Ponte de Espiões e o Fator Safya: O argumento vencedor na Teoria dos Jogos aplicada ao Direito

28/03/2016

Por Mauricio Sousa da Silva - 28/03/2016

O filme ''Ponte de Espiões'' (Bridge of Spies, 2015 de Steven Spielberg) traz interessante anedota a ser compreendida dentro da Teoria dos Jogos aplicada ao Direito, da forma como proposta por Alexandre Morais da Rosa.

A película, que apresenta uma trama sobre espionagem e justiça, é baseada em fatos e situações verídicas. Muitas das situações retratadas foram vividas pelo próprio Spielberg e muitas outras pessoas que cresceram nos EUA durante o auge da guerra fria. Nota-se os filmes propagandísticos da época e a constante preparação da população para uma guerra atômica de proporções mundiais.

Em síntese, o filme, que se passa em 1960, trata de Rudolf Abel(Interpretado por Mark Rylance), um homem acusado de ser espião da União Soviética. As autoridades veem como certa sua ligação com a URSS e cabais as provas. A pena naquela época era capital. Acusado de traição, o caso de Abel ainda precisa ir a julgamento do júri.

As autoridades pretendiam mostrar ao mundo que na América havia direito ao julgamento justo e à ampla defesa( ''Right to a fair trial'' ''Due Process of Law'') não importando quem o acusado fosse.

Entra em cena o advogado James Donovan (Tom Hanks), escolhido pela Ordem Dos Advogados Norteamericana para defender Abel e dar ao caso o verniz legalista e de ampla defesa necessários. James é um especialista em seguros que atuou na procuradoria durante o Julgamento de Nuremberg. Apesar de relutante, James aceita o caso.

No entanto, o que se seguiu foi um jogo de cartas marcadas. Ocorre que o juiz e a polícia pouco preocupados estavam com aspectos procedimentais e legais atinentes ao caso, afinal estavam convencidos de que Abel era um espião e o importante era acabar rápido com o julgamento, aplicando a pena ''justa'', de morte, e assim satisfazer a opinião pública e o Governo.

Pouco antes de ir a julgamento, James peticiona ao Juiz da causa, Mortimer W. Byers (Dakin Matthews), que desconsidere provas apreendidas no apartamento de Abel. Os policiais apreenderam bens e objetos sem mandado, logo o produto da busca era ilegal e deveria ser excluído. Jim traz o precedente que mesmo para estrangeiros valem os direitos fundamentais previstos na Constituição. Vale lembrar a vinculação dos precedentes na justiça americana. Em gabinete, Juiz Byers nega a petição e surpreendemente afirma ''Esse espião veio até aqui para ameaçar nosso modo de vida. Agora saia daqui e sente do lado daquele russo. Vamos acabar com isso rápido''.

Quando o Júri retorna, o veredito é de culpado. É marcada em data futura a audiência de sentenciamento. Ao que se avizinha é praticamente certo o destino de Abel. Eletrochoque. Assim desejavam o governo, a opinião pública e Juiz Byers.

Uma análise dessa situação dentro da Teoria do Jogos é deveras interessante. Desde o início, a decisão do julgador já está pronta. Não há presunção de inocência. Não importam os precedentes aduzidos, o texto constitucional posto, o julgador tem sua consciência ab initio formada a partir do que sabe pela mídia ou outras fontes dentro e fora dos autos, conformando seu julgamento ao que é denominado Sistema S1.

Os sistemas S1 e S2 são apresentados por Alexandre Rosa[1] e baseados em estudos de psicologia cognitiva, capitaneados por Daniel Kahneman e Nassim Taleb, e podem auxiliar na compreensão de como se toma decisões.

O sistema S1 é o utilizado por Juiz Byers. Em uma explicação brevíssima, nesse conjunto o raciocínio opera de forma a ter respostas quase instantâneas, as questões complexas viram simples. É o oposto do Sistema S2, onde as decisões são tomadas mais lentamente, a partir da reflexão. Não cair no engano de acreditar que ambos se excluem, uma situação possível ocorre quando o Sistema S1 passa a alimentar respostas ao S2, o que ocorre no contexto dos chamados ''jogos repetitivos''.

Para exemplificar, dentro do Sistema S1, o raciocínio toma os seguintes contornos: ''Abel foi acusado da infração? Porque a polícia mentiria sobre isso? Abel é culpado. Abel deve morrer pela segurança do país''. Para todos estes questionamentos a resposta do julgador é positiva e quase instantânea. O processo decisório é tomado a partir de uma zona de conforto e se adequa a estereótipos e situações anteriormente vividas ou conhecidas pelo julgador.

Nesse viés, o pensamento do Juiz Byers é claramente consequencialista. Abel é espião. A morte de Abel seria boa para a segurança do país. James, porém, não desiste.

Vai até o Juiz Byers no momento certo, um dia que sua esposa estava bem disposta, e utiliza o argumento vencedor para o caso: A sentença não pode ser de morte pois se algum dia um americano for pego pelos soviéticos não teremos ninguém para trocar. Tal argumento pode parecer absurdo sob o prisma jurídico. Afinal, conceder esse pensamento seria dar vazão a uma decisão pensada unicamente sob o prisma utilitário ou até mesmo de ''futurologia''. No entanto, esse é o argumento que convence o julgador. Quando do sentenciamento, Juiz Byers condena o réu a trinta anos de prisão e não à morte como queria o público, que resta horrorizado com a ''leniência'' dada ao espião.

Pode-se sim argumentar que o juiz desrespeitou precedentes ou o texto legal, no entanto em certas ocasiões o processo pelo qual o julgador formula sua decisão passa por mecanismos que não são meramente jurídicos, ou até racionais!

No caso, Juiz Byers estava ''surdo'' aos argumentos jurídicos e à resposta constitucionalmente adequada, nos dizeres de Lenio Streck. O jogo era de carta marcadas e o destino de Abel certo, mas o que finalmente convenceu o julgador foi um argumento consequencial porque o modelo de decisão judicial daquele juiz possuía o mesmo viés. Nesse ponto, entram também os fatores de contingência e sorte.[2]

Tais fatores podem ser pensados ao caso como: 1. Argumento plausível e possível (Os EUA também possuíam espiões, havia real possibilidade de algum ser capturado) 2. Advogado que fez a jogada estratégica no momento correto 3. O argumento(consequencialista) dentro do modelo de decisão do Juiz.

Em ''Teoria dos Jogos Aplicada ao Processo Penal'' Alexandre Rosa encaixa tal tipo de situação como o ''Fator Safya''[3], em razão da história de Safya Hussaini Tungar Tudu, que foi absolvida da pena de apedrejamento em razão de argumento religioso, o único a convencer os magistrados da Suprema Corte Nigeriana. Nesse ponto, alerta o autor que importante para o sucesso no jogo processual é o conhecimento do método de tomada de decisões do julgador.

Não se pode desistir de tentar convencer o magistrado que seus referenciais teóricos não se aplicam ao caso, ou que estão flagrantemente errados, mas o importante do caso verídico apresentado é ilustrar como o advogado, tendo em mente a teoria dos jogos, dentro do contexto adequado, deve buscar e utilizar do argumento que ''entre pelos ouvidos'', aquele que pode ser o vencedor.


Notas e Referências:

[1] MORAIS DA ROSA, Alexandre. A Teoria dos Jogos Aplicada ao Processo Penal. Lisboa/Florianópolis: Rei dos Livros/Empório do Direito, 2015, p.81-88

[2] Ob. cit. p. 79-81.

[3] Idem


Mauricio Sousa da Silva. . Mauricio Sousa da Silva é advogado especializado em Direito Civil e Direito Processual Civil. . .


Imagem Ilustrativa do Post: Pont Champlain on a cloudy day, through trees // Foto de: Tracy Rosen // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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