Por um Realismo Marginal Racial

18/10/2015

Por Luciano Góes - 18/10/2015

1. Situando o Problema Racial

“O matador mata sempre duas vezes – a segunda pelo silêncio” (Elie Wiesel – Prêmio Nobel da Paz em 1986)

Muito antes do desembarque em nossa margem do capitalismo tardio, e com ele dos conflitos entre classes sociais (aqui situamos o problema das Criminologias de base materialista, sendo, pois, também tardias, ignoram a história até esse momento), a questão racial já encontrava um enraizamento profundo que nos reporta para além do centro em direção à história não oficial da humanidade tendo em vista que a história é contada a partir do ponto de vista dos vencedores, quer dizer, dos exterminadores.

Para encontrarmos o epicentro do problema proposto, vale advertir que, mesmo sendo errôneo por um viés biológico, perante o qual deveríamos falar em etnias eis que a raça humana é una, politicamente é verdadeira e com consequências inequívocas, é dizer, “raça socialmente construída” [1], cuja concretude e efeitos não se pode ignorar, e por sua imprescindibilidade é colocada, aqui, como eixo principal por sua influência no caldo heterônomo que se consubstanciam as sociedades e seus controles sociais hierarquizados.

A construção do negro, se operou, de acordo com Carlos Moore, com a diversidade e variação fenotípica-melânica da população de pele negra que, no período Neolítico Superior (4 a 10 mil anos a. C.), representava a humanidade, por influência de fatores biológicos, climáticos e geológicos deu origem aos povos leucodérmicos (euro-asiático-semitas). Essa diferenciação promoveu uma “consciência grupal fenotipizada” resultando em grandes conflitos no encontro desses grupos, desencadeando a identificação racial-grupal a partir da negação da ancestralidade africana, ou seja, o negro, foi construído no exato momento em que deixou de sê-lo para ser amarelo e branco, criador/criatura do racismo que nasce naquele momento enquanto prática discriminatória. [2]

A genealogia do racismo nos remete há cerca de 1.500 anos a.C., como demonstra o Rig-Veda (Livro dos hinos), escrita aproximadamente entre 1.000 e 500 anos a.C.. Conforme o livro sagrado mais antigo do Hinduísmo, as tribos invasoras leucodérmicas (de pele clara, branca ou amarela) autodenominadas arri, ou ária (“gente da pele nobre”), designavam seus oponentes de dasyu (denominação coletiva para “negros”) ou anasha (“gente do nariz chato”) e a partir da identificação dos lados “[...] o Rig-Veda relata que Indra, suposto líder dos invasores arianos, logo transformado em semi-Deus, ordenou a seus súditos guerreiros de “destruir o dasyu” e “eliminar a pele negra da face da Terra”. [3]

Nas matrizes centrais greco-romanas a xenofobia estigmatizava qualquer “Outro” de “bárbaro”, mas o primitivo foi “descoberto” na África, sendo a posição inferiorizada de base racial-epidérmica encontrada no texto épico Ilíada, de Homero, que faz referências aos conflitos entre xantus (cor clara) e melantus (cor preta) e também no antigo tratado Fisiognomica de Aristóteles, que é “[...] racialmente determinista, fixando qualidades e defeitos morais do ser humano segundo critérios baseados puramente no fenótipo. Entre esses, ‘a cor demasiado negra é a marca dos covardes', enquanto 'a cor rosada naturalmente enuncia as boas disposições’." [4] É sobre o pilar racial que os saberes sobre o homem e a humanidade dos principais nomes da filosofia e literatura greco-romana, até hoje consideradas como “berço da civilização humana” e fonte do saber se estruturam.

Teoricamente, o estudo da questão racial se inicia com a tipologia (teoria dos tipos) como ensina Michael Banton, estruturada sob o aspecto da “linhagem" [5], que, no mundo ocidental foi amparado pela Bíblia Cristã, onde encontramos a maldição de Cam, um dos filhos de Noé, e com ela a “benção divina” para a escravidão africana.

De acordo com Léon Poliakov, foi na Península Ibérica, no século XVI, que grandes palavras-chave em termos raciais foram forjadas. Lá, a humanidade do índio foi proclamada (vinculando-os aos brancos a partir do termo “mestiço”), a primitividade do negro reconhecida (vinculando-os aos animais a partir do “mulato”, filhote de mula), e o conceito “raça” foi criado pela “antropologia das Luzes” que via no negro sua faceta mais degenerada. [6]

Outrossim, o racismo, enquanto prática ideológica que estrutura, projeta e fomenta instituições, valores e atos, coletivos e individuais, públicos ou privados, de caráter explicitamente excludente e violento não possui relação com “raça” que foi obra política com objetivos expansionistas (genocidas e exploratórios), consolidando a posição inferior do negro, construindo um contexto sociocultural, atemporal e aterritorial, onde a naturalização dessa inferiorização, resultante das relações raciais, tornou-a quase que acrítica.

O mundo burguês, estruturado no racismo e elevado à superioridade pelo saber científico antropológico, segundo Eric Hobsbawm, não necessitava de nenhuma comprovação da inferioridade negra “[...] porque, de fato, a ‘raça superior’ era superior pelo critério de sua própria sociedade: tecnologicamente mais avançada, militarmente mais poderosa, mais rica e mais ‘bem-sucedida’. O argumento era tão lisonjeiro quanto conveniente [...]." [7]

A conveniência desse pensamento racial, somente pode ser compreendida em termos de legitimação da dominação, uma vez que o discurso defensionista toma a forma de conservadorismo, já que o liberalismo não tinha nenhuma defesa lógica diante da igualdade e da democracia, portanto a barreira ilógica do racismo foi levantada: a própria ciência, o trunfo do liberalismo, podia provar que os homens não eram iguais. [8]

É sobre estes termos que o campo científico se desenvolve, ao endossar o racismo e com ele o eurocentrismo cria um novo paradigma, o racismo científico, que legitimou a posição do negro no mundo branco, incorporadas nas teorias antropológicas da “bestialidade” do negro africano difundido no centro e pulverizado no senso comum europeu pelos relatos de viagens, nas quais “[...] as primeiras explorações do ‘continente negro’ revelaram a existência, ao mesmo tempo, de tribos aborígenes e de hordas de grandes símios antropóides, e, entre uns e outros, os observadores não sabiam ou não queriam fazer a separação [...]”[9]

Edward Tyson (1650-1703) foi um dos pioneiros nesse trajeto e após uma observação meticulosa estabeleceu um indestrutível laço entre o homem e os símios, causando certa confusão inicial, ou antes, uma indiferenciação nada ingênua, pois qualificou o chimpanzé de “Pigmeu” e o Orangotango de “homem dos bosques” e sobre o homem negro, mais especificamente sobre a cor de sua pele, afirmava que “[...] ‘era devida a vasos particulares colocados entre a pele e a epiderme, e cheios de um licor negro’ acrescentando que ‘o clima podia alterar as glândulas e dar desta forma uma cor diferente’." [10]

O profundo acúmulo racista enraizado há muito no senso comum central, reformulado e relegitimado cientificamente também é pressuposto do Positivismo de Augusto Comte (1798 - 1857), que sobre a raça inferior nos fornece algumas “noções parciais” a partir da questão apresentada na lição 52 do Curso de Filosofia Positiva: “Por que a raça branca possui, de modo tão pronunciado, o privilégio efetivo do principal desenvolvimento social e porque a Europa tem sido o lugar essencial dessa civilização preponderante?”. Entre as razões da superioridade central, Comte estabelece que:

Sem dúvida já se percebe, quanto ao primeiro aspecto, na organização característica da raça branca, e sobretudo quanto ao aparelho cerebral, alguns germes positivos de sua superioridade real; embora os naturalistas estejam, hoje, muito longe de chegarem a um acordo a esse respeito. Igualmente, sob o segundo ponto de vista, pode-se entrever, de um modo um pouco mais satisfatório, diversas condições físicas, químicas e mesmo biológicas que certamente tiveram alguma influência sobre a eminente propriedade das regiões européias de servir até hoje de teatro essencial desta evolução preponderante da humanidade. [11]

A empiria de além-mar promoveu uma revolução com aportes científicos que buscou a superação dos discursos teológicos e metafísicos, mas, em termos de paradigma racial, se a cor da pele foi o principal fator, Kabengele Munanga ensina que no século XIX houve um incremento com fins de blindá-lo, reforçando a inferioridade desses “Outros” a partir de outras características, que remetiam ao fenótipo do negro (forma do nariz, dos lábios, do queixo, do crânio, o angulo facial, etc.), tudo para aperfeiçoar a classificação. [12]

Nesse norte, imperioso destacar também o racismo de Charles Darwin explícito em sua obra The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex, publicado em 1871 e fundante do darwinismo social ou teoria das raças, paradigma científico “da moda” ao ser aplicado em diversas áreas do conhecimento ao expressar a ideia de evolução rumo à perfectibilidade humana: o homem branco. Nas palavras do autor:

Não existe, contudo, nenhuma dúvida de que as várias raças, se comparadas e medidas com cuidado, diferem muito... uma da outra — como no tipo dos cabelos, nas proporções relativas de todas as partes do corpo, no volume dos pulmões, na forma e dimensão do crânio e assim também nas circunvoluções do cérebro... As raças diferem também na constituição, na aclimatação, na circunstância de serem suscetíveis a certas doenças. As suas características mentais são igualmente bastante distintas, em primeiro lugar pelo que poderia aparecer nas suas faculdades emocionais, mas em parte por suas faculdades intelectuais... Se um naturalista que antes nunca tivesse visto um negro, um hotentote, um australiano ou então um mongol devesse estabelecer um cotejo entre eles, imediatamente veria que diferem por uma multidão de caracteres, alguns de pouca importância, ao passo que outros de importância considerável. [13]

A “raciologia”, segundo Kabengele Munanga, forjada nos finais do século XVIII atravessou, se fortalecendo gradativamente, todo o século XIX chegando ao século XX quando conquistou muito espaço no âmbito sócio-político, ou vice-versa, haja vista que:

[...] tinha um conteúdo mais doutrinário do que científico, pois seu discurso serviu mais para justificar e legitimar os sistemas de dominação racial do que como explicação da variabilidade humana. Gradativamente, os conteúdos dessa doutrina chamada ciência, começaram a sair dos círculos intelectuais e acadêmicos para se difundir no tecido social das populações ocidentais dominantes. [14]

Nos termos apontados, o racismo como prática discriminatória e inferiorizante da raça negra é estrutural e estruturante do centro, onde foi relegitimada continuadamente. Cabe ressaltar que como palavra para designar essa postura, o termo racismo é produto do século XX como construção contra-hegemônica e luta política antirracial. [15]

2. Racismo Estrutural e o Genocídio nosso de cada dia

“Existe uma história do povo negro sem o Brasil; mas não existe uma historia do Brasil sem o povo negro”. (Januário Garcia).

Após a configuração da “Améfrica Ladina” [16] e nosso “descobrimento”, como Portugal não encontrou metais e pedras preciosas, seu interesse se deu, em um primeiro momento, na extração vegetal cuja mão de obra a ser explorada já se encontrava objetificada em suas colônias de exploração africanas de São Tomé e Cabo Verde: o escravo negro, que desde o século XV (1429) Bulas papais “santificaram” e determinaram ser de propriedade portuguesa, de forma exclusiva. Destarte, nosso racismo se legitimou primeiro na benção cristã formadora dos países ibéricos face às inúmeras invasões mouras e sua expulsão na Reconquista, um conflito entre o Islamismo e o Cristianismo, do negro vs. o branco onde a expulsão moura caracterizou não apenas a vitória, mas a superioridade branca europeia. [17]

Nesse norte, no início do século XVI quando os primeiros negros aqui foram desembarcados sua força de trabalho foi direcionada para a extração do pau-brasil que na Holanda foi utilizado na “correção” dos prisioneiros nas Rasp-huis, gênese do disciplinamento no sistema prisional. [18] O sistema aqui implantado possibilitou o desenvolvimento da produção de manufaturas e a acumulação de capital, financiando indiretamente a Revolução Industrial. Por outro lado, significou a fragmentação da África, a Diáspora negra, uma vez que as potências marítimas centrais seguiram a sombra portuguesa na ânsia de conquistar e explorar, através do trabalho de escravos negro, o “Novo Mundo”. [19]

Nossa singularidade racial se inicia com o maior, mais importante e mais duradouro sistema escravagista do mundo, foram mais de 370 anos de objetificação negra. Não há comparativos, em âmbito mundial, na quantidade, valor e variedade das riquezas provenientes da escravidão africana.

O Brasil introduziu em seu território, aproximadamente, 06 milhões de escravos [20], possuindo o recorde americano, 40% do total de negros sequestrados [21], e embora não exista consenso no número exato de escravos que chegaram ao Brasil, a quantidade estimada se refere aos negros que aqui chegaram vivos, um terço do total de negros feitos escravos, já que, um terço morreu na viagem até a costa africana e nos postos de embarque e o outro terço morreu durante a travessia oceânica ou no processo de aclimatação. [22]

O resultado do escravismo brasileiro é de aproximadamente 18 milhões de escravos negros, até 1850, quando, por repressão da marinha inglesa com sua política de expansão econômica apreendia e destruía navios tumbeiros, foi aprovada a lei Euzébio de Queiroz findando o comércio legal negreiro, que na verdade, já estava proibido desde 1831.

A ilicitude deu inicio imediato ao tráfico, eis que até a abolição, a velha “máquina de gastar gente" [23], ou quase gente, necessitava triturar a mesma carne mais barata de sempre, pois a “vida útil” de um escravo jovem ou de meia idade era de sete ou oito anos [24], o que resultou na entrada de um inimaginável contingente negro por portos ilegais espalhados ao longo da costa brasileira, incluindo Florianópolis, onde a presença e importância do negro foi (e ainda é) invizibilizada pelo “sonho civilizatório" [25], que possuía dois portos: um na Ilha do Campeche e outro na Praia da Armação da Lagoinha. [26]

Entretanto, o extermínio físico é somente uma faceta da aniquilação negra, pois, o comércio negreiro originou a ninguendade [27] do africano ainda na mãe África ao ser obrigado a rodear a “Árvore do Esquecimento" [28], processo continuado nos navios tumbeiros, fomentado pelo medo branco que extinguia o “Ser Negro” a partir do medo branco de revolta negra que demandava a separação minuciosa, nos navios tumbeiros, das “coisas” de mesma origem, impedindo sua comunicação em um movimento dinâmico inicial de exclusão no mesmo momento em que promovia a metamorfose daquela heterogeneidade africana em escravos-negros. [29]

Diante da ameaça negra e objetivando a manutenção de uma sociedade racialmente estruturada, foi criada a Lei da Terra (Lei nº 601/1850, ainda em vigor), com clara intenção protecionista, definindo que as terras ainda não ocupadas passavam a ser propriedades do Estado e as já ocupadas podiam ser regularizadas como propriedade privada, garantindo os interesses da elite e aniquilando a possibilidade de ocupação de terras pelos negros livres.

Com a produção de açúcar pela Holanda, fez-se imperioso a “importação” de mão de obra qualificada para produção de café, onde “a imigração passou a ser amplamente subsidiada e estimulada, os gastos com transportes e com a instalação eram financiados pelo Governo, que chegava até a promover obras para poder oferecer trabalho aos estrangeiros”[30]

Nesses termos, a manutenção do escravo e a própria existência do negro passaram a ser considerados obstáculos ao desenvolvimento e progresso da nação, fundamentando não apenas a ideia de que o imigrante europeu seria mais preparado tecnicamente para o trabalho e sua inserção em solo brasileiro, mas também a necessidade de branquear o país, em decorrência do grande número de negros, livres e cativos, brevemente postos em “liberdade”. Desta ótica, a Lei da Terra cumpria papel importante e fundamental, sendo concebida como um projeto embrionário de branqueamento da nação, pois, em seu art. 18 estabelecia:

O Governo fica autorizado a mandar vir annualmente á custa do Thesouro certo numero de colonos livres para serem empregados, pelo tempo que for marcado, em estabelecimentos agricolas, ou nos trabalhos dirigidos pela Administração publica, ou na formação de colonias nos logares em que estas mais convierem; tomando anticipadamente as medidas necessarias para que taes colonos achem emprego logo que desembarcarem. [sic]

Essa era a conjuntura política do Brasil imperial: pressão externa, lucratividade do comércio do café, necessidade econômica urgente de mão de obra europeia e a urgência em “branquear” o país. A abolição do regime escravocrata não tardaria muito mais e sem o apoio dos escravagistas, o Império também se findaria.

Fundamentado no iluminismo o Movimento Abolicionista brasileiro ganha força especialmente depois da Guerra do Paraguai (1864 – 1870), quando milhares de negros foram liberados das fazendas para servir ao exército sob a promessa de que se retornassem vivos seriam livres [31], sendo enviados ao combate por seus senhores em troca de títulos de nobreza [32] ou substituindo seus filhos, mas em verdade, foram utilizados como “bucha de canhão” em uma cilada genocida, já que a guerra serviu primordialmente aos interesses da elite branca para desnegrecer o país, exterminando 60% da população negra nos quinze anos próximos à guerra, entre os anos de 1860 e 1875, enquanto que a população branca cresceu 1,7 vezes. [33]

Assim, o projeto branqueador se torna uma das bandeiras do movimento que tinha o caráter emancipatório não apenas do negro, mas de toda sociedade, ou seja, um movimento que delimitava a mudança ao modo de produção, enquanto garantia a manutenção da ordem racialmente estruturada, com a valorização do trabalho manual, máquinas e industrialização do país para seu desenvolvimento e progresso gradual, sem uma política socioeconômica.

Nestes termos, o abolicionismo foi, de fato, um instrumento de controle racial velado sob o brado libertário, limitando ao mínimo sua extensão com leis protecionistas, reduzindo ao máximo os riscos de uma transição do escravismo para uma república excludente. Um projeto esquadrinhado ao longo de 65 anos, traçado via inúmeras “leis para inglês ver” para uma abolição puramente formal, profundamente falsa e iminente pela pressão exterior.

O dia 14 de maio, quando a questão social encontra a racial, marca um momento de convergência entre a teoria liberal e a prática racista que preparou o país para o inevitável conflito entre o branco e o negro em um mundo que foi construído para tratá-lo como um inumano, como lembra Abdias do Nascimento. [34]

Em 28 de junho de 1890, o governo provisório fortalece o branqueamento ao promulgar o Decreto nº 528, que impedia a entrada de negros e “amarelos”. Entretanto, considerando o número de japoneses que chegaram ao Brasil desde 1908, a proibição de fato se restringiu aos africanos. Nesse período, foi adotada outra medida integrante do projeto de branqueamento e regeneração racial: a política de “retorno à África”. [35]

3. O Controle Racial no Pós-Abolição: nosso Apartheid (mal) mascarado e as novas legitimações para o velho racismo

“A abolição teve um significado legal, o mundo dos brancos perpetuou-se como realidade contrastante ao mundo dos negros. Este continuou a existir a margem da história, sofrendo a degradação crescente da condição de espoliado, dos efeitos desintegrativos da dominação e o impacto desorteador das pressões da ordem social competitiva.” (Florestan Fernandes - A Integração do Negro na Sociedade de Classes)

Em um mundo desmoronando, imprescindível um discurso que reforçasse seus pilares estruturais. Essa era a realidade do Brasil no pós-abolição, uma nação estruturada sobre o racismo à procura de uma nova legitimação que mantivesse o status quo racial- hierárquico. Essa nova legitimação ideológica viria pelas mãos da sciencia.

Com a abolição, cerca de sete milhões de negros [36], sem qualquer auxílio ou política governamental foi lançada no mundo, expulsos das zonas rurais e excluídos nas zonas urbanas, muitos preferiram continuar nas fazendas onde ao menos tinham abrigo e comida. Começa, assim, entre cortiços e zungus [37], o processo de favelização das grandes cidades, a modernização das senzalas agora a céu aberto, tornando-se o “lugar do negro" [38] onde seriam controlados e monitorados, já que o negro não podia penetrar nos lugares do branco sem fazer soar o (eterno) alarme do “elemento suspeito”, construído pelo estranhamento que demanda a imediata abordagem policial ao “desorganizador” dos espaços pré-determinados.

A relação margem-centro se redimensionou em morro-cidade mantenedora da ordem. Lá no morro, o negro podia desfrutar de “toda sua liberdade” e do nada (ou quase nada) que conseguia para sobreviver, que incluía a (re)construção de sua identidade a partir de espectros culturais e de instrumentos de resistência e de luta, como o samba, a capoeira, as religiões de matrizes africanas, etc..

Nessa condição, a naturalização da ignorância e submissão são resultados da violência desses locais geopoliticamente planejados, onde se esperou que as doenças causadas pela completa inexistência de condições de vida exterminassem os indesejados. Uma zona de exclusão e pobreza que o Estado não apenas ignorou, mas promoveu com fins higienistas, até agora, quando após o total descaso histórico, sobe as vielas “sorrindo” impondo a “pacificação”, demonstrando que o único direito dessa “quase gente” é ser violentada.

Após as insurreições negras, principalmente Palmares (1580-1716), Revolução Haitiana (1791-1804) e Revolta dos Malês, na Bahia, em 1835 (portadora da “assombração” democrática muçulmana que possuía no Corão um potencial libertador, identitário, reunificador e alfabetizador em uma época na qual a sociedade branca era predominantemente analfabeta) [39], agregado à dimensão que o problema negro representava, a ideia de uma nova insurreição concretiza e personifica no negro o medo abstrato que preocupava a elite branca.

Esse medo foi responsável pela criminalização de toda e qualquer manifestação que permitisse a reunião dos negros (vadiagem, capoeira, samba, terreiros de candomblé e umbanda, etc.), o fantasma negro que sempre perturbou os sonhos dourados da sociedade branca. Dentre seus fundamentos, encontramos a violência atávica do negro, originária de sua primitividade  potencializada pelo álcool e pela maconha (“fumo de negro”) [40], introduzida no país, de acordo com documento oficial de 1959 do Ministério das Relações Exteriores brasileiro [41], pelos escravos que trouxeram sementes da planta escondidas nas Abayomis. [42]

4. Racismo Criminológico: nosso controle marginal-racial

Defendendo o olhar marginal, Zaffaroni assinala que aqui não é o modelo benthamiano que caracteriza o controle social, mas sim o lombrosiano [43], nosso primeiro “apartheid criminológico” explícito pela prática genocida-racial. [44] Isto por que, aqui, não houve o disciplinamento para as fábricas, a disciplina na periferia foi conseguida sempre por meio de agressões físicas explícitas e mortes, instrumentos indispensáveis para o alcance de seu objetivo: a domesticação do corpo pela violência direta, ou indiretamente pelo medo.

A tradução infiel (“traduttore traditore”) desse modelo em nossa margem, fruto do caráter interpretativo, inventivo, criativo e seletivo com vistas a sua funcionalidade, “metamórfica” segundo Máximo Sozzo, [45] se deve exatamente ao seu viés racista, exposto em L’uomo bianco e l’uomo do colore: letture sull’origine e la varietà delle razze umane, de 1871, onde Lombroso traça a evolução humana a partir dos primatas, sendo os negros o elo perdido entre aqueles e o branco, o ápice evolutivo, que manteria, pelo atavismo ou hereditariedade, a inferioridade, a primitividade e a impulsividade.

Embasado nesse saber racial, Lombroso publica, em 1876,  L’Umo Delinquente, obra que lhe deu notoriedade mundial na qual seu racismo se encontra pulverizado (o que não significa dizer que não é explícito), criando o estereótipo que vinculou o negro ao criminoso nato e possibilitou a criminalização de uma minoria “anormal”,  inculcando o medo que se expandiu pelo mundo necessitado de “ordem”. Mesmo em descrédito no Centro, pelas fortes críticas que não afetaram seu paradigma racial, suas ideias foram traduzidas (não por coincidência ou obra do acaso) no Brasil exatamente no contexto pós-abolição, um cenário onde a questão racial estava imbricada com o desenvolvimento e progresso nacional.

Nesse período, os rumos que o país deveria seguir foram colocados nas mãos dos “homens de sciencia”, responsáveis também pela construção de uma nova imagem do Brasil no estrangeiro e pela diferenciação perante os demais países latino-americanos, objetivos que passavam pela aproximação com o Centro onde nossa elite ilustrada iria se inspirar, primeiro aderindo à moda e depois produzindo e praticando ciência. [46]

Representante legítimo dessa elite marginal, Raimundo Nina Rodrigues (apontado como discípulo de Lombroso e filho de dono de escravos), traduz a teoria lombrosiana resgatando sua matriz racista, reforçada e potencializada pelo ecletismo teórico-racial central, substituindo o estereótipo central (perante o qual poderia ser identificado como criminoso, pois mestiço) pelo fenótipo negro e defendendo a manutenção da ordem racial escravagista no interior do quadro teórico liberal da jovem República, se destacando pelo comprometimento e dedicação ao problema central do país: a inferioridade do negro e sua descendência, obstáculos ao desenvolvimento do Brasil, cuja solução, para ele, seria a arianização.

Apontando os erros da adoção dos pressupostos do Classicismo no Brasil em As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil, de 1894, onde a inferioridade de uma maioria, inversamente do contexto central, excluiria o livre arbítrio e consigo a responsabilidade penal dos negros e mestiços, entre outros equívocos ignorados perante as provas “científicas”, Nina Rodrigues esboça um apartheid brasileiro.

Ao contrário da Europa (que implementou políticas eugênicas), o Brasil vivia intensamente o medo da “africanização" [47] e mestiçagem que já tomara conta de certas regiões do país, sendo compreendida aqui “[...] de forma ambígua: apesar de temida, nela se encontrava a saída controlada [...]”[48] Era a ideia da “boa miscigenação”, uma interpretação singular em relação ao centro, marco de um saber à brasileira onde o discurso mimético e pessimista defendido por Nina Rodrigues restou vencido e não implementado.

Porém, se não conseguiu influenciar as políticas públicas para a arianização (sonho impossível da elite que a substituiu pelo clareamento, ou melhor, a desafricanização), Nina Rodrigues nos mostra como o racismo atravess(a)ou ileso toda a história do país, tangenciando todas as transições das ordens sociais, pois é exatamente na prática que a ordem racial é mantida, não arranhando sequer a superficialidade dos discursos teóricos.

Em sua obra “Os africanos no Brasil” publicada em 1933, vinte e sete anos após sua morte, é representativo como o negro é situado no século XX, elevado a principal problema nacional, o negro incorpora uma esfinge e lança seu enigma: “decifra-me ou devoro-te”. O fracasso do extermínio negro aliado ao medo branco da africanização impulsiona Nina Rodrigues a rever e corrigir sua tese, ou antes, adotar a estratégia de fortalecer seu paradigma racial/etiológico mantendo seu modelo de apartheid modelando-os consoante a política de extermínio silencioso do negro em desenvolvimento no país, a aliança ao controle racial brasileiro no melhor estilo “se não pode com seu inimigo, junte-se a ele”.

Nesses termos, a posição assimilacionista, muito distinta de seu racismo radical e pessimista, é estabelecida pelo próprio Nina Rodrigues: “o problema ‘o Negro’ no Brasil tem, de fato, feições múltiplas: uma do passado, — estudo dos negos africanos que colonizaram o país; outra do presente: — Negros crioulos, Brancos e Mestiços; a última, do futuro: — Mestiços e Brancos crioulos." [49]

Marca de seu comprometimento científico, Nina Rodrigues sempre observou a diversidade do mundo negro e a necessidade de considerar as especificidades nacionais nas pesquisas científicas. Assim, discriminando os diversos matizes africanos, formadores da nação “[...] acreditava que ao julgá-los separadamente, discriminando as suas capacidades relativas de civilização e progresso, no sangue negro poder-se-ia encontrar algumas das nossas virtudes e muitos dos nossos defeitos." [50]

Essa discriminação e conhecimento mais aprofundado, fez com que Nina Rodrigues nutrisse certo respeito, valorização e reconhecimento em relação à raça negra em sua heterogeneidade, uma “relativização” estratégica que adequou seu racismo à política assimilacionista, dotando certos povos africanos de qualidades brancas, considerados, portanto e a partir de então, superiores dentre os inferiores, mais próximos da raça branca.

Ao especificar os povos africanos e as características ontológicas de cada nação, Nina Rodrigues acaba por hierarquizar os negros, a partir do aspecto religioso, como a exemplo dos Haussás (malês), negros que desenvolveram relações comerciais e monoteístas (muçulmanos), se distinguindo, portanto, em seu estágio de desenvolvimento mental, dos demais africanos fetichistas. Em outras palavras, nem todo negro seria um negro, as variações no fenótipo e aspectos culturais possibilitavam um branqueamento, se não demonstrado fisicamente ao menos na alma. Dividir para conquistar, essa era a tática!.

A “tradução” do paradigma racial-etiológico lombrosiano denota que o racismo é nossa face oculta da guerra contra as drogas, pois, desde sua gênese (iniciada pelo médico Rodrigues Dória, adepto do lombrosianismo, com seu estudo “Os fumadores de maconha: efeitos e males do vício” de 1915), é um instrumento genocida criado em 1932 com a primeira lei proibitiva que combatia não a periculosidade toxicológica, mas seus usuários: os negros, pelo seu caráter religioso, curativo ou por seu simples uso como fuga de um mundo real de extrema violência (tal qual o uso do álcool), no qual a sobrevivência era quase insuportável.

Uma nova legitimação para o velho extermínio impulsionado pelo medo branco que estampava a criminalização do “fumo de negro” e sua consolidação como instrumento de controle racial, pois “[...] além de prejudicar a formação de uma República moralmente exemplar, poderia se disseminar entre as camadas ditas saudáveis – leia-se brancas – e arruinar de vez o projeto de uma nação civilizada." [51] Considerando seu caráter curativo, atrelado ao combate aos curandeiros, pais e mães de santo (representantes da “magia negra”), sua proibição se deve ao “hibridismo quase incestuoso" [52] do saber médico (legitimado como salvacionista nacional e único saber verdadeiro) com o Estado, imbuídos e norteados pelo racismo que orientou(a) a limpeza social com políticas higienistas e sanitaristas a serviço daquela macro-política de branqueamento nacional.

O paradigma racista/etiológico foi indispensável para a manutenção da ordem racial de uma sociedade periférica e mestiça, vista internacionalmente como “totalmente mulata, viciada no sangue e no espírito e assustadoramente feia” nas palavras de Gobineau [53], emoldurada pelos padrões de “civilidade” e “beleza” centrais em um momento em que o medo da “africanização” se tornou insuportável. Uma política orientada para o extermínio do gene negro, um instrumento imprescindível no pós-abolição como controle racial dos não-brancos brasileiros, protegendo os brancos não-europeus (mas que assim desejavam ser).

Neste termos, se a abolição da escravatura brasileira representava uma igualdade que não ilumina(va) os negros, que somente eram (são) cidadãos perante o Direito Penal mantendo uma “dualidade perversa" [54], a Criminologia Positivista forneceu a legitimidade científica para sua desigualdade e criminalização, mantendo a subjugação, os açoites e o genocídio que acorrentam os negros a novos grilhões, sempre forjados pelo racismo.

5. A Assimilação Racial: enfim, o sucesso da política genocida branqueadora!

“O racista numa cultura com racismo é por esta razão normal. Ele atingiu a perfeita harmonia entre relações econômicas e ideologia.” (Frantz Fanon – Toward the African Revolution)

A abolição da escravatura redefiniu nosso racismo, assumindo o preconceito de cor, originado e orientado pelo fenótipo, cujo objetivo era, e segue sendo, apenas um: o de deixar o negro em seu devido lugar. Essa redefinição foi consequência do fracasso das políticas genocidas das quais o negro “teimava” em sobreviver, sendo imprescindível, assim, a criação de um novo instrumento de controle racial/social: a assimilação racial (mais sutil, porém não menos cruel). A resposta às nossas especificidades raciais que gestou o mito da “democracia racial” que possui uma superficialidade facilmente percebida, pois apenas uma “raça” monopoliza “[...] todo o poder em todos os níveis político-econômico-sociais: o branco" [55].

A política assimilacionista formadora do “paraíso racial brasileiro” modelou não apenas o racismo brasileiro, que ganhou contornos específicos [56], mas inculcou nos negros e seus descendentes a “vergonha da negritude" [57] como uma proposta de facilitação (ou não) de ascensão social através da negação da ancestralidade e aceitação passiva de modelos comportamentais e estéticos da raça dominante, onde o fenótipo étnico negro, ao se distanciar do padrão Barbie, materializa o “estereótipo do mal" [58]. É Florestan Fernandes que nos chama a atenção para um outro sentimento provocado por essa política, agora na grande maioria dos brancos, que chamou de “preconceito de ter preconceito”, que tenta ocultar a discriminação racial, revelada apenas por poucos em excepcionais rompantes racistas. [59]

O sucesso desse instrumento é demonstrado pela Pesquisa nacional por amostra de domicílios (PNAD), realizada pelo IBGE em 1976, onde, ao responder a questão aberta sobre sua cor, o brasileiro forneceu 135 cores na tentativa de fugir do estigma racial. Pouquíssimos foram os que se autodeclararam negro ou algum outro termo semelhante. De igual modo, e pelos mesmos motivos, essa vergonha ocorre em nossa magistratura, segundo o Censo do Poder Judiciário realizado pelo CNJ (que já demonstra o racismo institucional, pois apenas 1,4% dos 16.812 juízes do Brasil se autodeclararam pretos), pois é preferível ser pardo [60] a assumir a sua negritude, posicionamento de 14% dos magistrados. Dito de modo claro é preferível ser considerado “sujo” ou “mulato” do que negro.

Entretanto, essa lógica não é recente, como leciona Frantz Fanon [61] ao colocar luz sobre o desejo incontido de todo colonizado tomar o lugar do colonizador, o escravo tomando a posição do senhor, sendo que o reconhecimento social e alcance do status de ser alguém (contraposição àquela ninguendade) passa(va) pela conquista do poder de objetificar, de modo absoluto, o apropriável cuja condição mais básica era o corpo negro, razão pela qual a violência do negro contra ele mesmo era condição de aceitação social. Lógica que nos permite compreender toda a objetificação permitida e natural(izada) sobre esses corpos desvalorizados, podem ser amarrados em postes (que retratam a saudade do tronco), arrastados no asfalto, alvos das balas nunca perdidas, etc.

Nosso racismo nada velado alcançou assim, com a política branqueadora assimilacionista (ainda em andamento, colocada em um plano inferior à “democracia racial” reforçada pelas propagandas tipo “somos todos mestiços” ou “no Brasil todos temos ao menos um pé na senzala”), o sucesso exterminador do negro (de sua negritude). É um genocídio articulado em uma dupla operacionalização como nos aponta Abdias do Nascimento: o branqueamento pela miscigenação e a imposição da cultura eurocêntrica, impedindo o negro de ser negro, de se reconhecer como tal, fato que não o impede de ser vítima do racismo.

Também encontramos essa lógica na “seleção policizante”, singularidade periférica cunhada por Eugenio Raúl Zaffaroni, pela qual as agências policiais recrutam seus operadores na mesma raça/classe de sua “clientela”, treinando e condicionando-os à criminalizar (menos) e executar (mais) seus “iguais” a partir da divisão maniqueísta apolítica que pulveriza o racismo no conflito “mocinhos” x “bandidos”, impossibilitando a conscientização e qualquer coalizão que impulsione o potencial identitário necessário a uma mobilização coletiva. É a modernização do capitão do mato do período escravagista.

Assim, o medo branco continua a evitar a todo o custo a conscientização da negritude, por isso o racismo no Brasil é sempre negado, transformado em tabu, cedendo espaço à “democracia racial”, modelo tipo exportação elogiado e utilizado como exemplo pela ONU, que explicita a assimilação e segrega tal qual o apartheid sul-africano (muito bem representado aqui pelas respostas aos “rolezinhos” ou pelas blitz da polícia carioca aos ônibus provenientes da periferia), que “[...] só concebe aos negros um único ‘privilégio’: aquele de se tornarem brancos, por dentro e por fora”[62]

Esse é o posicionamento também de Darcy Ribeiro que vê no apartheid ou no racismo declarado estadunidense algumas vantagens,  eis que esse “paraíso racial” é um golpe político que impede e dissolve a identidade coletiva, despolitizando o negro brasileiro, pois “o aspecto mais perverso do racismo assimilacionista é que ele dá de si uma imagem de maior sociabilidade, quando, de fato, desarma o negro para lutar contra a pobreza que lhe é imposta, e dissimula as condições de terrível violência a que é submetido”[63]

6. O Genocídio nosso de cada (e de todos os) dia(s): o negro e as marcas do sistema penal subterrâneo

“O interrogatório é muito fácil de fazer/pega o favelado e dá porrada até doer.

O interrogatório é muito fácil de acabar/pega o bandido e dá porrada até matar. [...]

Bandido favelado não se varre com vassoura/se varre com granada com fuzil, metralhadora.” (Gritos de guerra do BOPE carioca)

Desde a diáspora africana o extermínio negro é uma permanência em nossa margem, um projeto político genocida que coloca o negro sempre em cena, como vilão principal, mas nega o racismo como cenário [64], uma situação que atravessa todos os sistemas penais identificados por Nilo Batista [65] explícito e representativo hodiernamente no continuum do Direito penal escravagista-doméstico [66], marca de nosso “Ornitorrinco punitivo" [67], que ainda tenta contabilizar os corpos daquela cifra negra [68], seguindo a marcha fúnebre alocada como epígrafe, cantarolada a pleno pulmões pelos “defensores da ordem e da saúde pública”.

A “guerra contra as drogas” conferiu uma nova “legitimação” ao genocídio negro nunca interrompido, uma estratégia política para nos deixar na vanguarda punitiva, pois o inimigo interno sempre foi o mesmo, a diferença é que hodiernamente a política de guerra é explícita, com o extermínio desde a priori legitimado. Um campo fértil para a proliferação e renovação do “fantasma negro” encarnado pelo demônio a ser exorcizado em cada e toda esquina periférica: o traficante desenhado por Vera Malaguti Batista [69], cujo cinismo e orgulho afronta os “cidadãos de bem”, devendo ser exterminado pela cruzada civilizatória cotidiana que sobe as favelas brasileiras (nosso campo de batalha de sempre) impulsionada pela dinâmica racismo/genocídio, um sintoma da barbárie transvestida de civilização. [70]

O sucesso dessa guerra racial não se observa pelos lucros, mas pelos desaparecidos e mortos, diretos ou indiretos, sendo que em ambos é o Poder Executivo (no pior sentido da palavra) a agência responsável, atuando na ilegalidade (desaparecimentos, torturas e mortes diretas que formam a cifra oculta das violências policiais), no início da criminalização secundária (se os “suspeitos” tiverem a sorte de não serem mortos sumariamente) e no cumprimento da sentença (morte indireta no interior do cárcere).

Seguindo os dados dos homicídios no Brasil entre 2002 e 2011, Julio Jacobo Waiselfisz demonstra que em relação aos brancos há uma queda gradativa de 41% em 2002 para 28,2% em 2011. Em contrapartida, o genocídio negro se apresenta em uma escalada de 58,6% em 2002 para 71,4% em 2011, ou seja, “[...] a vitimização negra passa de 42,9% em 2002 – nesse ano morrem proporcionalmente 42,9% mais vítimas negras que brancas – para 153,4% em 2011, em um crescimento contínuo, ano a ano, dessa vitimização”. [71]

Em nosso Direito Penal declarado a programação racial é demonstrada pelos dados oficiais que expõem sua “clientela": os negros (pretos e pardos) representam, até junho de 2014, 67% da 4ª maior população encarcerada do mundo, o que significa que dois em cada três presos são negros. [72]

O sucesso do nosso “Direito Penal Paralelo”, outrora identificado por Lola Aniyar de Castro como “subterrâneo" [73], mas que há muito deixou de sê-lo pois seu resultado é produzido à luz do dia para quem quiser enxergar, um dos que mais mata no mundo, é representado pela postura policial racista responsável, em 2013, pela morte de 2.190 pessoas, sendo que quase 70% dessas mortes são de jovens negros, vítimas do racismo institucional que continua (des)velado, sendo 30,5 mais vezes vítimas de homicídios/extermínio do que os brancos [74]. Em 2015, chegamos a marca de 82 corpos negros “triturados” diariamente [75], a mesma carne mais barata de sempre que segue sendo empilhada.

Dito de outro modo e mais claramente, se para os brancos a presença policial significa segurança, para os negros é completamente ao contrário, representando risco de vida, pois, esse “Direito Penal paralelo”, cuja única limitação é a territorial, exerce suas práticas (punições corporais, torturas e mortes sumárias) por dentro de todos os quadros teóricos, onde a cruzada racial não declarada é a mesma desde a construção da corporação, mantendo-se ilesa e fiel às suas origens, já que a função da Guarda Real de Polícia, no início do século XIX, era manter a ordem com as “Ceias de Camarão" [76] substituídas pelo extermínio, sendo que seu poder arbitrário e incontrolável se movimenta pela “invisibilidade estatal” utilizando como regra a execução, fator básico da cifra negra naturalizada, sempre crescente e quase nunca questionada pois tangente à legalidade que incorporada pela “defesa social” endossa seus atos.

Conclusão

Percorrendo o fio condutor histórico observamos que racismo e genocídio racial são nossas bases estruturais, dois lados da mesma moeda forjada pela exclusão dos indesejados para quem a violência estatal e o projeto político de extermínio foram direcionados, impulsionados e naturalizados, a ponto de se tornarem quase imperceptíveis pela raça/classe dominante que reconhece mais de 370 anos de sequestros e objetificações, mas nega a existência do racismo, de suas consequências, dos conflitos raciais, de sua importância como fator determinante na construção do país, da sua programação em relação às agências de controle racial-social e da sua importância enquanto instrumento de identificação, orgulho e organização política coletiva que transformou, ao longo dos anos, o status de coisa que representava o conceito de raça negra em fator de empoderamento.

A historicidade racial demonstra a herança composta pela miséria, subempregos, submoradias e subjugação, marcadas a ferro em, aproximadamente, 53,1% da população brasileira [77], considerada sub-humana sempre a serviço dos “sinhôs”, resultados de um projeto eficaz de desarme político da população negra, garantindo o sucesso do genocídio identitário, caracterizado pelo controle racial assimilacionista após o fracasso da arianização.

O conto do “país das maravilhas raciais” também seduz(iu) os criminólogos brasileiros, salvo raríssimas exceções, que se limitam a criticar o controle social e a explícita e programática seletividade, identificando facilmente nossa “clientela” penal, enquanto mantêm nosso racismo inominável, negando o problema racial radical(izado). Assim, diluindo a questão racial em conflitos de classes oriundos de um capitalismo tardio que só encontrou a questão racial após quase quatro séculos, reforçam e (re)legitimam nosso racismo e seu processo genocida assimilacionista e despolitizante, observados pela manutenção do uso indiscriminado, (in)consciente e rotineiro de termos como “cifra negra”, seletividade penal (e não racial), em controle social (e não racial) e em ordem social (e não racial).

A ignorância ou “desatenção” de nossa realidade racial, uma postura de negação de sua marginalidade e dependência central denunciada por Rosa Del Olmo, Lola Aniyar de Castro, Vera Andrade, Vera Malguti, Zaffaroni, Máximo Sozzo, dentre outros, mantém a antiga tradição de “traduzir” as teorias centrais no marco de seu ecletismo, desconsiderando em suas críticas nossas especificidades, uma postura iludida sobre um falso universalismo.

Inseridos, nessa condição, na questão racial brasileira, apontamos para uma verdadeira esquizofrenia racial que ignora nossas tensões e conflitos raciais, naturalizando, desde a priori, a dominação e hegemonia branca, um profundo déficit racial indicado por Paul Amar como “cegueira” que atinge nossa “elite crítica” que, além de não evidenciar o racismo dos autores centrais estudados, tornados “clássicos”, em detrimento dos autores nacionais, “aceitam sem questionar as neutralizações, mascaramentos ou deslocamentos institucionalizados de raça para outra categoria de identidade social." [78]

Outrossim, tocar nessa ferida exposta, ocasionada pelos grilhões presentes e reforçados constantemente, é invocar os demônios que perturbam os lindos sonhos encantados da raça/classe dominante, um fantasma que não deve ser nomeado sob pena de se materializar em sopros emancipatórios e revolucionários decorrentes da conscientização coletiva coalizadora, outrora incorporado pelas insurreições negras.

Em nossa margem, devemos expor nosso realismo racial e com ele nosso racismo mal mascarado, reformulando conceitos e abrindo caminho para o seu (re)conhecimento como processo político genocida histórico e atemporal que transforma àquela mãe gentil (de poucos) em uma madrasta cruel (para a maioria), para qual “raça” é um fator exterminante e criminalizante, tornando-o em projeto político identitário e de conscientização da negritude, uma posição contra-hegemônica que traz consigo o impulso transformador de todos os instrumentos e agências do controle racial/social que formam nossa sociedade para concretizar àquelas velhas promessas do ilusório abolicionismo escravocrata.

Uma luta a muito travada que não se circunscreve à população negra, pois impulsionada pela utopia de uma novel sociedade (ou resgate das raízes fragmentadas), busca a construção de seus pilares em termos inclusivos, irrestritos. Não defendemos, assim, por óbvio, uma revolução racial segregacionista no melhor estilo apartheid às avessas, muito ao contrário, pois uma postura marginal e decolonizadora se embasa na procura e retomada da identidade e ancestralidade negadas aos negros brasileiros desde sua ninguendade, explicitada no paradoxo do negro brasileiro: trazer a marca do escravizado à flor da pele enquanto carregam, em seu sobrenome, a “herança” do escravizador.

Com vistas à superação dos ismos que nos fundamentam, partimos da conscientização racial e racista em busca de soluções não apenas do problema racial brasileiro, somente encarado em termos genocidas, mas para a construção de uma nova sociedade que não fundada em um pacto que é sempre excludente como leciona Alessandro Baratta [79] ao defender um Estado mestiço, que ultrapasse os estreitos limites centrais sempre racializados, onde não encontraremos nenhuma resposta que não aquela orientação à construção, identificação e imediato extermínio do “Outro”.

Mesmo conscientes das limitações, mantemos a tradição transplantada em nossa margem colonizada de colocar o Estado sempre como protagonista, tal qual àquele “marinheiro bêbado” que nos fala Joaquín Herrera Flores [80], que procura sua carteira perdida sob a luz de um poste mesmo sabendo que ela ali não estava sob o argumento de que era o único lugar que podia enxergar.


Notas e Referências: 

[1] NASCIMENTO, Elisa Larkin. O tempo dos povos africanos: suplemento didático da linha do tempo dos povos africanos. IPEAFRO - SECAD/MEC - UNESCO, 2007, p. 13.

[2] MOORE, Carlos. Racismo e sociedade: novas bases epistemológicas para entender o racismo. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2007, p. 257-258.

[3] Ibid., p. 51.

[4] Ibid., p. 56.

[5] BANTON, Michael. A ideia de raça. Lisboa: Edições 70, 1977, p. 16.

[6] POLIAKOV, Léon. O Mito Ariano: Ensaio sobre as fontes do racismo e dos nacionalismos. São Paulo: Perspectiva, Ed. da Universidade de São Paulo, 1974, p. 110-111.

[7] HOBSBAWM, Eric. A era do capital: 1848-1875. Tradução de Luciano Costa Neto.  3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 272.

[8] Ibid., p. 273.

[9] POLIAKOV, 1974, p. 111.

[10] POLIAKOV, 1974,  p. 133.

[11] COMTE, apud ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 121-122.

[12] MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. In BRANDÃO, André Augusto. Programa de educação sobre o negro na sociedade brasileira. Niterói: EdUFF, 2004, 15-34, p. 20.

[13] DARWIN, 1871, apud MENDES, Iba. O maravilhoso mundo de Darwin. Edição digital, 2013, p. 58.

[14] MUNANGA, 2004, p. 20.

[15] BANTON, Michael. A ideia de raça. Lisboa: Edições 70, 1977, p. 174-175.

[16] GONZALEZ, Lélia. A categoria político-cultural de amefricanidade. In: Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, nº. 92/93 (jan./jun.). 1988, p. 69-82.

[17] FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida do estado brasileiro. Brasília, DF, 2006. Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília, 2006. Disponível em: <http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/5117/1/2006_AnaLuizaPinheiroFlauzina.pdf>

Acesso em: 14 jan. 2014, p. 31.

[18] MELOSSI, Dario; PAVARINI, Massimo. Cárcere e fábrica: as origens do sistema penitenciário (séculos XVI-XIX). 2 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2010, p. 43.

[19] FREITAS, Décio. O Escravismo Brasileiro. 3. ed. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1991, p. 26.

[20] RIBEIRO, 1995, p. 162.

[21] FREITAS, 1991, p. 11.

[22] KAUFMANN, Roberta Fragoso Menezes. Ações afirmativas à brasileira: necessidade ou mito?: uma análise histórico-juridico-comparativa do negro nos Estados Unidos da América e no Brasil. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 2007, p. 52.

[23] RIBEIRO, 1995, p. 69.

[24] NASCIMENTO, 1978, p. 58.

[25] CARDOSO. Paulino de Jesus Francisco. Em busca de um fantasma: as populações de origem africana em Desterro, Florianópolis, de 1860 a 1888. Disponível em: http://publicacoes.uniceub.br/index.php/pade/article/viewFile/143/132. Acesso em: 05 jan 2015, p. 03.

[26] MATTOS, Hebe; et al. Inventário dos lugares de memória do tráfico atlântico de escravos e da história dos africanos escravizados no Brasil, 2013, p. 04. Disponível em: http://www.labhoi.uff.br/sites/default/files/inventario_julho_2013.pdf.  Acesso em: 23 jun 2014.

[27] RIBEIRO, 1995, p. 131.

[28] Plantada em 1727 por Agadja, “O Conquistador”, quinto rei do Daomé – atual Benim. Antes de embarcarem para além-mar, rumo ao “Novo Mundo”, os cativos andavam em torno da árvore (negros nove vezes e negras sete). Cada volta representava a morte da história de seu povo, de sua história, raízes, subjetividade, memórias, lembranças, laços, etc..

[29] DUARTE, Evandro Charles Piza. Criminologia e racismo: introdução à criminologia brasileira. Curitiba: Juruá, 2011, p. 69.

[30] KAUFMANN, 2007, p. 78.

[31] O Decreto nº 3.725-A, de 6 de Novembro de 1866, concedia liberdade gratuita aos escravos da Nação para se empregarem no exercito, e às suas mulheres, se fossem casados.

[32] NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000127.pdf Acesso em 23 jun 2014, p. 27.

[33] DUARTE, 2011, p. 173.

[34] NASCIMENTO, Abdias do. O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, p. 48.

[35] SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil – 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 243.

[36] FLAUZINA, 2006, p. 37.

[37] Um tipo de moradia, um “[...] esconderijo, um reduto bem protegido na imensidão de corredores e becos dos labirintos urbanos. Para onde convergiam silenciosamente centenas de africanos, escravos, pardos, mulatos, libertos, crioulos e pretos. Em busca de amigos, festas, deuses, esperanças...” (ARAÚJO, Carlos Eduardo Moreira de. et al. Cidades negras: africanos, crioulos e espaços urbanos no Brasil escravista do século XIX. 2 ed. São Paulo: Alameda, 2006, p. 84).

[38] SANTOS, Joel Rufino. A metamorfose do negro. In: COSTA, Haroldo; LOPES, Nei; SANTOS, Joel Rufino (Orgs.). Nação Quilombo. Rio de Janeiro: ND Comunicação, 2010.

[39] BATISTA, V., 2003, p. 24.

[40] SAAD, Luísa Gonçalves. “Fumo de negro”: a criminalização da maconha no Brasil (c. 1890-1932). Salvador, 2013. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/13691/1/DISSERTA%C3%87%C3%83O%20LUISA%20SAAD.pdf Acesso: 25 fev 2014.

[41] CARLINI, Elisaldo Luiz de Araujo; RODRIGUES, Eliana; GALDURÓZ, José Carlos E.  Cannabis sativa L. e substâncias canabinóides em medicina. São Paulo: CEBRID - Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas, 2005, p. 06.

[42] Na travessia do Atlântico, as escravas, para amenizar o sofrimento das crianças, tentando seu acalanto, rasgavam suas saias em tiras de pano e faziam bonecas para elas brincarem. A palavra abayomi tem origem no iorubá, e significa aquele que traz felicidade ou alegria.

[43] ZAFFARONI, 1991, p. 77.

[44] ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Criminología. Aproximación desde una margen. Bogotá: Temis, 1988, p. 131.

[45] SOZZO, Máximo. Viagens culturais e a questão criminal. Tradução Sérgio Lamarão. 1. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2014.

[46] Ibid., p. 41-42.

[47] BATISTA, V., 2003, p. 163.

[48] SCHWARCZ, 2012, p. 161.

[49] RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil. Centro Edelstein de Pesquisas Sociais: Rio de Janeiro, 2010, p. 18.

[50] SERAFIM, Vanda Fortuna. Nina Rodrigues e as religiões afro-brasileiras: A “formalidade das práticas” católicas no estudo comparado das religiões (Bahia - século XIX). Tese (doutorado) – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em História. Florianópolis, SC, 2013, p. 237.

[51] SAAD, 2013, p. 05.

[52] GENELHÚ, Ricardo. O médico e o direito penal. vol. 1: introdução histórico-criminológica. Rio de Janeiro: Revan, 2012, p. 58.

[53] SCHWARCZ, 2012, p. 17.

[54] BATISTA, N., 2002, p. 152.

[55] NASCIMENTO, 1978, p. 46.

[56] Segundo Oracy Nogueira, o preconceito racial no Brasil é de marca (uma reformulação do preconceito de cor que se embasa na aparência, nos traços físicos do indivíduo, ou seja, na fisionomia), que na dinâmica relacional leva em consideração a atuação do individuo e sua interiorização dos padrões brancos que podem flexibilizar os “defeitos” ínsitos a sua etnia, possibilitando uma aceitação social em proporção direta à interiorização dos modelos brancos. Assim, o negro pode ser aceito com mais facilidade se “[...] contrabalançar a desvantagem da cor por uma superioridade inegável, em inteligência ou instrução, em educação, profissão e condição econômica, ou se for hábil, ambicioso e perseverante [...]”. Porém, este tipo de preconceito não extingue o racismo radical, apenas o encobre. (NOGUEIRA, Oracy. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem: Sugestão de um quadro de referência para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil. 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ts/v19n1/a15v19n1.pdf  Acesso em 22 out. 2013, p.07).

[57] CARDOSO, 1977, p. 265.

[58] ZAFFARONI, 1988, 159.

[59] FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1972, p. 23.

[60] Antes da adoção de uma postura “politicamente correta”, os dicionários traziam como significado da palavra “pardo” a indicação de “branco-sujo”. Pode-se ainda encontrar essa indicação em alguns dicionários atuais como o Dicionário on line UOL. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/.

[61] FANON, Frantz. Os condenados da terra. Tradução: José Laurênio de Melo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

[62] NASCIMENTO, 1978, p. 93.

[63] RIBEIRO, 1995, p. 226.

[64] FLAUZINA, 2006, p. 41.

[65] BATISTA, N., 2002, p. 148.

[66] Id., 2000, p. 25.

[67] ANDRADE, 2012, p. 111.

[68] Ao contrário daquele conceito criminológico conhecido, não utilizamos o termo “negro” em sentido pejorativo. Utilizamos a nomenclatura “cifra negra” aqui em sua literalidade, como referência ao número inimaginável, que envolve todos os corpos negros resultante de uma histórica política exterminadora que teve início no “descobrimento” e cujo fim não se observa no horizonte.

[69] BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis ganhos fáceis: droga e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Revan, 1998, p. 28.

[70] MENEGAT, Marildo. Estudo sobre ruínas. Rio de Janeiro: Revan, 2012, p. 18.

[71] WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2013: Homicídios e Juventude no Brasil. Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2013/mapa2013_homicidios_juventude.pdf. p. 88.

[72] Advertimos que essa porcentagem não corresponde à realidade, pois São Paulo não enviou seus dados. Disponível em: http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal Acesso em: 21 jul 2015.

[73] CASTRO, Lola Aniyar de. Criminologia da libertação. Tradução: Sylvia Moretzsohn. Rio de Janeiro: Revan, 2005, p. 96.

[74] BRASIL, Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário 2014. Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/storage/download//8anuariofbsp.pdf. Acesso em: 21 jan 2015, p. 06.

[75] Dados fornecidos pela ONG Anistia Internacional Brasil que fundamentaram a campanha: “Jovem negro vivo”.

[76] De acordo com Vera Malaguti Batista, as “ceias de camarão” eram as torturas públicas nas quais as vítimas eram literalmente descascadas até sua carne ficar exposta. (BATISTA, V., 2003, p. 141).

[77] Segundo a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (PNAD) de 2013, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

[78] AMAR, Paul. Táticas e termos da luta contra o racismo institucional nos setores de polícia e de segurança. In: RAMOS, Silvia; MUSUMECI, Leonarda. Elemento suspeito: abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/Cesec, 2005. p. 236.

[79] BARATTA, Alessandro. Ética e pós-modernidade. In: KOSOVSKI, Ester (Org.). Ética na comunicação. Rio de Janeiro: Mauad, 1995, 133-156.

[80] FLORES, Joaquín Herrera. A (re)invenção dos Direitos Humanos. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009, p. 47.

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Luciano Góes

Luciano Góes é Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Graduado em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Secretário da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra no Brasil da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Santa Catarina; Membro da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Santa Catarina; Pesquisador/membro do Grupo de Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina, Brasilidade Criminológica, coordenado pela Prof.ª Dr.ª Vera Regina Pereira de Andrade (UFSC/CNPq). Pesquisador do projeto de Pesquisa e Extensão Universidade Sem Muros - USM (UFSC), no qual foi Coordenador operacional em 2013, exercendo suas funções no interior do Presídio Feminino de Florianópolis/SC. Advogado criminal.


Imagem Ilustrativa do Post: Tunnel Man // Foto de: Rex Boggs // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/rexboggs5/15496363301

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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