PIX: Impactos e Regulação      

25/04/2020

Sistemas de pagamento em tempo real têm sido desenvolvidos em todo mundo há aproximadamente duas décadas. O Banco de Compensações Internacionais[1] (Bank of International Settlements - BIS) define estes sistemas como aquele em que a transmissão da mensagem de pagamento, assim como a disponibilidade de fundos destinado ao beneficiário, ocorra em tempo real ou perto do tempo real (24/7)[2].

Destacam-se como sistemas pioneiros de pagamento em tempo real o “Eletronic Banking System” (EBS), da Coréia do Sul, iniciado em 2001, e o “Faster Payments Service” (UK FPS), de 2008[3]. No Estados Unidos, fora criado um sistema de pagamentos em tempo real em novembro 2017, pela Clearing House[4], denominado RTP – Real Time Payments System.

Em recente pesquisa realizada em conjunto pela Mastercard e a Deloitte sobre os impactos econômicos dos sistemas de pagamento instantâneos[5], são apontados, em resumo, alguns benefícios destes sistemas, defendendo que essa modalidade de pagamento: (i) é capaz de reduzir a incerteza dos negócios por atrasos e aumentar o capital de giro; (ii) melhoria na eficiência do sistema financeiro (a baixa velocidade do pagamento repercute em bloqueio e imobilização do dinheiro); (iii) melhoria na inclusão financeira (podem auxiliar os consumidores em seu orçamento); (iv) reduzir custos dos sistemas de pagamento (seu custo é inferior ao dos cheques, por exemplo).

Nesta perspectiva, no Brasil, ainda em 2002, fora criado o SITRAF – Sistema de Transferência de Fundos, que possibilita “transferência eletrônica em tempo real entre clientes de bancos diferentes conhecida como Transferência Eletrônica Disponível, para valores inferiores a R$ 1 milhão”[6].

Apesar de este oferecer pagamentos quase em tempo real (velocidade a menos de um minuto), não possui disponibilidade 24/7, estando disponível tão somente durante o horário comercial[7].

Atualmente, encontra-se em consulta pública o PIX – Sistema de Pagamento Instantâneo do Banco Central. O intuito declarado do BACEN é o de agilizar e facilitar pagamentos, propiciando transferências instantâneas por meio de informações simples, como CPF, CNPJ, e-mail ou celular, bem como QR Codes. A previsão de disponibilidade deste sistema de pagamento instantâneo é novembro de 2020.

Este tipo de sistema irá cobrir as seguintes transações: de pessoa para pessoa (P2P), de pessoa para negócio (P2B), de negócios para negócios (B2B), de pessoa para governo (P2G), de negócio para governo (B2G) e vice-versa[8].

O Banco Central criou um fórum[9] (Portaria 102.166/2019) e um Grupo de Trabalho [10]  a fim de discutir o Sistema de Pagamento Instantâneo a ser regulamentado, sendo certo que fizeram parte destes debates alguns temas como: (i) tempo da transação/tempo de aprovação; (ii) consideração de padrões de segurança (ISO 2022); (iii) dados a serem solicitados, entre outros.

O movimento de criação e regulação de um meio de transferência instantâneo pelo Banco Central se soma aos recentes esforços de regulação do “Open Banking”, tudo a fim de arejar o setor e facilitar a inovação.

Além de agilizar a movimentação de ativos, o Banco Central acredita na possibilidade de realizar no mínimo 2000 (duas mil) transações por segundo, com nenhuma (zero) perda de dados admitida (RPO) e com tempo máximo de recuperação de ativos (RTO) de 15 minutos.

A Consulta Pública nº 76/2020, ainda aberta para sugestões por parte da sociedade, traz consigo a minuta da circular que regulará o PIX.

Sinteticamente, é possível apontar os 3 (três) principais eixos da regulação da PIX, tal como proposta pelo Banco Central: (i) âmbito de aplicação, escopo e características gerais; (ii) quem pode participar e como será a operação e (iii) obrigações e responsabilidades dos participantes.

Desta forma, em relação ao primeiro eixo, a regulação envolve as modalidades de pagamento previstas na Circular nº 3682/2013 (arts. 8º a 10º do Anexo), ou seja, no âmbito dos arranjos de pagamento integrantes do Sistema de Pagamento Brasileiro (SPB). Além disso, será aplicável às transferências/compras entre contas de depósito e doméstico e/ou pré-paga e doméstico.

Poderão ser utilizadas (arts. 7º e 8º), para transferências vias PIX, o preenchimento manual dos dados do destinatário, QR Code (estático ou dinâmico), chave de endereçamento (que ficarão armazenadas no Diretório – DICT) e localizador padrão de recursos (URL).

Em relação ao eixo 2, determinou (art. 22) o BACEN que a participação poderá ser feita como provedor de conta transacional (instituição financeira ou instituição de pagamento que oferte conta transacional ao usuário final, inclusive instituição de pagamento não sujeita à autorização de funcionamento pelo Banco Central do Brasil) ou ente governamental (Secretaria do Tesouro Nacional).

No primeiro caso, a participação será obrigatória (art. 23) às instituições financeiras e as instituições de pagamento autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil com mais de quinhentas mil contas de clientes ativas, consideradas as contas de depósito à vista, as contas de depósito de poupança e as contas de pagamento pré-pagas.

Facultativamente, poderão participar (arts. 23 e 24) (i) as instituições financeiras e as instituições de pagamento autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil e a Secretaria do Tesouro Nacional deverão aderir às regras, às condições e aos procedimentos estabelecidos neste Regulamento e (ii) as instituições de pagamento não sujeitas à autorização de funcionamento ou em processo de autorização de funcionamento pelo Banco Central do Brasil, mediante o preenchimentos dos requisitos previstos no art. 24, inciso II (dentre os requisitos, encontra-se a obrigação de possuir capacidade técnica e operacional para cumprir os deveres e as obrigações previstos neste Regulamento e de comprovar integralização de no mínimo R$2.000.000,00 (dois milhões de reais) de capital).

Por fim, em relação ao terceiro eixo (arts. 41 e 42), a regulação pretendida pelo BACEN deixa clara a responsabilidade dos partícipes em razão da natureza da atividade do PIX. Dentre os riscos pontuados, destacam-se: (i) risco operacional; (ii) risco de liquidez (falta de recursos suficiente para cumprir as ordens de pagamento); (iii) problemas decorrentes de segurança cibernética, aqui incluído vazamento de dados pessoais e (iv) problemas decorrentes da utilização do sistema financeiro para a prática de crimes de lavagem de dinheiro.

Importante questão diz respeito ao custo da operação ao usuário final. Preocupado com isso, o Banco Central diz que será consideravelmente menor que o valor do TED e DOC.

Vale ainda ressaltar que bandeiras, fintechs e bancos apoiam a iniciativa do Banco Central, entendendo a importância da iniciativa e o potencial que ela traz de facilitar a vida dos usuários e dos participantes, oferecendo novas modalidades de negócio.

A ideia é próxima daquela utilizada por empresas como Mercado Pago, PicPay, Iti, RappiPay, PayPal, dentre tantas outras que permitem a transferência de recursos em tempo real através da geração de QR Codes ou ordens de transferência. Muito provavelmente estamos diante do fim gradual dos cartões de crédito, seguindo a tendência já observada na Ásia (apostar mais em QR Codes, gerados a partir de qualquer smartphone). Com isso, discussões sobre bandeiras, maquininhas, e outras tantas limitações de pagamento cairiam por terra. O serviço seria mais ágil, seguro e prático[11].

Por fim, vale ressaltar que o dinheiro será disponibilizado imediatamente na conta de destinatário, sem a necessidade de antecipação de receitas. As operações de débito e crédito serão instantâneas, com a única exigência de que pagador e recebedor tenham alguma conta (bancária ou de pagamento) com saldo disponível.

 

Notas e Referências

[1]  Fundado em 1930, o BIS representa 62 bancos centrais, inclusive, o Banco Central do Brasil, com a missão de fomentar discussões, realizar estudos e pesquisas, apoiar diálogos e servir como conexão entre as operações financeiras internacionais - https://www.bis.org/about/index.htm, acessado em 16 de abril de 2020.             

[2] https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/uk/Documents/financial-services/deloitte-uk-economic-impact-of-real-time-payments-report-vocalink-mastercard-april-2019.pdf, página 12, acessado em 16 de abril de 2020.

[3] https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/uk/Documents/financial-services/deloitte-uk-economic-impact-of-real-time-payments-report-vocalink-mastercard-april-2019.pdf, página 12, acessado em 16 de abril de 2020.

[4] Associação bancária e empresa de pagamentos que pertence aos maiores bancos comerciais e datada de 1853 - https://www.theclearinghouse.org/payment-systems/rtp, acessado em 16 de abril de 2020.

[5] https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/uk/Documents/financial-services/deloitte-uk-economic-impact-of-real-time-payments-report-vocalink-mastercard-april-2019.pdf, acessado em 16 de abril de 2020.

[6] https://www.cip-bancos.org.br/Paginas/SITRAF.aspx, acessado em 16 de abril de 2020.

[7] https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/uk/Documents/financial-services/deloitte-uk-economic-impact-of-real-time-payments-report-vocalink-mastercard-april-2019.pdf, página 13, acessado em 16.04.2020

[8]https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Circular&numero=3989 , acessado em 16 de abril de 2020.

[9] https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/forumpagamentosinstantaneos, acessado em 16 de abril de 2020

[10] https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/forumpagamentosinstantaneos, acessado em 16 de abril de 2020.

[11] Disponível em https://www.techtudo.com.br/noticias/2020/01/o-que-e-pagamento-instantaneo-entenda-como-funciona-a-nova-tecnologia.ghtml. Acessado em 24.04.2020.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Figures of Justice // Foto de: Scott Robinson // Sem alterações

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