POR QUE TODAS AS CARTAS DE AMOR SÃO RIDÍCULAS?

27/04/2020

Coluna Direito e Arte / Coordenadora Taysa Matos

 

Queria escrever-lhe uma carta,

escolher as melhores palavras,

organizá-las

e fazer uma carta de amor.

 

Juntei as palavras no curral...

Algumas não quiseram entrar.

Eram palavras rebeldes, indomáveis,

selvagens, animalescas.

Deixei que se fossem.

 

Havia muitas palavras presas.

Precisava observá-las, escolher as melhores,

as mais belas, as mais elegantes,

para fazer uma carta de amor perfeita,

empolgante.

 

Coloquei as palavras em desfile.

Uma a uma, as ia olhando.

Havia palavras muito belas,

Apaixonantes, deslumbrantes.

Algumas apareciam de repente

e, num piscar de olhos,

como se tivessem asas,

desapareciam.

 

Eu tentava buscá-las de volta,

jogava um laço de corda,

queria trazê-las pelo pescoço,

mas elas não se deixavam prender.

Quando eu ia, elas fugiam;

quando eu vinha, elas voltavam;

quando eu olhava, elas sumiam.

Deixei essas palavras para lá.

 

Continuei olhando para o meu curral

e então comecei a organizar as palavras.

Rima com rima,

som com Som,

ar com ar,

er com er,

ir com ir...

E o or não tinha par.

 

Algumas palavras não combinavam com nada.

Eram sozinhas, únicas, indescritíveis.

De tão autênticas, atrapalhavam a minha métrica,

não cabiam na estrofe,

não rimavam com as vizinhas.

Davam muito trabalho.

Soltei então essas palavras ímpares.

 

Ainda havia muitas palavras,

muitas frases possíveis.

Notei que algumas palavras se repetiam,

outras eram sinônimas.

Cortei os excessos.

 

Algumas palavras cantavam.

Outras dançavam, pulavam, sorriam.

Mas que palavras bobas,

dispensei-as.

 

Olhei para as palavras que ainda havia...

Eram muitas.

Umas ficavam grudadas porque vieram de outras canções.

Eu não vou negar que sou louco por você!

Este amor sem preconceito, sem saber o que é direito, faz as suas próprias leis.

Índia, levarei saudade da felicidade que você me deu.

Quero estar na tua vida, caminhar o teu caminho...

Cadê você?

Onde você estiver, não se esqueça de mim.

Eu sei que vou te amar, por toda a minha vida...

Eu te amo, eu te amo, eu te amo!

 

E assim eram muitas palavras...

Lindas! Mas já tinham as suas próprias canções.

Com aperto no peito, abri a porteira.

Queria o amor que fosse meu, com as palavras que fossem minhas.

 

Olhei, então, e poucas palavras restavam.

Já não eram abundantes,

já não eram suficientes.

Só seria possível escrever

cartas de amor como as outras, ridículas.

 

Busquei algumas palavras de volta.

Pensei nos detalhes,

que são tão pequenos, entre nós dois,

mas que são coisas muito grandes para esquecer.

E então compreendi que esses versos vão estar presentes

por toda a minha vida.

 

Soltei todas as palavras e chamei as demais de volta.

Assim, com total liberdade, algumas palavras se aproximaram.

Eu não sabia escolher as palavras, mas de alguma forma elas me escolhiam.

Comecei a escrever.

 

A minha carta de amor,

se há amor,

há de haver palavras como as outras, de amor.

E há de expressar o amor, que tenho,

com as palavras que são minhas,

sejam irmãs ou sejam rimas.

 

E quando mais tarde me procure,

quem sabe eu possa lhe dizer

que escrevi cartas de amor,

como as outras, ridículas.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Large red heart sign on an empty billboard // Foto de: Horia Varlan // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/horiavarlan/4887025967

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