PERÍCIA PRÉVIA NOS PEDIDOS DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL

23/08/2018

Coluna Direito Empresarial e Análise Econômica / Coordenador João Carlos Adalberto Zolandeck

Com o advento da Lei 11.101/2005 — Lei de Recuperação Judicial e Falências (LRF)[i] — o processamento do pedido de recuperação judicial ficou disciplinado nos artigos 51 e 52 do diploma legal. Em observância ao procedimento legal, o processamento da recuperação judicial dar-se-á com o pedido formulado pela empresa em dificuldade ao juízo competente.

O pedido de recuperação deve atender a uma série de exigências e ser instruído com documentos que visem demostrar ao juiz as dificuldades econômico-financeiras que a empresa vem enfrentando, assim como a sua capacidade de recuperação.

A disciplina normativa do artigo 51 é clara quanto aos documentos necessários para o deferimento do processamento do pedido de recuperação, seguindo por toda a documentação que deve, impreterivelmente, estar demostrada/anexada à exordial.

Veja-se que a mens legis é esmiuçar ou descortinar todos os pormenores financeiros da empresa em dificuldade momentânea, para que o juízo possa analisar formalmente o preenchimento dos requisitos mencionados em lei, de forma sistêmica, capaz de conhecer, minimamente, a possibilidade de a empresa utilizar-se dos benefícios e submeter-se às obrigações do referido instituto.

Veja-se que a lei não deixou explicitamente clara a possibilidade ou não da perícia prévia, porém, com aplicação da teoria hermenêutica da superação do dualismo pendular do artigo 52, alguns juristas estão inclinados à aplicação da perícia prévia.

Objetiva-se, no presente trabalho, tratar sobre a perícia prévia, relatando como a exceção virou a regra em alguns dos principais Tribunais do País — Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), por exemplo — que já consolidam a jurisprudência de suas câmaras apontando para a necessidade da perícia prévia.

O trabalho visa, igualmente, mapear os reflexos da oscilação das decisões entre os Tribunais Pátrios e da insegurança jurídica pela falta de unicidade do ordenamento jurídico.  

Conforme dito acima, a LRF estipulou, nas disciplinas dos artigos 51 e 52, os pressupostos para a análise e deferimento do pedido de recuperação judicial. Antes de adentrar a previsão legal, esclarece-se, com os ensinamentos de BEZERRA FILHO[ii] sobre o instituto da recuperação judicial:

a recuperação judicial destina-se às empresas que estejam em situação de crise econômico-financeira, com possibilidade, porém, de superação; pois aquelas em tal estado, mas em crise de natureza insuperável, devem ter sua falência decretada, até para que não se tornem elemento de perturbação do bom andamento das relações econômicas do mercado. Tal tentativa de recuperação prende-se, como já lembrado acima, ao valor social da empresa em funcionamento, que deve ser preservado não só pelo incremento da produção, como, principalmente, pela manutenção do emprego, elemento de paz social.

Como visto, a recuperação é destinada àquelas empresas que apresentem capacidade mínima de recuperabilidade; não foi acaso que, sem adentrar os pormenores que levam à avaliação da recuperabilidade de uma empresa, o autor faz menção clara à palavra “superação”.

Em linhas gerais, a LRF disciplina — no artigo 51 — que o pedido de recuperação judicial deve vir acompanhado de documentos (obrigatórios), para análise do juízo, tais como: demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais, balanço patrimonial, demonstração financeira e de resultados, fluxo de caixa e afins.

Em detida análise da disciplina do referido artigo, tem-se uma série de requisitos necessários para que seja deferida a recuperação judicial, tais exigências visam a verificação mínima das condições da recuperação judicial.

Não se pode olvidar que a decretação do processamento da recuperação é um dos momentos mais importantes do procedimento, vez que, determinado o processamento da recuperação, vem o período denominado como stay period, compreendido como o período em que a empresa em recuperação — comumente denominada recuperanda — permanece sob uma proteção legal, e os credores têm a limitação de exercer seus direitos creditórios.

Igualmente, estando os documentos em ordem e anexados à exordial, a lei determina que o juízo defira o processamento da recuperação judicial. Nos moldes do artigo 52 da LRF, in verbis: Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato: (...)”.  

Sem prejuízo dos entendimentos que divergem da interpretação formal da disciplina legal, a norma, em nenhum momento, faz menção à perícia prévia, portanto, a aplicabilidade de tal medida está à margem do que determina a lei.

Em artigo publicado anteriormente nesta Coluna (19/04/2018), intitulado “a desnecessidade de comprovação da regularidade tributária para fins de homologação do plano de recuperação: uma reflexão sobre a conduta do fisco”, já foram feitas ponderações críticas sobre a exigência aqui comentada, entre outras, que não decorrem do texto legal, acarretando ineficiência da prestação jurisdicional ab initio, pois se trata de mais uma barreira imposta à empresa que repercute no preceito constitucional de acesso à justiça.

Ressalva-se, porém, que não há, ainda, uma consolidação plena sobre a obrigatoriedade pautada, como se poderá observar dos julgados díspares abaixo indicados.

Apesar de não ter uma previsão clara e expressa na LRF, a perícia prévia vem sendo comumente utilizada por alguns juízes.

A principal justificativa para realização da perícia prévia estaria na necessidade de confirmar, concretamente, a real situação econômico-financeira da empresa, vez que muitas recuperações judiciais, após uma verificação mais atenta, mostraram-se fraudulentas ou não tinham, as respectivas empresas, condições de recuperabilidade – sendo, portanto, caso de falência.

Dentre as muitas justificativas elencadas nas decisões judiciais, a que ganha destaque é a dificuldade técnica do juiz em analisar os documentos contábeis — citados na disciplina do artigo 51 da LRF — vez que ele não possui formação contábil, administrativa e/ou econômica para realizar tal análise, salvo exceções.

Foi então que as primeiras decisões — de que se tem conhecimento — foram proferidas na 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, em que o D. Juízo se utilizou da perícia prévia para analisar a recuperabilidade das empresas, baseando a sua decisão de processamento na perícia apresentada pelo expert.

Quando tais decisões foram apreciadas pelo E. Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), as Câmaras Reservadas de Direito Empresarial foram no sentido de manter a decisão da realização da perícia prévia. Citam-se os julgados: (i) Agravo de Instrumento nº 0194436-42.2012.8.26.000 – 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial e; (ii) Agravo de Instrumento nº 2008754-72.2015.8.26.0000 – 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial.

Assim como no TJSP, outros julgados foram sendo referendados pelos Tribunais, neste sentido, cita-se o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, Agravo de Instrumento nº 4005558-80.2016.8.24.0000, Câmara Especial Regional de Chapecó.

No sentido oposto, há também outros entendimentos que já se posicionaram de forma divergente; citam-se: (i) Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Agravo de Instrumento nº 0012183-71.2018.8.19.0000 — 25ª Câmara Cível; e (ii) Tribunal de Justiça do Paraná, Agravo de Instrumento nº 1739845-9 — 18ª Câmara Cível.

Sabe-se que o pedido de recuperação judicial está atrelado a uma série de fatores externos e determinantes à recuperação. Veja-se que não só é necessária a análise de uma superação da crise financeira momentânea, mas depende-se, também, de fatores externos à contabilidade de uma empresa, tais como: contexto econômico-financeiro, políticas públicas do Estado, programas de refinanciamento de dívidas, investimentos e gestão de riscos.

 Noutro aspecto, não se pode olvidar o princípio da preservação da empresa e todos os reflexos que ele carrega, tais como a geração de emprego e renda, capacidade de fomento da economia e demais fatores atrelados aos listados anteriormente.

Neste sentido, entende-se que o julgador está adstrito a uma análise formal acerca das exigências trazidas no art. 51, não sendo recomendável — ao arrepio da lei — caso preenchidos estes requisitos, indeferir o processamento da recuperação judicial ou condicioná-lo a outra circunstância qualquer, tal como a realização de uma perícia.

Interpretar de forma diversa significará criar uma insegurança jurídica, vez que não pode o julgador indeferir o processamento de uma recuperação com base na exigência de perícia prévia.

Ressalte-se que, deferido o processamento da recuperação, caberá ao administrador judicial nomeado tomar pé em todas as situações contábeis da recuperanda, sendo possível, inclusive, o uso da perícia contábil.

Por fim, pondera-se que a ideia de se realizar a perícia prévia pode contribuir para uma interpretação mais acurada, pelo juiz, no que diz respeito à interpretação dos documentos contábeis, sendo, excepcionalmente, admitida, em caso muito particular, porém, desde que haja alteração legal específica para tal, que contemple não apenas o método que será utilizado, mas também a metodologia melhor para aferição do resultado, com base na experiência do expert.  

 

Notas e Referências

[i] BRASIL. LEI Nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11101.htm>. Acesso em: 21 ago. 2018.

[ii] BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005: comentada artigo por artigo. 12.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 156.

 

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