POSSE E PORTE DE ARMA DE FOGO NO NOVO DECRETO DE BOLSONARO

09/05/2019

Ao contrário do propagado de maneira irresponsável por alguns órgão de comunicação e também por pessoas que desconhecem totalmente a legislação de armas no Brasil, o novo Decreto nº 9.785, de 7 de maio de 2019, não alterou de maneira significativa o arcabouço jurídico até então em vigor, regulamentador da posse e do porte de arma no País.

De início, cumpre ressaltar que o referido decreto, de maneira salutar, compilou as disposições que estavam anteriormente esparsas em diversos outros decretos, revogados expressamente, que regulamentavam a aquisição, o registro, a posse e o porte de armas no Brasil, dentre outros aspectos pertinentes ao assunto.

Causou-nos certa decepção, entretanto, a redação claudicante de muitos dispositivos e a maneira um tanto confusa e atécnica com que alguns aspectos da matéria foram abordados, com repetições desnecessárias de vários tópicos e com o tratamento prolixo e desordenado de pontos essenciais à perfeita compreensão das regras e procedimentos para a aquisição, o cadastro, o registro, a posse, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição.

O Decreto nº 9.785/19 veio com o propósito de regulamentar as disposições da Lei nº 10.826/03, cuidando, ainda, do Sistema Nacional de Armas – SINARM e do Sistema Nacional de Gerenciamento Militar de Armas – SIGMA.

Em seu art. 2º, o decreto tratou de definir o que se entende por “arma de fogo de uso permitido”, “arma de fogo de uso restrito”, “arma de fogo de uso proibido”, “arma de fogo obsoleta”, “arma de fogo de porte”, “arma de fogo portátil”, “arma de fogo não portátil”, trazendo ainda diversas outras conceituações envolvendo munições, cadastros e registros, dentre outras.

Neste artigo iremos tratar apenas dos aspectos que envolvem a posse e o porte de arma, de acordo com o novo decreto, deixando para outra oportunidade a análise dos demais aspectos que envolvem a nova regulamentação do Estatuto do Desarmamento.

De acordo com o novo decreto, para fins de aquisição de arma de fogo de uso permitido e de emissão do Certificado de Registro de Arma de Fogo, o interessado deverá cumprir vários requisitos, como acontecia no passado, tendo que apresentar declaração de efetiva necessidade, ter idade mínima de 25 anos, apresentar documentação pessoal de identidade, comprovar a idoneidade moral e a inexistência de inquérito policial ou processo criminal, por meio de certidões de antecedentes criminais das Justiças Federal, Estadual, Militar e Eleitoral, apresentar documento comprobatório de ocupação lícita e de residência fixa, além de comprovar, periodicamente, a capacidade técnica e também aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo. Deverá o interessado, ainda, apresentar declaração de que possui lugar seguro para armazenamento das armas de fogo das quais seja proprietário, de modo a adotar as medidas necessárias para impedir que menor de 18 anos de idade ou pessoa com deficiência mental se apodere de armamento que esteja sob sua posse ou que seja de sua propriedade.

Percebe-se, pois, claramente, ao contrário do que levianamente se propaga nas redes sociais e em alguns meios de comunicação, que não houve nenhuma facilitação à aquisição ou posse de arma de fogo, sendo o decreto, na esteira da legislação anterior, bastante restritivo, tratando a questão com responsabilidade e comedimento.

Apenas a título de apoio ao dito acima, o comprovante de capacitação técnica para o manuseio da arma de fogo deverá ser expedido por instrutor de armamento e de tiro credenciado pela Polícia Federal no SINARM e deverá atestar, necessariamente o conhecimento da conceituação e das normas de segurança relativas à arma de fogo, o conhecimento básico dos componentes e das partes da arma de fogo para a qual foi requerida a autorização de aquisição, e habilidade no uso da arma de fogo demonstrada pelo interessado em estande de tiro credenciado pelo Comando do Exército ou pela Polícia Federal. Além disso, a aptidão psicológica deverá ser atestada por psicólogo credenciado pela Polícia Federal.

No que se refere à quantidade, o cidadão comum poderá adquirir até 4 armas arma de fogo de uso permitido.

O Certificado de Registro de Arma de Fogo, expedido pela Polícia Federal, precedido de cadastro no SINARM, tem validade em todo o território nacional e autoriza o seu proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência ou nas dependências desta, ou, ainda, de seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou pela empresa.

O prazo de validade do Certificado de Registro de Arma de Fogo passou a ser de 10 anos, tendo os requisitos que ser satisfeitos novamente a cada renovação.

Uma das novidades mais sensíveis no novo decreto foi o esclarecimento do que se entende por “interior da residência ou dependência desta”. De acordo com o texto legal, é “toda a extensão da área particular do imóvel, edificada ou não, em que resida o titular do registro, inclusive quando se tratar de imóvel rural.” Assim, em casos de propriedades rurais ou de propriedades urbanas de larga extensão, estará o proprietário autorizado a manter a arma consigo em todo o terreno, e não mais apenas no interior da casa, como se entendia anteriormente.

Na hipótese de mudança de domicílio, o proprietário de arma de fogo deverá solicitar guia de trânsito à Polícia Federal para transportá-la ao novo local de moradia, sendo o deslocamento autorizado apenas para o percurso indicado, com a arma devidamente desmuniciada e acondicionada.

Caso o proprietário da arma de fogo queira vendê-la ou doá-la, a transferência da propriedade entre particulares poderá ser feita por quaisquer das formas em Direito admitidas, sendo autorizada sempre que o adquirente cumprir os requisitos legais previstos para aquisição.  A solicitação de autorização para transferência de arma de fogo será instruída com a comprovação de que é intenção do proprietário aliená-la a terceiro, vedado ao Comando do Exército e à Polícia Federal exigir o cumprimento de qualquer outro requisito ou formalidade por parte do alienante ou do adquirente para efetivar a autorização. A entrega da arma de fogo pelo alienante ao adquirente, entretanto, somente poderá ser efetivada após a devida autorização da Polícia Federal ou do Comando do Exército, conforme o caso.

O porte de arma de fogo, por seu turno, será expedido pela Polícia Federal, sendo pessoal e intransferível, tendo validade em todo o território nacional, garantindo o direito de portar consigo qualquer arma de fogo, acessório ou munição do acervo do interessado com registro válido no SINARM ou no SIGMA, conforme o caso, por meio da apresentação do documento de identificação do portador.

Eis aí uma das maiores e mais importantes novidades trazidas pelo novo decreto.

Anteriormente, o porte de arma era vinculado a uma arma determinada, ou seja, o documento que corporificava a autorização de porte trazia em seu bojo a especificação e as características de uma única arma que poderia ser portada.

Agora, não. O porte de arma é genérico e confere o direito de portar “qualquer arma de fogo, acessório ou munição do acervo do interessado”. Portanto, agora, o documento de porte dá direito a portar qualquer arma de fogo pertencente ao interessado, desde que devidamente registrada.

Importante ressaltar que a autorização de porte de arma de fogo perderá automaticamente sua eficácia caso o portador seja detido ou abordado em estado de embriaguez ou sob efeito de substâncias químicas ou alucinógenas.

Nesse aspecto, o novo decreto estabeleceu expressamente que o cidadão comum, titular de porte de arma de fogo não poderá conduzi-la ostensivamente e nem tampouco em estado de embriaguez ou sob o efeito de drogas ou medicamentos controlados que provoquem alteração do desempenho intelectual ou motor.

Outra dúvida muito comum em relação às armas de fogo diz respeito aos procedimentos que devem ser adotados por parentes e sucessores de pessoa falecida que possuía regularmente arma de fogo.

O decreto estabelece que, na hipótese de falecimento ou interdição do proprietário de arma de fogo, o administrador da herança ou o curador, conforme o caso, providenciará a transferência da propriedade da arma, por meio de alvará judicial ou de autorização firmada por todos os herdeiros, desde que maiores de idade e capazes. Cumpre, ainda, ao administrador da herança ou o curador comunicar à Polícia Federal ou ao Comando do Exército, conforme o caso, a morte ou a interdição do proprietário da arma de fogo. Nesse caso, a arma de fogo permanecerá sob a guarda e a responsabilidade do administrador da herança ou do curador, depositada em local seguro, até a expedição do Certificado de Registro de Arma de Fogo e a entrega ao novo proprietário.

Por fim, foi mantida a possibilidade de entrega da arma de fogo, de seus acessórios ou de sua munição (art. 31 e art. 32 da Lei nº 10.826/03) à Polícia Federal ou a órgãos e entidades credenciados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, oportunidade em que será presumida a boa-fé do possuidor e do proprietário que, espontaneamente, a entregar à Polícia Federal ou aos postos de recolhimento credenciados. No entanto, para o transporte da arma de fogo até o local de entrega, será exigida guia de trânsito, expedida pela Polícia Federal ou por órgão por ela credenciado, que conterá as especificações mínimas estabelecidas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Em suma, o novo Decreto nº 9.785/19, não obstante as imperfeições apontadas no início de nossa exposição, tem o mérito de compilar a maior parte da legislação que anteriormente regulava o assunto, esclarecendo e delimitando diversos pontos referentes à aquisição, ao cadastro, ao registro, à posse, ao porte e à comercialização de armas de fogo e de munição, não se podendo afirmar, em hipótese alguma, sob pena de se incorrer em grave equívoco, que, por meio dele, se fomenta ou se possibilita a propagação indiscriminada de armas de fogo no nosso País.

 

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