Por uma interpretação democrática do Novo CPC

27/01/2016

Por Marcelo Ribeiro - 27/01/2016

Nas clássicas palavras de Carlos Maximiliano, a interpretação é definida como o exercício de busca pelo esclarecimento do verdadeiro significado de uma expressão. Para essa vertente ideológica, interpretar é buscar a verdadeira essência da lei, a fim de lhe identificar valores previamente consagrados no texto. Sobre o tema, Jose Eduardo Soares de Melo vai dizer que: “todo e qualquer aplicador do Direito (magistrado, autoridade pública, particular, etc.) deve, sempre, descobrir o real sentido da regra jurídica, apreender o seu significado e extensão”.

A insuficiência dessa postura hermenêutica, que trabalha com referenciais essencialistas, de há muito se revela insuficiente para a compreensão do Direito e seguramente não se coaduna com a proposta Novo Direito Processual.

É dizer:: o desprestígio da chamada interpretação literal, como critério isolado da exegese,

“é algo que dispensa meditações mais sérias, bastando arguir que, prevalecendo como método interpretativo do Direito, seríamos forçados a admitir que os meramente alfabetizados, quem sabe com o auxílio de um dicionário de tecnologia, estariam credenciados a descobrir as substancias das ordens legislativas, explicitando as proporções do significado da lei. O reconhecimento de tal possibilidade roubaria à Ciência do Direito todo o teor de suas conquistas, relegando o ensino universitário, ministrados nas faculdades, a um esforço inútil, sem expressão e sentido prático de existência.”.

Evidenciada, portanto, a superação do método literal de interpretação do Direito e a consequente busca pela essência do texto.

De outro lado, a evolução do pensamento científico na modernidade, altera a relação entre homem e coisa, suplantando a relação cognitiva da metafísica clássica (objeto – sujeito), para apresentá-lo como sujeito assujeitador. Dito de maneira mais simples: o indivíduo, nessa quadra da história, por meio da racionalidade, passa a atribuir sentidos aos textos por sua percepção individual de mundo, em movimento conhecido como filosofia da consciência.

Sobre as consequências práticas dessa vertente teórica na aplicação do Direito, observamos o conhecido julgado do Superior Tribunal de Justiça:

“Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for Ministro do superior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade da minha decisão. (...) Decido, porém, conforme a minha consciência. Precisamos estabelecer nossa autoridade intelectual, para que esta tribunal seja respeitado. É preciso consolidar o entendimento de que os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide assim, porque a maioria de seus integrantes pensa como esses Ministros. Esse é o pensamento do superior Tribunal de Justiça, e a doutrina que se amolde a ele(...) Ninguém, nos da lições. Não somos aprendizes de ninguém”.

Esta aparente liberdade(?) do intérprete para atribuir sentido aos textos jurídicos, ao que se pretende evidenciar, supostamente fortalece uma espécie de discricionariedade judicial, permitindo que juízes e promotores, diante dos princípios e garantias processuais previstos no Novo CPC, delimitem seus contornos semânticos em total desacordo com a tradição jurídica de nosso ordenamento.

Como a ordem jurídica assim produzida,

não oferece aos operadores do direito as condições para que se possam extrair de suas normas critérios constantes e precisos de interpretação, ela exige um trabalho interpretativo contínuo. E como seu sentido definitivo só pode ser estabelecido quando de sua aplicação num caso concreto, na pratica os juízes são obrigados a assumir um poder legislativo. Ou seja, ao aplicar as leis a casos concretos, eles terminam sendo seus coautores. Por isso, a tradicional divisão do trabalho jurídico no Estado de Direito é rompida pela incapacidade do Executivo e do Legislativo de formular leis claras e sem lacunas, de respeitas os princípios gerais do direito e de incorporar as inovações legais exigidas pela crescente transformação dos mercados. Isso propicia o aumento das possibilidades de escolha, decisão e controle oferecidas à promotoria e à magistratura, levando assim ao protagonismo judicial na política e na economia”.

A iminente aprovação CPC enfrentará, portanto, dificuldades de ordem prática para sua aplicação, vez se faz por um direito entrecortado por princípios de pouca consistência material, e lida com uma infinidade de possibilidades hermenêuticas das legislações.

Na ponta deste sistema de justiça, juízes e promotores são constantemente acusados de exorbitar o exercício de suas funções, ao argumento de que a interpretação e aplicação do texto não lhe confere legitimidade para o exercício legislativo.

De fato, texto e norma não se confundem. A percepção de sentidos no Estado Democrático de Direito, ao tempo em que não pode investir em essências, ainda hoje pontuadas por ideias de verdade real, real sentido da lei ou interpretação originaria; também não pode decorrer da subjetividade do intérprete. Do contrário, o projeto constitucional e dentro dele, as garantias processuais penais, podem ver comprometida sua efetividade pela discricionariedade judicial.

A necessária atualização das correntes hermenêuticas, em nosso entendimento, é fundamental para o exercício da democracia e para a concretização das garantias processuais. Por isto, consideramos a seguir, as influências da virada ontológico-linguística, a fim de se identificar como as garantias processuais penais vem sendo interpretadas pelos tribunais superiores.

A superação do esquema sujeito-objeto, ao que aqui já se pôde afirmar, traduz a invasão da filosofia pela linguagem, e resgata a facticidade no Direito, agora comprometido com a peculiaridade do caso em atrelado aos valores morais consubstanciados na carta constitucional. Mensurar essas escolhas, frequentemente apresentadas por meio de princípios e garantias, ao revés da subjetividade do intérprete, deve ser feito dentro de um contexto contemporâneo, a fim de que na identidade do caso prático, incida toda a dimensão normativa consolidada pela tradição jurídico-brasileira, e não apenas convicções individualistas.

Com efeito, a reintrodução dos princípios no texto constitucional e a refundação de um regime democrático, se fez pela eleição de fortes valores morais. Esta co-originalidade entre Direito e Moral, revela uma interconexão entre a comunidade política, suas escolhas, e a consequente referência hermenêutica para a interpretação dos princípios e garantias constitucionais. Esta moral, entretanto, para muito além das convicções do homem, se faz no espaço publico. É compartilhada pela comunidade política, e não por outro motivo, deve refletir e considerar a tradição e o contexto, quando da mensuração de seus limites semânticos.

Portanto, é preciso ter presente, desde já que no contexto do Constitucionalismo Contemporâneo os princípios assuem uma dimensão normativa de base. Vale dizer: não podem ais ser tidos como meros instrumentos para solucionar um problema derivado de uma lacuna na lei ou do ordenamento jurídico. Na verdade, em nosso contexto atual, os princípios constitucionais apresenta-se como constituidores da normatividade que emerge na concretude dos casos que devem ser resolvidos pelo judiciário. É esse o significado do profundo vinculo que existe entre decisão judicial e o conceito de principio.

Em suma: a percepção da norma, aqui entendida como o resultado da interpretação, não decorre de escolhas, albergando com isso múltiplos resultados para o caso concreto. Ao contrário, é consequência de uma pré-compreensão antecipada pela comunidade jurídica, que ao longo do tempo, vai sendo construída como Direito.


Notas e Referências:

Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e interpretação do Direito. 8 ed. Rio de Janeiro, Freitas bastos, 1965, p 13, 315 e segs. Melo, Jose Eduardo Soares de. Interpretação e integração da legislação tributária. São Paulo, Saraiva, 1993, p. 384 e segs. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo, Saraiva, 1985, p. 56. FARIA, José Eduardo. O sistema brasileiro de justiça: experiência recente e futuros desafios.  Estud. av. vol.18 no.51 SãoPaulo May/Aug. 2004.Disponívelnainternet:http://www.scielo.br/scielo.php?lng=en. Acesso em 12/07/2011 STRECK, Lenio Luiz. O que é isso – as garantias processuais penais,2. Ed, Livraria do advogado. Porto Alegre, 2014.  P. 10. Idem. P. 16.

Marcelo Ribeiro. Marcelo Ribeiro é Advogado. Graduado pela UFBA. Mestre e doutorando pela UNESA/RJ. Pesquisador acadêmico vinculado ao grupo DASEIN/Unisinos. Membro do IBDP e da Academia Brasileira de Direito Processual. Autor de obras jurídicas. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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