POR UMA SOCIEDADE PACÍFICA E PACIFICADORA

24/01/2023

Coluna Direitos de Crianças, Adolescentes e Jovens / Coordenadores Assis da Costa Oliveira, Hellen Moreno, Ilana Paiva, Tabita Moreira e Josiane Petry Veronese

Crescer em humanidade 

Todos sabemos que crescemos

ou pela dor ou pelo amor.

Devo confessar:

sou mais adepta à segunda forma.

Reconheço que o sofrimento é

da natureza humana,

não há como fugir.

Mas o amor tem a natureza divina

É ágape

Banquete

Partilha.

É lúcido

Luz

Crescer através do caminho do amor.

Sou caminhante

na busca do caminho.

Não desprezo a dor

mas como criança

encantada,

plasmada no amor[1].

(Josiane Rose Petry Veronese) 

Inicia-se um novo ano e, como um novo respiro, somos convocados pela “deusa” da esperança, a ter consciência que, práticas retributivistas, ou em outras palavras, “pagar o mal pelo mal”, são incompatíveis com a cultura de paz.

Uma sociedade que aponta somente o castigo, as penas como respostas únicas aos erros, vive e reproduz históricos conflitos. Dentro dessa abordagem podemos, ainda, analisar qual a visão da sociedade sobre a questão da punição. Ela entende que se educa punindo?

Essa manifestação evidencia, na realidade, toda uma angústia, uma ansiedade de um povo debilitado, carente – em termos econômico, político, social e cultural – de proteção estatal. Nesse contexto, a mídia, infelizmente, acentua a produção/reprodução de ideias acerca do controle social, ou seja, através da intervenção do Estado, servindo-se do Direito Penal: mais leis, maiores penas. Tais proposições importam em soluções imediatistas, ofuscando as verdadeiras matrizes do problema da marginalização social, que não podem ser simplisticamente reduzidas à pobreza. Faz-se necessário destacar a discrepante desigualdade existente entre os vários estratos sociais, conjugado a um secular descaso do Poder Público, no que tange a efetivos programas e ações no campo da educação, saúde e desenvolvimento econômico integral.

No âmbito da sociedade, ainda, configura-se um descaso, um descompromisso com a infância, como se esta não lhe pertencesse. Claro, daí resulta toda uma digressão histórica em que o período relativo à infância e adolescência, período do “menorismo”, foi encarado como uma questão de polícia ou de entidades assistencialistas – expondo claramente a visão dualista sobre o tema – a criança/adolescente era o infrator, o delinquente, o vitimizador ou o abandonado, o desassistido, o vitimizado.[2]

Há que se considerar, também, outros elementos, tais como a crescente ausência de diálogo no âmbito familiar, o consumismo, o hedonismo, a ingênua pretensão dos pais ou responsáveis de compensar suas constantes e muitas vezes longas ausências às relações familiares, por meio de presentes – o presente pela presença –, a escassez de valores, de princípios éticos e, por outro lado, a ausência de programas de amparo à família etc.

Assim, quando a população clama por penas mais severas – chegando até o extremo da pena de morte – está sendo vítima de uma manipulação perversa.

À medida que tivermos uma sociedade mais esclarecida, esta perceberá que não se resolvem problemas de natureza social por meio de uma legislação repressora e, consequentemente, não se obterá a tão desejada harmonia social do Estado democrático de direito com a edificação de presídios, mas sim de escolas, de hospitais, de moradias, de trabalho e salário dignos.

Neste sentido, entendemos que são possíveis ações cidadãs distantes da dicotomia erro/culpa; erro/punição. Ao defendermos os direitos fundamentais de crianças e adolescentes, ousamos acreditar no ser humano, apostar na humanidade do ser. É imprescindível fazer chegar aos explorados e silenciados da nossa sociedade um discurso comprometido com a efetiva e imprescindível transformação, o que importa difundir a  produção de um saber que só tem sua razão de existir,  se cumprir com a sua função social, de não apenas alertar, criticar, mas de se comprometer, de propor uma nova e diferenciada prática, com vistas às efetivas mudanças na tão cruel realidade da infância e adolescência brasileira.

O investimento na Educação como um dos meios solucionadores da complexa questão dos adolescentes autores de ato infracional, como concreto meio de intervenção, a fim de que se consiga a tão desejada inclusão social, talvez possa parecer a maior utopia do nosso contexto histórico. Mas essa visão resulta no fato de compreendermos a Educação como um efetivo instrumento de transformação, de autonomia. Para tanto, precisamos por primeiro reelaborar urgentemente a forma como tem sido aplicada, e por conseguinte, reestruturar o âmbito escolar, pois aí sim a escola seria o lócus da alternatividade, da pluralidade, da construção de elementos éticos. Devemos isso às nossas crianças e adolescentes, cujas vozes se fazem ouvir somente quando representam uma ameaça, e esta suposta ameaça é o modo que possuem para manifestarem o seu grito de socorro.

Mantê-los excluídos ou enjaulá-los não irá solucionar esse problema. Muito menos adotar para com eles atitudes paternalistas, impondo-os, mais uma vez, a condição de objetos e não de sujeitos de direitos

Torna-se urgente viabilizar o acesso dessas crianças e adolescentes a uma educação libertadora, inclusiva, com efetivas condições de promover a formação de sujeitos autônomos, enfim, de cidadãos. E aqui não se trata de uma escola sistematizada sobre os padrões tradicionais. Trata-se de uma escola dinâmica, atrativa, que os conduza a um saber aplicável e produtivo. Trata-se de um ambiente capaz de atraí-los, capaz de promover uma automotivação constante que os eleve à postura de verdadeiros indivíduos que são, cidadãos responsáveis pela sociedade em que estão ou deveriam estar incluídos.

Em paralelo, faz-se necessário e imprescindível, em se tratando de adolescente institucionalizado, o acompanhamento de equipe interdisciplinar, a fim de garantir-lhe o apoio de que necessita para uma (re)elaboração dessa aprendizagem. E aqui, vale lembrar, que concebemos a aprendizagem como processo de conscientização, isto é, construção de conhecimento, jamais desvinculada da mudança de comportamento.

Portanto, as medidas socioeducativas somente serão eficazes a partir do momento que contemplem um modelo pedagógico voltado para a educação cidadã.

Educar para cidadania é, primordialmente, garantir o direito à educação. Esse direito é assegurado na Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Assim, não se pode afirmar que a legislação brasileira seja omissa no que se refere à garantia do direito à educação em virtude dos diversos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que tratam da matéria.

A aplicabilidade do direito à educação, constitucionalmente garantido, demonstra se existe no País a consciência de que a cidadania somente se constrói através de uma educação que vise a formação integral do ser humano, que seja de qualidade, e que a ela todos tenham acesso.

Cidadão é, por definição, todo aquele que tem seus direitos fundamentais protegidos e aplicados, ou seja, aquele que tem condições de atender a todas as suas necessidades básicas, sem as quais seria impossível viver, desenvolver-se e atualizar suas potencialidades enquanto ser humano; isto posto, pode-se dizer que cidadão é quem tem plenas condições de manter a sua própria dignidade.

Nesse contexto, é possível falar em crianças e adolescentes cidadãos sem nenhum receio, já que a esses seres humanos, em processo de desenvolvimento, devem ter garantidos e aplicados todos os direitos que lhes permitam manter a sua dignidade, de modo integral.

Entretanto, o que se observa é uma distância entre o dever ser e o ser, isto é, entre as normas jurídicas e os planos curriculares, estes, desenvolvidos pelos órgãos competentes, determinam de maneira clara como deveria ser estabelecida a educação no País e a prática educacional institucionalizada, a qual tem demonstrado a ineficácia dos dispositivos legais e a total falta de compromisso com uma educação voltada para a cidadania.

Entendemos que a melhor educação, assegurada pela Constituição Federal de 1988, é aquela voltada ao diálogo, à tolerância, ao respeito e à liberdade.

A educação para a liberdade somente poderá ser efetivada por meio do diálogo e da hierarquização dos valores intrínsecos à natureza humana, no sentido de permitir à criança e ao adolescente uma possibilidade real de atuar como protagonistas, na construção de sua condição especial de ser humano em desenvolvimento.

Nenhuma ação, nenhuma proposta que se situa como educacional poderá pautar-se em medidas punitivas. A punição[3] não forma o ser humano, antes, deforma-o. A garantia de espaços pedagógicos cúmplices com a ideia e vivência da liberdade é o caminho apropriado para a consolidação de crianças e adolescentes responsáveis, que a seu modo, com suas fantasias, brinquedos e criatividade, empenhar-se-ão na construção de um mundo melhor, não punitivo, mas solidário.

 

Notas e referências

VERONESE, Josiane Rose Petry. Das sombras à luz: o reconhecimento da criança e adolescente como sujeitos de direitos. Rio de Janeiro: Lumen Jurís, 2021.

VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito Penal Juvenil e Responsabilização Estatutária. Rio de Janeiro: Lumen Jurís, 2015.

VERONESE, Josiane Rose Petry. Tocata de uma alma: poemas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.

[1] VERONESE, Josiane Rose Petry. Tocata de uma alma: poemas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 85.

[2] Para um aprofundamento sobre esta questão cf. VERONESE, Josiane Rose Petry. Das sombras à luz: o reconhecimento da criança e adolescente como sujeitos de direitos. Rio de Janeiro: Lumen Jurís, 2021.

[3] Cf. VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito Penal Juvenil e Responsabilização Estatutária. Rio de Janeiro: Lumen Jurís, 2015.

 

 

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