Permissão de liberdade provisória e proibição de fiança: velho equívoco que assombra a lei dos crimes hediondos

24/12/2015

Por Alessandro Rodrigues da Silva - 24/12/2015

Dentre as alterações realizadas pela Lei nº 11.464/2007, vale destacar a modificação do artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos), o qual vedava a concessão de fiança e liberdade provisória aos acusados por crimes hediondos e equiparados. Atualmente, devido à citada modificação, subsiste apenas a proibição da fiança, sendo plenamente admitida a concessão de liberdade provisória.

Desta forma, facilmente se percebe o equívoco que assombra a lei dos crimes hediondos no que concerne à inafiançabilidade, na medida em que a referida vedação (de concessão de fiança) acabou se tornando um benefício aos acusados pelos crimes hediondos e equiparados.

Nas palavras de Eugênio Pacelli de Oliveira (2011, p. 574): “Note-se que a liberdade provisória com a proibição da fiança é fruto de delírio legislativo, fundamentado na Constituição da República, que previu a inafiançabilidade para vários e graves delitos.”

Isso porque, vale frisar, se mantém proibida apenas a concessão de fiança, mas plenamente admitida a concessão de liberdade provisória.

Importante lembrar, ainda, que são duas as modalidades de liberdade provisória, com fiança e sem fiança, sendo apenas a primeira vedada pela norma constitucional (artigo 5º, inciso XLIII da Constituição Federal) e pela Lei nº 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos). Nas palavras de Cláudia Barros Portocarrero (2012, p. 94): “A liberdade provisória pode se dar com ou sem fiança, e o que se veda na lei em comento é que se dê mediante o pagamento de fiança”.

Assim, poderá o acusado por uma conduta hedionda livrar-se da segregação cautelar sem a necessidade de pagamento de fiança. Por outro lado, uma pessoa acusada de um crime menos grave, sem caráter hediondo (um furto, por exemplo), poderá ter de si exigido, como condição de liberdade provisória, o pagamento de fiança.

Sobre o tema, afirma Fernando Capez (2012, p. 355):

Em se tratando de infrações inafiançáveis, como crimes hediondos, racismo, tráfico de drogas, etc., não havendo necessidade de prisão preventiva, nem de providências cautelares alternativas, também caberá liberdade provisória. Só que aqui não existe a possibilidade de o juiz optar pela fiança, já que esta é vedada para tais crimes. Em vez de gravame, ao que parece, estamos diante de um benefício: mesmo que o juiz queira impor uma fiança de 200 mil salários mínimos para um traficante, a lei o impedirá, pois se trata de crime inafiançável. Com efeito, essa estranha figura da liberdade provisória sem fiança torna mais vantajoso responder por um crime inafiançável, já que a liberdade provisória, quando cabível, jamais virá seguida da incômoda companhia da fiança.

Isso ocorre por erro do constituinte, o qual vedou apenas a possibilidade de pagamento de fiança, nada dispondo acerca da proibição da liberdade provisória. Destaca-se que a proibição de liberdade provisória foi encartada pela Lei nº 8.072/1990, e não pela Constituição Federal de 1988, que apenas preocupou-se em tornar algumas condutas inafiançáveis.

Neste sentido, leciona Paulo Henrique Aranda Fuller (2013, p. 149):

Como se percebe, a Constituição Federal de 1988 se limitou a proibir a concessão da liberdade provisória com fiança (arts. 323 e 324 do CPP) para crimes hediondos e equiparados ou assemelhados, não impondo qualquer restrição textual ao cabimento da liberdade provisória sem fiança (arts. 310, parágrafo único, e 321 do CPP).

O artigo 2º, inciso II, da Lei 8.072/1990, igualmente estabeleceu apenas a proibição de “fiança”, ou seja, de liberdade provisória com fiança, pois a proibição de liberdade provisória sem fiança, que constava na redação original, foi suprimida pela Lei nº 11.464/07 (FULLER, 2013, p. 149).

Portanto, ao estabelecer a inafiançabilidade dos crimes hediondos e equiparados, e nada dispor sobre a proibição de liberdade provisória, a Constituição Federal acabou criando um benefício processual aos acusados por estas condutas, benefício que não subsiste aos acusados por crimes comuns.

De fato, é um equívoco manifesto que há anos assombra a Lei dos Crimes Hediondos, cuja solução, por ora, é incogitável, considerando a expressa proibição de fiança constante no artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal.


Notas e Referências:

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 15. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

PORTOCARRERO, Cláudia Barros. Leis Penais Especiais Comentadas para Concursos. 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal Parte Geral. v 1, 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

FULLER, Paulo Henrique Aranda. et al. Leis Penais Especiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.


Alessandro Rodrigues da Silva

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Alessandro Rodrigues da Silva é graduado em Direito pelo Centro Universitário Filadélfia (UNIFIL), em Londrina/PR; pós-graduando em Direito Constitucional Contemporâneo no Instituto de Direito Constitucional e Cidadania (IDCC), em Londrina/PR; é Advogado. .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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