Por que não tivemos test drive do Código de Processo Civil de 2015?  

19/02/2019

 

Coluna O Novo Processo Civil Brasileiro / Coordenador Gilberto Bruschi

Ao tomar decisões importantes em nossas vidas, sondamos o terreno, avaliamos opções, experimentamos para que a decisão tomada seja a melhor dentre as possíveis. Exemplifico: ao comprar um carro zero, o test drive é gratuito e impensável a sua dispensa. Ao comprar um imóvel, recomenda-se avaliar a vizinhança, passar no local em vários horários para verificar barulhos e movimentações. Ao decidir pelo casamento, há o noivado, namoro, união estável ou qualquer nome mais moderno para relações afetivas. Então, ao decidirmos pela entrada em vigor de um novo Código de Processo Civil, por que não tivemos um período de experimentação? Por que os debates ficaram restritos à academia e à teoria com poucos dados empíricos – quase inexistentes em nossa cultura jurídica - do que se passou com o Código de Processo Civil reformado de 1973?

Se tomáramos a experiência de nossos colonizadores do velho mundo em conta, a situação atual do Código de Processo Civil de 2015 talvez fosse outra. Talvez fossem menores os remendos das cortes ao texto legal, taxatividade não fosse tida como mitigada e percentuais numéricos afastados em alguns casos.

Lá, em Portugal, antes da entrada em vigor de um novo código, o que se deu em 2013, tiveram eles a implementação de um regime experimental, ou seja, de teste. A ideia central era verificar erros e acertos do quanto previsto através de monitoramento constante pela empiria.

Esse período de teste chamou-se Regime Processual Experimental, que “visa unificar todas as formas de processo declarativo comum e a acção declarativa especial para cumprimento de obrigações contratuais nos tribunais escolhidos para a referida experiência.”[1].

Pretendeu o legislador colocar um modelo processual reformado em período de teste e provas, monitorando sua aplicação com dados empíricos para eventualmente alterar institutos quando da entrada em vigor do Código definitivo, o que se deu em 2013 por lá.

Tal regime experimental foi estabelecido pelo Decreto-Lei n. 108/2006, sendo aplicável ao processo de conhecimento pelo rito comum e ao rito especial para cumprimento de obrigações pecuniárias decorrentes de relações contratuais. Além da limitação quanto ao cabimento do experimento quanto ao rito, limitou-se também a questão territorialmente. Escolheram-se os tribunais de acordo com a sua movimentação processual[2].

Segundo Rui Pinto: “O objetivo expresso pelo legislador foi o de introduzir na rígida estrutura procedimental civil comum dispositivos de aceleração, simplificação e flexibilização ao conferir ao juiz um papel determinante, enquanto responsável pela direção do processo e, como tal, pela sua agilização.”[3].

Os instrumentos novos trazidos foram (i) o poder de gestão processual e (ii) a agregação e desagregação de demandas[4]. Não é o objetivo do presente texto a análise destas inovações, mas a previsão de novos institutos para um período de trial e a sua constante avaliação.

O Preâmbulo do Decreto-Lei n. 108/2006 estabelece que:

[...] este tipo de alterações legislativas apenas será bem-sucedido quando acompanhado pelas necessárias divulgação e formação junto dos operadores, de modo a que as potencialidades do novo regime sejam integralmente concretizadas. A entrada em vigor deste regime será, pois, precedida pela formação intensiva dos seus destinatários, garantindo-se o conhecimento e a utilização efectiva dos mecanismos aqui previstos.

Além disso, no processo de elaboração do regime experimental e na definição das mudanças legislativas que definitivamente entrariam no Novo Código de Processo Civil Português de 2013 todas as instituições jurídicas foram ouvidas e os dados empíricos foram coletados e analisados pelo Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra[5].

O objetivo do presente escrito, por óbvio, não é o de esgotar qualquer assunto, mas o de destacar a possibilidade de regimes processuais experimentais diante da perspectiva de grandes alterações legislativas e de seu sucesso quando devidamente acompanhados de pesquisa empírica[6].

 

Notas e Referências:

BONOMA, Thomas V. Case research in marketing: opportunities, problems and a process. Journal of Marketing Research, Chicago, IL, v.22, n.2, 1985.

GOUVEIA, Mariana França. Regime processual experimental: anotado – Decreto Lei n. 108/2006, de 8 de junho – aplicável nos Juízos Cíveis do Porto, Almada e Seixal e na Pequena instância cível do Porto. Coimbra: Almedina, 2006.

MENDES, Armindo Ribeiro. Agregação e desagregação: arts. 6º e 7º do Regime Processual Experimental – D.L. n. 108/2006, de 8 de junho. Revista do CEJ – Centro de Estudos Judiciários. 2º semestre 2006, n.5. Almedina, Coimbra, p. 141-154.

PINTO, Rui. Critérios judiciais de convolação não homogénea pelo art. 16º do Regime Processual Experimental. In: Colectânea de estudos de processo civil. PINTO, Rui. (Coord.). Coimbra: Coimbra Editora, 2013.

[1] MENDES, Armindo Ribeiro. Agregação e desagregação: arts. 6º e 7º do Regime Processual Experimental – D.L. n. 108/2006, de 8 de junho. Revista do CEJ – Centro de Estudos Judiciários. 2º semestre 2006, n.5. Almedina, Coimbra, p. 141-154, p. 143.

[2] PINTO, Rui. Critérios judiciais de convolação não homogénea pelo art. 16º do Regime Processual Experimental. In: Colectânea de estudos de processo civil. PINTO, Rui. (Coord.). Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 28.

[3] PINTO, Rui. Critérios judiciais de convolação não homogénea pelo art. 16º do Regime Processual Experimental. In: Colectânea de estudos de processo civil. PINTO, Rui. (Coord.). Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 29.

[4] Preâmbulo do DL 108: “Através da agregação, permite-se que o juiz, em qualquer momento, pratique um acto ou realize uma diligência extensível a vários processos, sem que estes tenham de, no futuro, ser tratados conjuntamente. Trata-se, pois, de uma associação de processos meramente transitória e apenas para a prática do acto em causa, sejam eles actos de secretaria, a audiência preliminar, a audiência final, despachos interlocutórios ou sentenças. [...] Findo ou praticado o acto, os processos prosseguem individualmente a sua marcha. O juiz passa, portanto, a poder praticar “actos em massa”, bastando que exista um elemento de conexão entre as acções e que da realização conjunta de um acto processual ou diligência resulte a simplificação do serviço do tribunal”.

[5] Centro de Estudos Sociais – Universidade de Coimbra. Disponível em: https://www.ces.uc.pt/pt. Acesso em 17 de fevereiro de 2019.

[6] Toma-se por pesquisa empírica o método de colheita de dados para comprovação na prática de determinados resultados, seja por meio de dados numéricos, observações ou entrevistas. A pesquisa empírica costuma ser restrita territorialmente e temporalmente. Nesse sentido: BONOMA, Thomas V. Case research in marketing: opportunities, problems and a process. Journal of Marketing Research, Chicago, IL, v.22, n.2, 1985.

 

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