Pirata ou Sobrevivente? Aplicação do Postulado da Razoabilidade - Por Rosivaldo Toscano Jr.

03/08/2015

                                                                                                                Por Rosivaldo Toscano Jr. - 03/08/2015
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"O presente caso apresenta ares de dramaticidade ao me deparar com uma realidade de nosso país: a economia informal. Milhões de brasileiros sustentam a si e à suas famílias através da mercancia de produtos de origem ilegal, seja pelo não pagamento de impostos de importação ou sobre a fabricação e o comércio dos mesmos. E pergunto-me até que ponto devo ou não tolerar essas condutas.Todos os dias, ao sair do trabalho ou de casa, ou mesmo ao passear pelas ruas da cidade (exceto nas bem protegidas e luxuosas passarelas dos shopping centers), vejo pessoas comercializando DVDs copiados ilegalmente. Não foram raras as vezes em que em frente à agência bancária do Banco do Brasil da Av. Engenheiro Roberto Freire, deparei-me até mesmo com policiais militares nas proximidades. Lembro-me bem que um deles até conversava com o vendedor e olhava as capas das referidas mídias em plena luz do dia.
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Comecei a imaginar o que aconteceria se fosse feita uma blitz pela cidade inteira e presos todos os vendedores de CDs e de cartuchos de vídeo-game ditos "piratas". Seriam millhares de prisões, não tenho dúvida. Imagino isso agora em uma escala nacional. Uma verdadeira comoção social. São as contradições de um país como o nosso, acusado internacionalmente pelos países centrais (diga-se EUA, Japão e União Européia) de não obedecer às decisões da Organização Mundial do Comércio – OMC nessa matéria. Enquanto isso, até hoje a Rodada do Uruguai, que trata do fim dos subsídios agrícolas praticados pelos países centrais (e que interessam a nações como o Brasil) não foi aprovada. Talvez esse mercado informal não existisse ou fosse muito menor se pudéssemos desenvolver nossas potencialidades econômicas, haja vista que o Brasil, pela abundância de suas terras e suas riquezas naturais, é um grande exportador de commodities (bens primários). Faço esse apontamento porque o magistrado necessita, no julgamento de uma questão de repercussão social como essa, saber em que contexto está inserido.Não estou aqui defendendo a violação dos direitos autorais. Pelo contrário. Há, do outro lado, um mercado que precisa ser protegido. Milhares de artistas ganham seu pão através da sua maestria. Um grupo menor chega a lançar mídias e vendê-las, movimentando uma considerável mão-de-obra com isso, pagando impostos. É uma indústria sem chaminés. Não é à toa que uma das maiores empresas do mundo vende não produtos, mas idéias, softwares, como é o caso da Microsoft.Estou, portanto, caminhando sobre uma tênue linha que margeia duas visões: a formalista e a materialista; entre a legalidade e a legitimidade, na esteira de até onde vai o razoável nisso tudo."
Sentença
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I - Relatório Trata-se de Ação Penal Pública ajuizada pelo Ministério Público contra: 1. [ACUSADO] ; 2. [ACUSADO]; 3. [ACUSADO]; 4. [ACUSADO]; 5. [ACUSADO]; Relatou a Denúncia que, durante o cumprimento dos Mandados de Busca e Apreensão, no dia 17.11.2005, no Shopping P. dos bairros do Alecrim e Cidade Alta, os denunciantes foram flagrados vendendo fonogramas e vídeogramas, com violação aos direitos autorais, conforme comprovado por laudo pericial. Foram apreendidos em poder dos indiciados: 1. [ACUSADO] - 2.020 DVD´s falsificados; 2. [ACUSADO] - 146 cartuchos de jogos Atari; 3. [ACUSADO] - 53 cartuchos de jogos Atari; 4. [ACUSADO] - 36 cartuchos diversos de jogos de video game; 5. [ACUSADO] - 12 cartuchos e 04 Cd´s. Concorreram os indiciados nas penas do art. 184, § 2º, do código Penal Brasileiro. A denúncia foi recebida em 09.06.2006. Os acusados foram pessoalmente citados. Interrogatório dos acusados às fls. 137-141. Defesa Prévia de [ACUSADO] (fls. 142); [ACUSADO] (fls. 144); [ACUSADO] (fls. 146); [ACUSADO] (fls. 148), onde os defensores deixaram para discutir o mérito da ação no transcorrer da instrução criminal. Instrução criminal às fls. 166-169. Foram inquiridas as testemunhas arroladas, nada tendo sido requerido em diligência, no prazo do art. 499 do Código de Processo Penal. Em alegações finais (fls. 176-179), o Ministério Público analisou as provas colhidas e pugnou pela condenação do acusado nos termos da acusação, aplicando-se a atenuante prevista no art. 65, III, "a", do Código Penal e a absolvição do réu L.C. da S.. A defesa de [ACUSADO] apresentou suas alegações finais em fls. 180-187, requerendo a improcedência da denúncia, com a absolvição do denunciado, por não ter incorrido em infração penal, e em consequência, que seja determinado a restituição dos bens aprendidos e relacionados no auto de exibição. Em não sendo admitido a absolvição, que seja observado a atenuante da confissão e aplicado a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito. A defesa de [ACUSADO], [ACUSADO], [ACUSADO], apresentou suas alegações finais em fls. 188-193, requerendo atenuação da pena em virtude da confissão espontânea e da primariedade de todos. Alegou também que os indiciados não tinham conhecimento que os cartuchos apreendidos em suas bancas eram falsificados, não caracterizando pois o delito imputado aos mesmos. Requereu, pois, a absolvição dos acusados. A defesa de [ACUSADO], apresentou alegações finais às fls. 194-196, ressalvando os princípios da intervenção mínima e da insignificância, e que a conduta do acusado não constitui infração penal, requerendo ao final, a absolvição do denunciado, e não sendo absolvido, que seja observado a atenuante da confissão, e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito. É o relatório II - Fundamentação  O delito em questão trata-se de Violação de direito autoral, senão vejamos: Violação de direito autoral Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. § 1o (...) Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. § 2o - Na mesma pena do § 1o incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente. ../LEIS/2003/L10.695.htm A materialidade e a autoria do delito previsto no artigo 184, §2º do Código Penal encontram-se consubstanciadas no Termo de exibição e apreensão de fls. 03-12, no Termos de declarações de fls. 28-34, Laudos de exame em discos-ópticos e em cartuchos de vídeo-game de fls. 35-45, 67-105, onde se constatou que nos materiais apreendidos existem indícios de fraude, tratando-se de comercialização de material falsificado, não preservando os direitos dos autores, produtores, bem como qualquer outro detentor de seus direitos de reprodução ou duplicação. Com efeito, por ocasião do interrogatório em Juízo, o acusado [ACUSADO] (fls. 137) asseverou que: "Que é verdadeira a imputação que lhe é feita; que no dia do fato narrado na denúncia se encontrava no seu ponto comercial onde comercializa objetos usados, quando compareceu policiais e procederam a apreensão de 12 cartuchos de jogos de vídeo-games e 04 cd´s; que os cd´s eram de uso pessoal, e se encontravam no estabelecimento porque o interrogado gostava de ouvi-los em seu disc-mam; que os cartuchos de video-game também eram de uso pessoal, mas o interrogado, as vezes locava; que tanto os cartuchos e os cd´s foram comprados em feira, portanto não tinha nota fiscal; que adquiriu tais objetos como sendo legítimos." "Que chegou a vender alguns cartuchos, mas em regra, fazia locação; que na banca do interrogado especificamente era feita a comercialização de cartuchos ou fitas de vídeo-game, através de compra e venda, troca, e algumas vezes locação; que não tem conhecimento se há possibilidade de falsificar cartuchos de vídeo-game e não sabe identificar um objeto falsificado." Em seu interrogatório, [ACUSADO] (fls. 138), informou que: "Que é verdadeira a imputação que lhe é feita; que no dia do fato narrado na denúncia se encontrava em sua banca comercial, quando ali chegaram policiais e apreenderam os objetos descritos na denúncia; que possuía o comercio a uns três anos e comercializa jogos de vídeo-game; que os jogos eram adquiridos em Caruaru/Pe, não tendo nota fiscal dos mesmos; que tinha conhecimento que os cartuchos que adquiria não eram originais, porém era o seu meio de vida, pois sustenta sua família com a comercialização desses objetos." "Que os preços dos cartuchos são variados, pois depende dos jogos, custando em média para aquisição R$ 5,00 a R$ 10,00, e o preço da venda era de acordo com a necessidade da ocasião..." O acusado [ACUSADO], fls. 139, informou que: "Que é verdadeira a imputação que lhe é feita; que no dia do fato narrado na denúncia se encontrava no seu ponto comercial, onde exerce a atividade de compra, venda e troca de jogos para vídeo-games e roupas masculinas, quando ali chegaram policiais e fizeram a apreensão do material descrito na denúncia; que não tinha conhecimento de que os jogos eram falsificados, pois onde os comprou, não foi dado essa informação; que não possuía nota fiscal dos referidos jogos; que costumava adquirir os produtos nas ferias livres de Caruaru/Pe, a pessoas diversas; que comprava os cartuchos por R$ 4,00 e vendia por R$7,00 ou R$ 8,00; que não tinha conhecimento que era proibido vender cartuchos que não fossem originais, pois não sabe a diferença entre os mesmos..." Em seu interrogatório, [ACUSADO], fls. 140, informou que: "Que é verdadeira a imputação que lhe é feita; que no dia do fato narrado na denúncia se encontrava em sua residência quando recebeu a notícia de que policiais tinha arrombado o seu box (sic) e apreendido os DVS´s que ali se encontravam; que é proprietário de dois box (sic) localizado no camelódromo da Cidade e que hoje os arrenda a terceiros; que comprava os dvd´s que comercializava tanto na feira de Caruaru, como nas bancas do bairro do Alecrim; que não possuía notas fiscais e tinha conhecimento que os mesmos não eram originais." O acusado [ACUSADO], fls. 141, informou que: "Que é verdadeira a imputação que lhe é feita; que é proprietário de uma banca situada na Av. X, onde comercializa brinquedos e jogos de vídeo-game, e no dia do fato narrado na denúncia se encontrava na praia da Redinha, estando na banca de seu filho; que os cartuchos apreendidos em sua banca foram comprados nas ferias, e também provenientes de trocas; que não tinham conhecimento de que os cartuchos eram falsificados; que diferencia os originais dos falsificados pelo peso e pela apresentação física; que o preço dos jogos variava entre R$ 7,00 e R$ 12,00." Ouvidas as testemunhas, A.B,, policial civil, sem seu depoimento de fls. 167, informou que: "Que estava de serviço tendo sido convocado para participar de uma operação realizada nos bairros do Alecrim, Cidade Alta e no município de Parnamirim, visando a apreensão de cd´s e dvd´s pirateados, tendo participado das buscas realizadas no Alecrim e na Cidade Alta; que os materiais apreendidos estavam exposto a venda, consistindo em cd´s, dvd´s, e cartuchos de vídeo-game..." "Que não pode perceber se as pessoas em cujo poder o material foi apreendido demonstravam ter conhecimento de que aquela atividade era ilícita, sabendo dizer que não reagiram e que alguns argumentavam que estavam trabalhando e que aquilo era melhor do que estarem roubando." A testemunha D.V. da S., capitão da policial militar, informou em sem seu depoimento de fls. 168 que: "Que estava de serviço tendo sido convocado para participar de uma operação (...) no qual se fizeram varias apreensões de material pirata; que quem fazia a apreensão dos materiais eram os policiais civis, ficando os policiais militares exercendo papel de segurança da operação, mantendo uma certa distância..." "que as pessoas em cujo poder o material foi apreendido demonstravam consciência da legalidade da atividade pois ninguém se apresentava como proprietários das mercadorias, mesmo quando perguntados..." A testemunha H.B. da S., policial militar, em seu depoimento, fls. 169, informou que: "Que no dia do fato de que trata a denúncia, encontrava-se integrado a equipe de polícial militar que acompanhou a policial civil na operação de cumprimento de mandados de busca e apreensão; que não captou nenhuma demonstração de que as pessoas em cujo poder o material se encontrava, sabiam ou não que aquela atividade era ilícita..." Assim, diante dos fatos relatados no decorrer da instrução criminal, não restam dúvidas sobre a materialidade e a autoria do delito relatado na denúncia.Informalidade: um Drama SocialO presente caso apresenta ares de dramaticidade ao me deparar com uma realidade de nosso país: a economia informal. Milhões de brasileiros sustentam a si e à suas famílias através da mercancia de produtos de origem ilegal, seja pelo não pagamento de impostos de importação ou sobre a fabricação e o comércio dos mesmos. E pergunto-me até que ponto devo ou não tolerar essas condutas. Todos os dias, ao sair do trabalho ou de casa, ou mesmo ao passear pelas ruas da cidade (exceto nas bem protegidas e luxuosas passarelas dos shopping centers), vejo pessoas comercializando DVDs copiados ilegalmente. Não foram raras as vezes em que em frente à agência bancária do Banco do Brasil da Av. Y, deparei-me até mesmo com policiais militares nas proximidades. Lembro-me bem que um deles até conversava com o vendedor e olhava as capas das referidas mídias em plena luz do dia. Comecei a imaginar o que aconteceria se fosse feita uma blitz pela cidade inteira e presos todos os vendedores de CDs e de cartuchos de vídeo-game ditos "piratas". Seriam millhares de prisões, não tenho dúvida. Imagino isso agora em uma escala nacional. Uma verdadeira comoção social. São as contradições de um país como o nosso, acusado internacionalmente pelos países centrais (diga-se EUA, Japão e União Européia) de não obedecer às decisões da Organização Mundial do Comércio – OMC nessa matéria. Enquanto isso, até hoje a Rodada do Uruguai, que trata do fim dos subsídios agrícolas praticados pelos países centrais (e que interessam a nações como o Brasil) não foi aprovada. Talvez esse mercado informal não existisse ou fosse muito menor se pudéssemos desenvolver nossas potencialidades econômicas, haja vista que o Brasil, pela abundância de suas terras e suas riquezas naturais, é um grande exportador de commodities (bens primários). Faço esse apontamento porque o magistrado necessita, no julgamento de uma questão de repercussão social como essa, saber em que contexto está inserido. Não estou aqui defendendo a violação dos direitos autorais. Pelo contrário. Há, do outro lado, um mercado que precisa ser protegido. Milhares de artistas ganham seu pão através da sua maestria. Um grupo menor chega a lançar mídias e vendê-las, movimentando uma considerável mão-de-obra com isso, pagando impostos. É uma indústria sem chaminés. Não é à toa que uma das maiores empresas do mundo vende não produtos, mas idéias, softwares, como é o caso da Microsoft. Estou, portanto, caminhando sobre uma tênue linha que margeia duas visões: a formalista e a materialista; entre a legalidade e a legitimidade, na esteira de até onde vai o razoável nisso tudo. Pela visão tradicional, formalista, restou demonstrado que todos os acusados obtinham lucro com a comercialização dos materiais falsificados, estando descrito no corpo do §2º que para o cometimento do crime de Violação de Direitos Autorais basta que "com o intuito de lucro direto ou indireto, o acusado distribua, venda, exponha à venda, alugue cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor." Em nosso dia-a-dia utilizamos a palavra razão em muitos sentidos. Pode indicar certeza (“estou com a razão”), lucidez (“não perdi a razão”), motivo (“fiz isso em razão daquilo”). A palavra razão tem duas origens: o latim ratio e o grego logos, em ambos têm o mesmo sentido: contar, reunir, juntar. E o que fazemos – reflete MARILENA CHAUÍ – “quando medimos, juntamos, separamos, contamos e calculamos? Pensamos de modo ordenado (...) Assim, na origem, a razão é a capacidade intelectual para pensar e exprimir-se correta e claramente, para pensar e dizer as coisas tais como são”. Leciona LUÍS VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA que a razoabilidade remonta a uma decisão jurisprudencial inglesa de 1948, nos seguintes parâmetros: se uma decisão é de tal forma irrazoável, que nenhuma autoridade que agisse razoavelmente a tomaria, então pode a Corte intervir e reformar ou anular o ato. Vê-se que a aplicação da razoabilidade é menos exigente que a proporcionalidade, que possui a tridimensionalidade adequação/necessidade/proporcionalidade em sentido estrito. E a Corte Europeia dos Direitos Humanos decidiu reiteradas vezes pela desproporcionalidade de uma medida, não obstante a razoabilidade dela. Socorremo-nos de HUMBERTO ÁVILA quando, ao descrever a hipótese de aplicação da razoabilidade, diz o seguinte: "Há casos em que é analisada a constitucionalidade da aplicação de uma medida não com base em uma relação meio-fim, mas com fundamento na situação pessoal do sujeito envolvido. A pergunta a ser feita é: a concretização da medida abstrativamente prevista implica a não realização substancial do bem jurídico correlato para determinado sujeito? Trata-se de um exame concreto individual dos bens jurídicos envolvidos, não em função da medida em relação a um fim, mas em razão da particularidade ou excepcionalidade do caso individual. (...) A razoabilidade determina que as condições pessoais e individuais dos sujeitos envolvidos sejam consideradas na decisão." É importante salientar dois pontos na razoabilidade: a) deve-se verificar como paradigma o que ocorre no dia-a-dia, e não o extraordinário; b) deve-se considerar, além disso, as peculiaridades da situação frente à abstração e generalidade da norma. Verifica-se que os dois elementos acima culminam no entendimento de razoabilidade como antagônica à arbitrariedade e respeitando a justiça do caso concreto, isto é, a equidade. Assume-se, assim, um dever de consistência e coerência lógica. HUMBERTO ÁVILA cita como exemplo o caso de uma pequena indústria de móveis que foi excluída da classe de empresa de pequeno porte, irrazoavelmente, por ter feito a importação de quatro pés de sofá, uma única vez, já que havia uma lei que excluía daquela classe as empresas que importassem produtos. Na razoabilidade a relação é entre critério e medida. Na proporcionalidade, meio e fim. Consoante WILSON ANTÔNIO STEINMETZ, na razoabilidade “objetiva-se verificar se a resultante da aplicação da norma geral (que é uma norma constitucionalmente válida) ao caso individual é razoável, não-arbitrária.” Portanto, vou agora ao caso concreto. Com cada um dos acusados foram apreendidos os seguintes produtos: XXXXXXXXXXXX - 2.020 DVD´s falsificados; XXXXXXXX - 146 cartuchos de jogos Atari; XXXXXXXX - 53 cartuchos de jogos Atari; XXXXXXXXXX - 36 cartuchos diversos de jogos de video game; XXXXXXXX - 12 cartuchos e 04 Cd´s. Vejamos a repercussão econômica das infrações. Com relação ao acusado XXXXXXXX a quantidade de bens apreendidos foi considerável, ultrapassando dois milhares de CDs, apontando que se trata, na verdade, de um distribuidor de produtos ilícitos. Com os demais foram quantidades muito menores, demonstrando que se trata de economia informal. A repercussão econômica do ato é insignificante e é fato notório a existência de tal tipo de mercancia, ocorrida sob o nariz de todas as autoridades. Punir esses outros acusados é agir injustamente. A perseguição do Poder Público deve ser à fonte direta, àqueles que copiam e distribuem tais bens, sob pena de assumirmos um comportamento contraditório e incoerente, tratando diferentemente a maioria dos acusados nesse processo que, por razões que não conhecemos, tornaram-se vítimas da seletividade do sistema penal, pois que se a própria polícia mesmo quisesse, encheria o Machadinho de presos e mercadorias com apenas uma volta pelos camelódromos do Centro da cidade e do Alecrim. Punir os acusados ... seria banalizar o Direito Penal que deve ser a ultima ratio, e uma razão racional, pedindo desculpas pelo pleonasmo. Em caso análogo disse a jurisprudência pátria que: PENAL – CONTRABANDO E DESCAMINHO – EQUIPARAÇÃO – CIGARROS – ATIPICIDADE – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – CIRCUNSTÂNCIA SUBJETIVA – REITERAÇÃO DE CONDUTA – ABSTRAÇÃO – 1. Equiparam-se as figuras do contrabando e do descaminho em relações versando sobre a importação de cigarros de fabricação brasileira para exportação ou de fabricação estrangeira com procedência identificada, enquanto para a aplicação do princípio da insignificância, compreendidas como infrações semelhantes eis que a potencialidade lesiva aos bens tutelados, em face de uns e de outros, é idêntica. 2. O princípio da insignificância incide como excludente da tipicidade do delito quando o valor dos tributos iludidos ou a sua projeção, devidos fossem, não excede a cifra de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais). 3. A circunstância subjetiva consistente na reiteração de conduta não opera em caráter obstativo à aplicação do princípio da bagatela. (TRF 4ª R. – RSE 2007.71.17.001106-8 – 7ª T. – Rel. Des. Fed. Amaury Chaves de Athayde – DJU 05.09.2007) A ofensividade mínima tem, assim, a necessidade de averiguação de sua aceitação/reprovação social. Punir os acusados, exceto o primeiro, XXXXXXXXX, seria fazer um juízo formalista, burocrático, hipócrita e míope do contexto em que está inserido o fato. Finalizo com as palavras de Balzac: "As leis são teias de aranha pelas quais as moscas grandes passam e as pequenas ficam presas."III - Dispositivo JULGO PROCEDENTE EM PARTE a pretensão punitiva formulada na denúncia de fls. 01-03 para CONDENAR o acusado XXXXXXXXXXX nas penas do art. 184, § 2º, do Código Penal Brasileiro. Outrossim, absolvo os acusados XXXXXXXX, XXXXXXX, XXXXXXX e XXXXXXXXXX, o que faço com base no art. 386, I, do CPP. Contudo, os bens apreendidos com todos os acusados, sem exceção, deverão, por contrafação que são, ser destruídos. 
 
Aplicação da Pena Passo a dosar a pena com as devidas fundamentações em razão de imposição constitucional (CF-88 art. 93, IX). Circunstâncias Judiciais Culpabilidade: Há de se alertar que não se pode incutir nesse elemento aqui a própria gravidade do ilícito, já que esta é ínsita ao tipo penal, sob o risco de ocorrer em bis in idem. Trata-se de uma quantidade considerável de produtos apreendidos, demonstrando a alta hierarquia que o acusado ocupa dentro da esfera de distribuição desses produtos de origem criminosa e violadora dos direitos autorais. Portanto, entendo desfavorável; Antecedentes: não posso entender os antecedentes penais do acusado como um elemento capaz de aumentar a pena-base. Responder a outro processo não é crime, até porque depois pode se chegar a um veredicto reconhecendo a inocência. Mas a questão nem é essa. Com a Constituição Federal de 1988 o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana foi erigido a um dos Fundamentos da nossa República (art. 1º, III). Por outro lado, diz o art. 5º, LIV, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. O acusado não pode ter sua pena agravada nos autos de um processo tão somente em razão de responder a outro processo. Não pode ser prejudicado (e prejulgado) por não ter havido julgamento numa outra relação processual (e com a possibilidade de absolvição, inclusive). E diz mais a Constituição Federal no mesmo art. 5º: “LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”. Como pode o acusado se defender nestes autos de um fato ocorrido em outro processo? Estamos, assim, ferindo não somente o devido processo legal, mas também o principio secular do Direito Penal do Fato. Não estaríamos, no caso de reconhecimento dessa circunstância judicial, com o conseqüente aumento da pena-base, punindo alguém pelo que é (responder a vários processos) e não pelo que fez (praticou vários ilícitos em cada processo, isoladamente)? Fazendo outra reflexão, mesmo em caso de condenação não estaríamos punindo duplamente alguém por um mesmo fato (neste e no outro eventual processo penal)? Acredito que sim. Por fim, se não há pena sem reconhecimento de culpa, há que se ler atentamente o que diz outro inciso do art. 5º, o LVII, que determina que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”. Se estamos aqui tornando a pena mais pesada somente em reconhecendo que o acusado responde a, por exemplo, um inquérito policial, estamos antecipando uma pena, pois seja mesmo um dia a mais de pena, é um suplício a ser imposto, indevidamente, diga-se de passagem. Assim, essa circunstância, se adotada para influir na pena do réu, fere a nossa Constituição. E uma norma que fere a Constituição não é válida. Talvez em um país com um paradigma de tanto desrespeito aos desafortunados não nos demos conta desse fato. Mas temos que respeitar a dignidade da pessoa humana, tratar a pessoa como ser humano que é, ainda que em alguns casos falha, mas que responda pelas condutas que praticou naquele processo específico. Deixo ao largo os moralismos tão em voga na atualidade e que rotulam as pessoas como “bandido”, “marginal” ou “monstro”, reconhecendo que aqui estamos julgando um igual e por um fato específico, sob pena de duplamente avaliarmos um mesmo comportamento. Portanto, resta prejudicada a análise dessa circunstância; Conduta social: entendo que essa circunstância é inconstitucional, sob pena de ferir o princípio da anterioridade e da legalidade. Não estou julgando alguém pelo que ele é, mas sim pelo que fez ou deixou de fazer. Se o sentenciando é um mau vizinho, uma pessoa de comportamento social reprovável no âmbito moral, não o sendo na esfera penal, não posso admitir tal circunstância, sob o risco de criar pena sem crime, pois graduaria a pena-base negativamente em razão dessa questão. O direito penal brasileiro é de conduta, e não de autor, não obstante os mais carentes serem seus maiores alvos, os “criminalizados”, no dizer de Zaffaroni. Por inconstitucional, ferindo os princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Secularização, essa circunstância é inválida e não pode ser avaliada; Personalidade do agente: a Parte Geral Código Penal é maior de idade. Aliás, já está ultrapassada aos vinte e dois anos de vida (1984) e uma Constituição Federal depois... Este tópico da personalidade do agente como circunstância judicial deve ser repensado. O juízo humano é de tal complexidade que a tarefa de avaliação dele pelo magistrado que pouco ou quase nenhum contato teve com o acusado torna-se tarefa temerária... Por inconstitucional, ferindo os princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Secularização, essa circunstância é inválida e não pode ser avaliada; Motivos: nenhum nos autos digno de nota. Portanto, entendo favorável; Circunstâncias do crime: nada de relevante. Portanto, entendo favorável; Consequências do crime: nenhuma. Portanto, entendo favorável; Comportamento da vítima: prejudicado em razão da natureza dos crimes contra os direitos autorais. Portanto, entendo favorável; Tomando como parâmetros as circunstâncias acima observadas e fundamentadas, fixo a pena-base em 2 anos e 6 meses de reclusão e 20 dias-multa. Circunstância Agravante Nenhuma. Circunstância Atenuante O acusado confessou espontaneamente a prática do fato perante a autoridade judicial (fls. 137). Por isso atenuo a pena em 6 meses e 10 dias-multa. Causa de Aumento de Pena Nenhuma. Causa de Diminuição de Pena Nenhuma. Do total da pena Sem mais nenhuma hipótese de flutuação a ser observada na fixação da pena, finalizo-a em 2 anos de reclusão e 10 dias-multa, na razão de 1/30 do salário mínimo . Do Regime de Cumprimento da Pena  O regime integral será o inicialmente aberto, por força do art. 33, § 2°, *c, do CP. Da Substituição por Pena Alternativa (Lei 9.714/98) É o Código Penal quem fixa os requisitos para a substituição. Diante do caso concreto, acontece o seguinte: satisfaz às exigências do art. 44 do CP. Por isso, substituo a pena privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade pela metade do tempo e pena pecuniária, consistente no pagamento de R$ 1.000,00 ao GAAC - Grupo de Apoio à Criança com Câncer, sito à Rua Jundiaí, 453 - Tirol, Cep: 59020-120, Natal/RN, fone: (84) 3221.5684, 30 dias após o trânsito em julgado desta decisão. Da Suspensão Condicional da Pena Fica prejudicada em razão da substituição já concedida, haja vista a redação do art. 77 do CP, a saber: Art. 77. A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que: (...) III - não seja indicada ou cabível a substituição prevista no artigo 44 deste Código. Do direito de apelar em liberdade O regime de prisão aplicado foi o aberto. Diante da situação atual, enxergo a desnecessidade de decretar sua prisão. Disposições finais E somente após o trânsito em julgado, promova a Secretaria as seguintes providências: Transitada em julgado esta decisão, lance-se o nome do réu no rol dos culpados (art. 393, II); comunique-se ao setor de estatísticas do ITEP; oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral para fins de suspensão dos direitos políticos (art. 15, III, CF); encaminhem-se as respectivas Guias, devidamente instruídas, ao Juízo das Execuções Penais; comunique-se ao Distribuidor Criminal, para os fins necessários. Pague as custas o réu condenado. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Natal, 23 de janeiro de 2008.
 
Rosivaldo Toscano dos Santos Junior Juiz de Direito
Rosivaldo Toscano Jr. é articulista do site, com diversos artigos publicados no Empório do Direito (confira aqui). 

ROSIVALDO . Rosivaldo Toscano Jr. é doutorando em direitos humanos pela UFPB, mestre em direito pela UNISINOS, membro da Comissão de Direitos Humanos da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, membro da Associação Juízes para a Democracia – AJD e juiz de direito em Natal, RN.
Imagem Ilustrativa do Post: Pirated dvds // Foto de: shankar s. // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/shankaronline/9103442711/ Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode
O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.
 

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