer decisão viola os incisos II e LV do art. 5º da CF/1988. Havendo, porém, elevação do valor do débito, exige-se a complementação da garantia do juízo. III - Havendo condenação solidária de duas ou mais empresas, o depósito recursal efetuado por uma delas aproveita as demais, quando a empresa que efetuou o depósito não pleiteia sua exclusão da lide”.

[5] Súmula nº 25 do TST: “CUSTAS PROCESSUAIS.  INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. (Res. 197/2015 - DEJT divulgado em 14, 15 e 18.05.2015). I - A parte vencedora na primeira instância, se vencida na segunda, está obrigada, independentemente de intimação, a pagar as custas fixadas na sentença originária, das quais ficara isenta a parte então vencida; II - No caso de inversão do ônus da sucumbência em segundo grau, sem acréscimo ou atualização do valor das custas e se estas já foram devidamente recolhidas, descabe um novo pagamento pela parte vencida, ao recorrer. Deverá ao final, se sucumbente, reembolsar a quantia; III - Não caracteriza deserção a hipótese em que, acrescido o valor da condenação, não houve fixação ou cálculo do valor devido a título de custas e tampouco intimação da parte para o preparo do recurso, devendo ser as custas pagas ao final; IV - O reembolso das custas à parte vencedora faz-se necessário mesmo na hipótese em que a parte vencida for pessoa isenta do seu pagamento, nos termos do art. 790-A, parágrafo único, da CLT”.

[6] Art. 104.  O advogado não será admitido a postular em juízo sem procuração, salvo para evitar preclusão, decadência ou prescrição, ou para praticar ato considerado urgente.

§ 1o Nas hipóteses previstas no caput, o advogado deverá, independentemente de caução, exibir a procuração no prazo de 15 (quinze) dias, prorrogável por igual período por despacho do juiz.

§ 2o O ato não ratificado será considerado ineficaz relativamente àquele em cujo nome foi praticado, respondendo o advogado pelas despesas e por perdas e danos.

[7] BRANDÃO, Cláudio. Reforma do Sistema recursal trabalhista: comentários à Lei n. 13.015/2014. 2 ed. São Paulo: Ltr, 2016, p. 220.

[8] Ressalva-se que, se o tribunal se equivocou na análise da tempestividade, pelo fato de o recorrente não ter trazido aos autos documento que comprove a ocorrência de feriado local, permite-se que a prova documental seja produzida de forma superveniente, no agravo regimental, agravo de instrumento ou embargos de declaração, com a chancela da súmula 385 do TST: “FERIADO LOCAL. AUSÊNCIA DE EXPEDIENTE FORENSE. PRAZO RECURSAL. PRORROGAÇÃO. COMPROVAÇÃO. NECESSIDADE ATO ADMINISTRATIVO DO JUÍZO “A QUO” (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012. I – Incumbe à parte o ônus de provar, quando da interposição do recurso, a existência de feriado local que autorize a prorrogação do prazo recursal.
II – Na hipótese de feriado forense, incumbirá à autoridade que proferir a decisão de admissibilidade certificar o expediente nos autos.
III – Na hipótese do inciso II, admite-se a reconsideração da análise da tempestividade do recurso, mediante prova documental superveniente, em Agravo Regimental, Agravo de Instrumento ou Embargos de Declaração”. (destaques aditados)


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