Pichação e grafite: crime ou manifestação cultural? – Por Ricardo Antonio Andreucci

26/01/2017

Desde que foi lançado o programa “São Paulo Cidade Linda”, pelo recém-empossado prefeito João Dória, diversas discussões, inclusive jurídicas, vem surgindo acerca da criminalização das pichações e do grafite.

Inicialmente, é bom que se diga que pichação e grafite são coisas totalmente diferentes, embora possam ser consideradas por alguns como manifestações culturais.

Nesse sentido, até podemos concordar que o grafite possa constituir manifestação cultural ou artística de um povo, uma vez que existente desde os tempos do Império Romano, ou mesmo como forma de expressão do homem pré-histórico em rochedos e paredes de cavernas.

Pichação, entretanto, não é forma de manifestação cultural e nem artística, constituindo ilícito penal que pode e deve ser punido.

Anteriormente à Lei nº 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais) a pichação era tipificada como crime de dano, previsto no art. 163 do Código Penal (“Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia”), punido com detenção, de um a seis meses, ou multa.

Com a vigência da Lei nº 9.605/98, a pichação foi considerada crime ambiental, sendo que o art. 65, em sua redação originária, equiparava pichação a grafite para efeitos de incriminação, punindo ambas as condutas com detenção, de três meses a um ano, e multa (“Art. 65. Pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano”).

Posteriormente, a Lei nº 12.408/11 veio estabelecer, para fins criminais, a diferenciação entre pichação e grafite, alterando a redação do art. 65 da Lei nº 9.605/98. Foi mantida a criminalização da pichação (“Art. 65. Pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano”), com a mesma pena anteriormente fixada.

Entretanto, a novidade trazida pela Lei nº 12.408/11 foi a inclusão do §2º ao art. 65 da Lei nº 9.605/98, com a seguinte redação:

“Art. 65. (...) § 2º. Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público, com a autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional.”

Vale ressaltar que o legislador considerou o grafite como forma de manifestação artística, desde que realizado com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado, devendo ser consentido pelo proprietário, locatário ou arrendatário do bem privado. No caso de grafite em bens públicos, é necessária a autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais.

Portanto, o grafite, ainda que seja considerado por muitos como manifestação artística e cultural, se subordina a algumas regras legais e administrativas, não podendo o cidadão de bem ser obrigado a tolerar em muro de sua casa ou em monumento público o desvario de um delinquente sem escrúpulos que, longe de ser considerado um Basquiat, se utiliza de pincéis e tintas em spray para manifestar a sua revolta com o mundo e o seu desvalor pelo patrimônio público e privado.

Além do mais, a pichação não constitui, muitas vezes, apenas um ato de rebeldia inconsequente, próprio de adolescentes e de inconformados sociais ou políticos, mas sim a manifestação de verdadeiras organizações criminosas que reiteradamente conspurcam prédios e monumentos públicos e privados, portando armas e utilizando de violência e grave ameaça contra quem ouse lhes fazer oposição.

É importante lembrar, nesse sentido, o lamentável episódio ocorrido na Zona Norte da cidade de São Paulo, em agosto de 2016, no qual o dentista Wellington Silva, de 39 anos, foi brutalmente espancado e morto por um grupo de pichadores que havia acabado de conspurcar o muro de sua casa. Na oportunidade, o pai do dentista, o aposentado Manuel Antonio da Silva, de 76 anos, também foi violentamente agredido, escapando da morte, mas tendo um dos braços amputado, no Hospital das Clínicas de São Paulo, em razão das gravíssimas lesões suportadas.

Em suma, a pichação não constitui manifestação artística ou cultural, mas sim infração penal passível de punição. O grafite, por outro lado, se autorizado e se realizado com o objetivo de valorizar o patrimônio publico ou particular, não constitui infração penal, sempre tendo em vista que a noção do que seja “arte” é extremamente subjetiva, podendo constituir, para os que o apreciam, forma de manifestação artística ou cultural, devendo a sua expressão respeitar os valores que permeiam a sociedade em uma determinada época e os limites para que não se torne uma atividade criminosa. Afinal, a liberdade de gostar ou não de uma obra de arte é um direito indiscutível de quem a vê.


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