POSSE E PORTE DE ARMA DE FOGO: DIFERENÇAS FUNDAMENTAIS

08/11/2018

 

Atualmente, muito se tem falado no Brasil sobre a possibilidade do cidadão possuir e/ou portar arma de fogo como corolário direto do direito à autodefesa e ao resguardo de seus direitos fundamentais, mormente a vida, a integridade física, a inviolabilidade de domicílio e a propriedade.

Urge, entretanto, que se deixem bem claras as diferenças entre dois institutos tratados pela legislação pátria e que, não raras vezes, são objeto de desconhecimento e até mesmo de confusão por parte de considerável parcela da população brasileira.

Inicialmente, cumpre esclarecer que o tratamento das armas de fogo é dado primordialmente pela Lei nº 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento) e pelo Decreto 5.123/04, sendo certo que, mais recentemente, foi aprovado o novo R-105 – Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados, pelo Decreto nº 9.493, de 5 de setembro de 2018.

A Lei nº 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento) instituiu o Sistema Nacional de Armas – SINARM, no Ministério da Justiça, no âmbito da Polícia Federal, com circunscrição em todo o território nacional. O SINARM tem sua competência estabelecida pelo “caput” e incisos do art. 2º do referido Estatuto, tendo por finalidade manter cadastro geral, integrado e permanente das armas de fogo importadas, produzidas e vendidas no País e o controle dos registros dessas armas.

Ao SINARM, portanto, compete: I – identificar as características e a propriedade de armas de fogo, mediante cadastro; II – cadastrar as armas de fogo produzidas, importadas e vendidas no País; III – cadastrar as autorizações de porte de arma de fogo e as renovações expedidas pela Polícia Federal; IV – cadastrar as transferências de propriedade, extravio, furto, roubo e outras ocorrências suscetíveis de alterar os dados cadastrais, inclusive as decorrentes de fechamento de empresas de segurança privada e de transporte de valores; V – identificar as modificações que alterem as características ou o funcionamento de arma de fogo; VI – integrar no cadastro os acervos policiais já existentes; VII – cadastrar as apreensões de armas de fogo, inclusive as vinculadas a procedimentos policiais e judiciais; VIII – cadastrar os armeiros em atividade no País, bem como conceder licença para exercer a atividade; IX – cadastrar mediante registro os produtores, atacadistas, varejistas, exportadores e importadores autorizados de armas de fogo, acessórios e munições; X – cadastrar a identificação do cano da arma, as características das impressões de raiamento e de microestriamento de projétil disparado, conforme marcação e testes obrigatoriamente realizados pelo fabricante; e XI – informar às Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal os registros e autorizações de porte de armas de fogo nos respectivos territórios, bem como manter o cadastro atualizado para consulta.

A arma de fogo, para ser legal, precisa ser registrada no órgão competente, que é a Polícia Federal. Assim, para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá, além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos: ter idade mínima de 25 anos; comprovar idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal; apresentar documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa; além de comprovar capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo.

O interessado deve se dirigir a um estabelecimento comercial regular e autorizado a comercializar armas de fogo. Escolhida a arma (que deverá ser de uso permitido), e atendidos os requisitos acima apontados, preenchidos formulários e pagas taxas, o SINARM expedirá autorização de compra de arma de fogo em nome do requerente e para a arma indicada, sendo intransferível esta autorização. A aquisição de munição somente poderá ser feita no calibre correspondente à arma registrada e na quantidade estabelecida no regulamento da Lei nº 10.826/03.

Autorizada a aquisição e adquirida a arma de fogo, o Certificado de Registro de Arma de Fogo será expedido pela Polícia Federal, precedido de cadastro no SINARM, com validade em todo o território nacional, autorizando o seu proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa.

Portanto, repita-se, o Certificado de Registro de Arma de Fogo, com validade em todo o território nacional, autoriza o seu proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência ou domicílio, ou dependência desses, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa.  O referido certificado não confere, absolutamente, o direito de portar a arma de fogo fora da residência do possuidor ou das dependências desta.

Caso a pessoa possua em sua residência uma arma de fogo sem o devido registro, estará incursa no crime de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido, previsto no art. 12 da Lei nº 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento) e sujeita à pena de detenção de 1 a 3 anos e multa.

Já o porte de arma, por sua vez, é completamente diferente da posse.

De acordo com o disposto no Estatuto do Desarmamento, é proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, sendo concedido, excepcionalmente, pela Polícia Federal.

A autorização para o porte de arma de fogo de uso permitido, em todo o território nacional, é de competência da Polícia Federal e somente será concedida após autorização do SINARM. Essa autorização poderá ser concedida com eficácia temporária e territorial limitada, nos termos de atos regulamentares, e dependerá de o requerente demonstrar a sua efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física; atender às exigências previstas no art. 4o do Estatuto do Desarmamento (comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal; apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa; e comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo); apresentar documentação de propriedade de arma de fogo, bem como o seu devido registro no órgão competente.

O Porte de Arma de Fogo é pessoal, intransferível e revogável a qualquer tempo, sendo válido apenas com relação à arma nele especificada e com a apresentação do documento de identificação do portador.

Aos caçadores para subsistência, residentes em áreas rurais, maiores de 25 anos, que comprovem depender do emprego de arma de fogo para prover sua subsistência alimentar familiar, será concedido pela Polícia Federal o porte de arma de fogo, na categoria caçador para subsistência, de uma arma de uso permitido, de tiro simples, com 1 ou 2 canos, de alma lisa e de calibre igual ou inferior a 16, desde que o interessado comprove a efetiva necessidade em requerimento ao qual deverão ser anexados documento de identificação pessoal, comprovante de residência em área rural e atestado de bons antecedentes. Caso o caçador para subsistência dê outro uso à sua arma de fogo, independentemente de outras tipificações penais, responderá, conforme o caso, por porte ilegal ou por disparo de arma de fogo de uso permitido.

A Lei nº 10.826/03 distingue, ainda, “arma de fogo de uso permitido” de “arma de fogo de uso proibido ou restrito”, dispondo, em seu art. 23, que a classificação legal, técnica e geral bem como a definição das armas de fogo e demais produtos controlados, de usos proibidos, restritos, permitidos ou obsoletos e de valor histórico serão disciplinadas em ato do chefe do Poder Executivo Federal, mediante proposta do Comando do Exército.

Nesse sentido, o Decreto nº 5.123/04, em seu art. 10, dispõe que “arma de fogo de uso permitido é aquela cuja utilização é autorizada a pessoas físicas, bem como a pessoas jurídicas, de acordo com as normas do Comando do Exército e nas condições previstas na Lei no 10.826, de 2003.” No art. 11 dispõe que “arma de fogo de uso restrito é aquela de uso exclusivo das Forças Armadas, de instituições de segurança pública e de pessoas físicas e jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo Comando do Exército, de acordo com legislação específica.”

Assim, o cidadão comum, civil, somente poderá ter a posse e, excepcionalmente, obter a autorização de porte, de arma de fogo “de uso permitido”, assim classificada, como já dissemos acima, em ato do Presidente da República, mediante proposta do Comando do Exército.

Recentemente, o Presidente da República baixou o Decreto nº 9.493, de 5 de setembro de 2018, aprovando o Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados, o novo R-105.

Esse regulamento dispõe sobre os princípios e as normas para a fiscalização de produtos controlados pelo Comando do Exército (Produto Controlado pelo Comando do Exército – PCE).

Os PCE, assim, são classificados no art. 16 do Anexo I, quanto ao grau de restrição, da seguinte forma: de uso proibido (§1º), de uso restrito (§2º) e de uso permitido (§3º).

Interessante ressaltar, ainda, que o dito regulamento trouxe a conceituação de arma de fogo, de acessório e de munição, permitindo o correto enquadramento nos crimes previstos na Lei nº 10.826/03.

Nesse sentido: “arma de fogo” é aquela que arremessa projéteis empregando a força expansiva dos gases, gerados pela combustão de um propelente confinado em uma câmara, normalmente solidária a um cano, que tem a função de dar continuidade à combustão do propelente, além de direção e estabilidade ao projétil; “acessório de arma de fogo” é o artefato que, acoplado a uma arma, possibilita a melhoria do desempenho do atirador, a modificação de um efeito secundário do tiro ou a modificação do aspecto visual da arma; e “munição” é o artefato completo, pronto para utilização e lançamento, cujo efeito desejado pode ser: destruição, iluminação e ocultamento do alvo; efeito moral sobre pessoal; exercício; manejo; ou efeitos especiais.

Vale ressaltar, a título de conclusão, que a análise ora apresentada não tem a pretensão de esgotar o assunto e nem tampouco analisar todas as implicações que o tema suscita, servindo apenas para distinguir dois institutos bastante parecidos e trazer algumas luzes sobre a discussão acerca das armas de fogo no Brasil.

 

Imagem Ilustrativa do Post: handgun // Foto de: Brett Hondow // Sem alterações

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