Toda semana, tenho muita dificuldade em decidir sobre o que escrever. Não porque falte assunto, mas por haver tanto a dizer que se torna custoso escolher uma só temática. Esta semana não foi diferente: “carinha de faxineira”, sugestão de ação popular para que o Estado não pague indenização às famílias dos presos, notícias de construção de mais estabelecimentos prisionais, dentre outras pérolas. Há muito a ser dito e muito mais a se fazer, evidentemente.
Semana passada, falei sobre alteridade, tema que entendo que precise ser retomado ante os fatos supracitados. O ser humano é cada vez menos humano e cada vez mais competitivo e individualista. Perde os últimos resquícios de sua capacidade de viver em sociedade quando julga alguém pela aparência e, ainda pior, quando tenta ofender outrem lhe atribuindo determinada profissão (atividade, aliás, mais pautada pela ética do que a daquele que a imputa).
Não é possível que alguém perca seu tempo e venha a público incentivar a luta contra os direitos (caso das indenizações) sem que a humanidade esteja se esvaindo entre nossos dedos. Dedos, estes, que ficam cada vez mais sujos de sangue, ao clamar por mais segregações e, consequentemente (embora não necessariamente), por mais estabelecimentos prisionais.
Uma sociedade corrompida pela ganância e pelo desprezo ao outro, ignorando a possibilidade de ver-se naquela mesma situação. Pessoas que não têm um mínimo de respeito com as demais e não se importam de publicizar seus pensamentos, sem medo de qualquer tipo de reprovação.
Na coluna passada, falei sobre Zygmunt Bauman e a cegueira moral, cada vez mais comum e, lamentavelmente, deliberada. Esta semana, foi-se este grande homem, mas ficarem seus ensinamentos. Vivemos um estado de crise, uma crise que envolve todo o sistema social e econômico e, como dizia Bauman, terá efeitos de longa duração. Somos uma sociedade líquida, na qual não têm espaço noções como a de alteridade.
Em uma sociedade como essa, é realmente difícil fazer compreender, por exemplo, que a prisão é só um (talvez o melhor) instrumento capitalista de perpetuação da desigualdade. Por isso, seguimos persistindo nos mesmos erros e esperando resultados parcialmente diferentes. Digo parcialmente porque a segregação social já há e se espera que assim remanesça. Pretende-se tirar o que incomoda do campo de visão, agir como se não existisse ou como se sua presença servisse apenas para a prestação de serviços por baixíssimos valores.
É um processo de higienização e de invisibilização do indesejado, com a naturalização e a banalização de atos discriminatórios. E o que mais impressiona é como esse processo se reproduz com facilidade, como o discurso de “carinha de faxineira” conquista adeptos com rapidez.
Só o conhecimento e a consciência do outro são capazes de enfrentar esses absurdos, transformando a sociedade em um ambiente mais humano e isonômico. Embora a dificuldade esteja em convencer as pessoas dessa necessidade, não se trata de algo impossível. Basta que cada um queira despertar do estado de cegueira em que se encontra, buscando respostas além dos lugares-comuns sensacionalistas e enxergando além do seu próprio umbigo.
Imagem Ilustrativa do Post: (157/365) impatience // Foto de: Britt-knee // Sem alterações
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