Pensamento Pós-Hermenêutico: um contraponto cibernético à subcultura da interpretação - PARTE I

19/07/2022

Em geral, quem diz que interpreta postula a existência de um mundo transcendente e independente de si, ao qual, presumivelmente, tem acesso privilegiado. Desde sua gênese, essa é a condição hermenêutica em que se sustenta a arte de interpretar. O “ínclito Hermes [sic] arauto dos imortais” (HESÍODO,1995), que, não por acaso, empresta seu nome à atividade interpretativa, sempre foi como tal reconhecido por seu sagrado dom de captar mensagens dos Deuses Olímpios e entregá-las traduzidas à compreensão humana.

Eis, portanto, a estrutura do argumento. Mesmo que tente ocultar a pretensão, a ambição de todo hermeneuta é tornar-se cover de Hermes, uma imitação do deus pagão que chegou a ser “comparado, pelos primeiros Padres da Igreja, a Cristo” (ELIADE, 1978, p. 110).   E, realmente, se outro fosse o objetivo do exegeta, sua existência tampouco teria razão de ser, pois somente aos deuses é dispensada a graça da interpretação. Seres vivos, por não distinguirem entre ilusão e percepção no instante da experiência – veremos – não estão condenados a interpretar.

Nada obstante, a origem de Hermes remonta pelo menos à Idade do Bronze (RADULOVIĆ et al., 2015), ou, mais precisamente, ao séc. XV a.C., quando aqueus indo-europeus, depois de suplantarem a civilização minoico-cretense, impuseram à Hélade a cultura micênica. Descobertas arqueológicas recentes mostram que quase todo panteão olímpico grego, inclusive Hermes, já era venerado muito antes das epopeias homéricas e da Teogonia de Hesíodo[1]. Sendo assim, hoje, passados 3,5 milênios de sua provável epifania, não seria sensato recusar valor ao mensageiro dos deuses e, menos ainda, utilidade comunicativa a seus atributos.

Sem dúvida, no passado, ao menos desde Platão, proclamado o primeiro intérprete ocidental,[2] e do hercúleo esforço literário e filosófico dedicado ao tema há pelo menos 2.350 anos, a interpretação cumpriu uma importante função simbólica ao longo do processo de consolidação do patriarcado e, hodiernamente, segue muito bem, apetecendo seus desígnios exegéticos e filosóficos, mesmo a despeito dos mais recentes avanços científicos no campo da biologia. Ouso, nada obstante, lançar a seguinte pergunta: no atual estádio do conhecimento, interpretar é necessário? Faz falta interpretar?

A meu ver, não! Isso, porém, não é tudo. Parafraseando o general romano Pompeu, ouso inverter os sinais para afirmar que viver é preciso; interpretar, jamais.[3] Ou melhor, sem meias-palavras, sustento que o ato de interpretar, por não satisfazer o critério de validação das explicações científicas,[4] não é sequer possível. Pelo fato de, contudo, aceitar que o erro ou equívoco não se refere a algo em si bem como que não existe aprioristicamente, antes de explicitar essa proposição, desde logo, desejo alinhavar um breve esclarecimento.

 

1. Aspectos metodológicos: ponto de partida

A condição hermenêutica a que me referi há pouco e que será devidamente explicitada mais adiante não tem a ver com um conceito, um princípio ou uma definição. No espaço reflexivo do Pensamento do Sul do Mundo (PSM),[5] não operamos com essas categorias, ainda que de seus valores comunicativos façamos uso eventual no domínio descritivo como uma espécie de licença poética, no sentido de que distinguimos certo fenômeno num âmbito qualquer, mas o apresentamos noutro que adquira uma nova presença ou maior perceptibilidade (CONVERSANDO ..., 2014).

Por isso, de logo, antecipo que o ponto de partida do reflexionar cibernético bioculturofenomenológico é a vivência-convivência humana. Nesse caso, a condição hermenêutica não aparece aqui associada a algo independente de nossa experiência, porque desta resulta como uma matriz sensório-operativo-relacional que abstraímos, desde um olhar analógico-sistêmico,[6] na forma de um bloco de proposições acolhido pelo Pensamento do Norte do Mundo (PNM),[7] dentre as quais:  a) a hipótese de que os seres humano são sistemas abertos; b) a ideia de que as interações linguísticas são informativas; c) a suposição de que o sistema nervoso humano opera com representação do meio; d) a crença na possibilidade de que o entorno ambiental instrui os sistemas viventes etc.

De antemão, com fundamento nos aportes científicos entregues pela Biologia do Conhecimento, também adianto que a condição hermenêutica é insustentável no atual estado da arte. E o fato de tê-la sido por mais de 2.400 anos não invalida essa percepção. A concepção ptolomaico-geocêntrica do Universo, conquanto tenha prevalecido por mais de 1.300 anos, acabou não resistindo à argúcia heliocêntrica do polonês Copérnico. Essa, talvez, tenha sido uma das evidências ─ de um enorme conjunto ─ que ajudou Gregory Bateson (BATESON, 1978, p. 484, tradução livre) a propor a hipótese de que “há uma ecologia de ideias tóxicas, assim como há uma ecologia de ervas daninhas, sendo a propagação do erro básico uma propriedade do sistema”[8].

Sem embargo, veremos que a humanidade de um ser vivo Homo sapiens-amans não se encerra em sua dimensão material (fisiológica). Pelo contrário, emerge quase que completamente de sua dimensão relacional, enquanto flui recursiva e recorrentemente no conversar. O que chamamos de humanidade, estritamente, não é senão um aspecto do conviver cotidiano entre seres humanos. A humanidade só é perceptível na relação entre seres vivos que realizam e conservam seu modo de vida na linguagem, motivo pelo qual somos seres biológico-culturais.[9]

Por conta disso, então, como pretensa atividade humana, que sucede no domínio relacional da existência humana na forma de uma rede de conversações (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2011), antolha-se inconcebível qualquer mirada sistêmica sobre a interpretação que ignore sua dimensão cultural. É que, se não há seres humanos convivendo num vazio relacional, se o habitar humano dá-se sempre intrafronteira numa rede fechada de conversações, que evocamos com a palavra cultura, não faz nenhum sentido admitirmos a existência de atividades humanas extrafronteiras à arquitetura dinâmica da unidade ecológica organismo-nicho, sem incidir em escancarado reducionismo.

Não importa se no domínio do PNM o aspecto cultural do comportamento humano é ativamente negligenciado. Atrevo-me a desconfiar, por sinal, que se trata de irrenunciável estratégia de autossalvação. E isso fica perceptível no modo como a doutrina religiosa, a literatura, a tradição filosófica descrevem e apresentam a atividade hermenêutica, associando-a primariamente ao étimo do vocábulo Hermes, como se o mensageiro do panteão helênico pudera ser reduzido à pobre dimensão semântica ou simbólica de um nome próprio.

Assim sendo, para manter-me coerente com as consequências decorrentes da abordagem cibernética e bioculturofenomenológica que aplico nesta tarefa reflexiva, submeto a atividade interpretativa e, em particular, a condição hermenêutica, ao teste da tríplice validação do fenômeno humano. O objetivo dessa operação é verificar se, de fato, a condição hermenêutica é compatível ou não com a natureza dos seres viventes antropoecológicos[10]. E, de saída, se aceita a hipótese maturaniana da determinação estrutural[11] dos sistemas autopoiéticos moleculares, a conclusão será, aparentemente, negativa.

De qualquer modo, mesmo que não possa ancorar-se na dimensão física ou material dos seres humanos, não posso ignorar que o ato de interpretar tem uma história particular de, pelo menos, 2.400 anos. Há nele, portanto, algum viés cultural à espera de uma investigação séria e multidimensional. Por conta dessa possibilidade, enceto uma revisão histórico-evolutiva da cultura patriarcal europeia, buscando detectar a existência de alguma relação entre a origem da atividade interpretativa com a epifania do deus Hermes em algum momento da Grécia pré-homérica.

Na sequência, exporei algumas implicações bioculturais e consequências práticas decorrentes da atividade hermenêutica, desde sua provável origem rudimentar no seio da civilização micênica introduzida na ilha de Creta por tribos pastoris indo-europeias procedentes das estepes russas.[12] Além de expor as vísceras sagradas e potestativas da hermenêutica, este desenvolvimento objetiva também descortinar a hipocrisia, o caráter normativo e autoritário que a palavra interpretação oculta nas relações humanas.

No evolver dessa reflexão sobre o Pensamento Hermenêutico (PH), pretendo também escancarar que as precondições necessárias à prática da interpretação estão ausentes de nosso viver cotidiano hodierno, pois é fato biológico que os seres humanos ouvem desde si; não podem determinar o que os outros ouvem; não distinguem entre ilusão e percepção no fluxo da experiência; limitam-se a desencadear no ouvinte um processo de escuta sem ter acesso prévio ao critério de validação, visto que as interações linguísticas são intrinsecamente não informativas.

Como mais logo veremos, a condição hermenêutica postulada pelo PNM, em particular pela filosofia hermenêutica (Heidegger), pela hermenêutica filosófica (Gadamer) e pela filosofia da linguagem (Wittgenstein), mostra-se insustentável do ponto de vista biológico, a menos que algum hermeneuta nos oferte a contraprova de que não opera como ser vivo bem como que seu sistema nervoso capta informação do meio. Se isso não for possível, nada impede que o hermeneuta siga interpretando, todavia sabendo doravante de que não está condenado a fazê-lo.

Com efeito, as considerações preliminares que fiz agora há pouco a respeito da humanidade do Homo sapiens-amans para reafirmar sua tríplice dimensão bioculturofenomenoló­gica não são triviais. Fi-lo porque, no viver e conviver dos seres humanos, o que não ocorre na linguagem não diz respeito à atividade humana (MATURANA, 2003, p. 94). A biologia nos mostra que a humanidade não se encerra na corporalidade. Esta apenas sinaliza a possibilidade do humano e não é causa de seu comportamento. Em assim sendo, qualquer Homo sapiens-amans somente se torna humano quando acoplado ao domínio relacional próprio dos humanos.

Outra relevante condição ainda subsiste, entretanto. Para que tal acoplamento relacional se viabilize, necessária se faz a mediação da linguagem[13], que, num sentido antropológico, além de conotar a origem do humano como tal, consegue arrancar do âmbito da pura estrutura material a biologia humana e, no domínio desta, incluir uma estrutura conceptual, fazendo possível um mundo de descrições em que o ser humano pode conservar, plasticamente, sua organização e adaptação (MATURANA, 2003, p. 83, tradução livre).

Sem embargo, apesar de ter me dado conta de que a interpretação funciona como um truque epistemológico tendente a mascarar desejos, ganas e preferências de quem dela faz uso desde um suposto pano de fundo racional, haverei de reconhecer que sua particular história não pode ser ignorada. De fato, para tê-la como inútil, a hermenêutica não poderia agradar a tanta gente. Sou forçado a admitir, no entanto, que a atividade interpretativa é praticada em pelo menos 193 países – nas instituições de ensino, nos meios de comunicação, em todos os centros de investigação e produção acadêmica do mundo, nos parlamentos, nas igrejas, nos congressos, na literatura, ciência, filosofia, enfim.

Seja como for, o fato de ser aceita por tanta gente não invalida a conclusão de que a condição hermenêutica é inviável epistemológica e ontologicamente, como será visto mais adiante. Nada é um mal em si, inclusive a interpretação – que mata, é verdade, mas também salva. Sucede que algo é um recurso ou uma oportunidade se o desejamos como tal. São as preferências e os desejos que movem os seres humanos. Assim como uma enfermidade, também a hermenêutica é passível de desejo ou repulsa. Quanto a mim, ao fim desta reflexão, postulo reduzi-la a uma narrativa inerente ao discurso matriarco-patriarcal hegemônico, desde a epifania de Hermes na Grécia Antiga.

Por conta dessa opção metodológica, rejeito de plano os enfoques convencionais de investigação científica, entre os quais o quantitativo e o qualitativo, bem como seus correspondentes marcos de referência (realismo [interno ou externo], construtivismo, positivismo, neopositivismo, pós-positivismo, fenomenologia [transcendental], interpretativismo, hermeneutismo, estruturalismo, pós-estruturalismo). A razão desse rechaço em bloco é singela: todos esses constructos teóricos, mutatis mutandis, subordinam-se à condição hermenêutica, na medida em que supõem a existência da realidade com independência da origem do observador multissensorial.[14]

Se não me equivoco, então, no domínio do PNM, a questão da interpretação tem conotação ontológica por achar-se atrelada à pergunta pelo ser, assumida desde sempre pela tradição filosófica. Sucede que a opção deste trabalho é outra. Ao abordar a condição hermenêutica, não perguntarei o que é a interpretação ou a exegese, mas sim como esse fenômeno aparece configurado no viver cotidiano do observador enquanto este opera na linguagem distinguindo algo. A presente reflexão desenvolve-se, portanto, no plano epistemológico do fazer, perguntando como fazemos o que dizemos que fazemos, e não no do ser ou dever ser.       

Pretendo levar a efeito os objetivos deste estudo, empreendendo uma pesquisa de natureza predominante não experimental, teórica e diacrônica. Ressalvo, porém, que faço uso da palavra teoria, desde meu domínio reflexivo, apenas por seu valor comunicativo, e não explicativo, tendo em vista que aqui assumo a noção de realidade como singela proposição explicativa, sem qualquer pretensão denotativa, ainda que, da posição externa de um observador, possa cogitar tal possibilidade a despeito da intrínseca determinação estrutural de todo sistema vivente.

Para satisfazer essa condição propositiva, lançarei mão de pesquisa bibliográfica centrada em fontes primárias físicas, eletrônicas e digitalizadas, bases de dados online de bibliotecas, repertórios jurisprudenciais, jornais, revistas especializadas físicas e eletrônicas, artigos científicos e filosóficos, referências que venho coletando e revisando ao longo dos últimos dez anos, tendo em conta sua relevância como fontes e a evolução do fenômeno analisado desde a epifania de Hermes por volta do séc. XV a.C. E dessa particular circunstância irrompe a dimensão diacrônica deste estudo.

Não posso deixar de reconhecer também que o acesso direto a obras clássicas e documentos históricos estrangeiros originais, como o “De revolutionibus orbium cœlestium” (COPERNICI, 1543) e os “Canones et decreta Sacrosancti oecumenici et generalis Concilii Tridentini” (CONCILIO DE TRENTO, 1564), só foi possível – desde o Sertão da Bahia, esta parte sagrada do semiárido nordestino brasileiro – graças à internet, recurso que, atualmente, já consegue pôr nas mãos da comunidade acadêmica as mais tradicionais bibliotecas do Planeta. Por isso, atribuo a viabilidade deste estudo ao milagre cibernético, a despeito do meu esforço pessoal empreendido.

Por fim, com objetivo de otimizar a leitura e emprestar maior eficácia ao aspecto comunicativo do discurso, opto por citar diretamente no corpo deste ensaio a tradução das fontes bibliográficas publicadas em idiomas estrangeiros, lançando os correspondentes textos originais em notas de rodapé. Embora pareça banal, esta singela providência busca ajustar-se à escassez de tempo e não menos à agilidade interativa, aspectos os quais sublinham a dinâmica relacional humana na hodierna sociedade do conhecimento.

 

1.1 A propósito da (não) neutralidade

Apresso-me em deixar claro que não busco com minhas proposições, lançadas aqui e agora, suplantar o que foi dito em algum momento histórico por nossos antepassados, menos ainda postulo menoscabar quem, no presente momento cultural, opta pelo negacionismo científico, sustentando o imponderável ou marchando na contramão da história. Ao longo desta trilha reflexiva, não será difícil compreender que muito do que proporei sobre a questão da interpretação talvez não tenha sido mesmo possível fazê-lo em outro momento, em virtude da circunstancial limitação do estado da arte.

Por fim, devo reconhecer que sempre estarei em dívida com nossos antepassados, pois entendo que o conhecimento resulta sempre de um processo em que, de algum modo, experiências pretéritas conservam-se no presente. Então, se me recuso a ignorar que não sei a priori se mais tarde validarei ou não uma experiência que acabo de vivenciar; que todo ser vivo é determinado pelo estado de sua estrutura (DÁVILA; MATURANA, 2019), assim como que o dito é sempre dito na linguagem por um observador multissensorial, a si mesmo ou a outrem (MATURANA, 1970),[15] não vejo como praticar presunçosa impessoalidade apenas falando como terceira pessoa.

Por isso, entendo oportuno declarar, de antemão, minha opção por falar desde mim mesmo, na primeira pessoa. É a maneira que encontro para assumir, de forma transparente, a responsabilidade pelo que faço, sinto, digo ou escuto ao longo destas páginas, ainda quando entenda oportuno deitar luzes da ciência ou da filosofia sobre meus próprios argumentos. Assumo esta atitude apenas para ser rigoroso e coerente com os fundamentos bioculturais do humano, pois quem admite a determinação estrutural dos sistemas autopoiéticos sabe que todo ser vivo é seletivo, inclusive o hermeneuta cioso da transcendental objectivity[16], tenha ou não consciência dessa condição existencial.

É por essas e outras razões mais adiante explicitadas que o objetivo deste trabalho transcende as históricas fronteiras discursivas nas quais se encerra o dominante mainstream thinking[17], aqui etiquetado, lato sensu, de Pensamento do Norte do Mundo (PNM), ou Pensamento Hermenêutico (PH), em particular. Efetivamente, pretendo avançar um pouco além do trivial; ou melhor, da normalidade ou certeza de que seres humanos interpretam. Por isso, ao invés de manter-me no chão da crítica às insuficiências dos métodos exegéticos ou então da exaltação às virtualidades da emergente hermenêutica filosófica, centrarei atenção não só na inviabilidade epistêmica mas também na face obscura da hermenêutica.

Sustento, de fato, e já fazendo uso de um surrado lugar-comum, que, quem diz que interpreta algo faz muito mais do que supõe a nossa vã filosofia, porque, consciente ou inconscientemente, além de manifestar adesão a um modo de vida associado à competência, à hierarquia, ao controle, à desconfiança, à dominação do outro, à autoridade, muitas vezes ocultos nos palimpsestos da cultura patriarcal europeia, revela caliginosa indiferença por padrões alternativos de relações humanas focados no respeito por si e pelo outro, na confiança, honestidade, autonomia, cooperação e democracia.  

Então, repito que, de fato, escapa à pretensão deste esforço reflexivo qualquer tipo de sanha emulativa. Por outras palavras, reitero meu reconhecimento a nossos antepassados, assim como aos contemporâneos, que falaram ou permanecem falando desde suas próprias derivas ontogênicas,[18] no curso de uma rede fechada de conversações (cultura) constituída por coerências operacionais incompatíveis com o espaço relacional em que se desenvolve este trabalho. Suspeito que o repisamento desse enfadonho confronto de paradigmas, como se houvera maneiras de pensar melhores que outras, nada acrescenta ao saber, a não ser mais obscuridade e ódio.

Na realidade, pouca ou nenhuma diferença faz se o pensamento convencional desagrada alguém, porque também é imperativo reconhecer que o modo de viver e conviver patriarcal europeu segue agradando praticamente a toda a humanidade, a despeito de suas peculiaridades opressivas e antidemocráticas. Ademais, para confrontar qualquer cosmovisão, este trabalho teria que se submeter às estruturas compreensivas de sua rede de conversações, já que configuraria contrassenso desafiá-la a partir de um domínio reflexivo diferente, centrado em coerências, cujos vetores operacionais e relacionais apontam para relações humanas opostas.

Por conta dessa limitação, talvez mais propriamente de natureza ética que epistemológica, restrinjo-me a propor uma panorâmica revisão na coluna vertebral do Pensamento Hermenêutico (PH), expressão da Escola de Pensamento do Norte do Mundo,[19] objetivando revelar-lhe o viés interpretativo (exegético ou hermenêutico), que, a meu ver, traduz uma das coerências operacionais inerentes à cultura patriarcal europeia dominante, em cujo espaço relacional o truque da interpretação tem lugar privilegiado.

 

1.2 Conteúdo

Quando decidi reflexionar sobre a atividade interpretativa, me deparei com algumas dificuldades de ordem expositiva. Num primeiro momento, pensei em adotar uma postura reativa ante um problema que me perturba, desde os primeiros passos escolares, simplesmente atacando os fundamentos da noção de interpretação, com o objetivo de escancarar sua inconsistência ontológica e epistemológica. Essa atitude, sem dúvida, ser-me-ia a mais cômoda, pois me ofereceria ganho de tempo na pesquisa e a possibilidade de escapar às limitações de espaço.

Dei-me conta, entretanto, de que a opção pelo conforto me levaria a fazer mais do mesmo: talvez novas críticas a algo que já vem sendo criticado com muita propriedade há séculos. Essa escolha não me pareceu adequada, por estimular a improdutiva pavonice intelectual, o confronto pela apropriação da verdade, levando-me a incidir nas mesmas contradições emocionais que povoam a rede de conversações em que nos encontramos imersos desde sempre.

Por conta disso, tendo chegado à conclusão de que não seria razoável, tampouco sério, propor uma maneira alternativa de pensar sem antes descortinar as inconsistências e malefícios da tradição pensante hegemônica, resolvi sacrificar a forma deste trabalho em favor do conteúdo, no intuito não só de reexaminar criticamente a condição hermenêutica mas também de oferecer-lhe uma solução credível, centrada nos mais recentes avanços científicos propostos pela Biologia-Cultural chilena. 

Diante disso, apenas por razões editoriais, a totalidade do presente trabalho é levada à publicação em seis partes, para dar conta do conteúdo de dois eixos temáticos interrelacionados: um que denomino Pensamento Hermenêutico (PH), expressão da cosmovisão tradicional legada pela cultura patriarcal europeia do Norte do Mundo, e outro Pós-Hermenêutico (PP-H), centrado no resgate das coerências operativo-relacionais da cultura matrística pré-patriarcal europeia, assumidas pela sul-americana Escola de Pensamento do Sul do Mundo.

Nesta primeira parte (I), abrirei a reflexão contextualizando a atividade interpretativa no domínio da tradição pensante ocidental, chamando a atenção para o arrimo epistemológico que a mantém de pé: a suposição de uma realidade apriorística, ontológica e preexistente à origem do observador, que, neste trabalho, rotulo de condição hermenêutica, cujo valor explicativo submeterei ao teste dos acontecimentos, este centrado nos fundamentos biológico-culturais do humano, proposto e esboçado ao longo da exposição nas partes II, III, IV, V e VI.

Na parte II, enceto uma revisão histórico-evolutiva da cultura patriarcal europeia, buscando associar a origem da atividade interpretativa à epifania do deus Hermes, o arauto dos mortais no panteão helênico, ocorrida, provavelmente, por volta do séc. XV a.C., depois da queda da civilização minoico-cretense, desencadeada por tribos pastoris indo-europeias procedentes das estepes russas. Além de expor as vísceras sagradas e potestativas da hermenêutica, esse desenvolvimento objetiva também descortinar a hipocrisia, o caráter normativo e autoritário que a palavra interpretação oculta nas relações humanas.

Concluo na parte III a reflexão sobre o PH, redefinindo a natureza do ato interpretativo para considerá-lo mero aspecto do viver cotidiano humano – centrado nas coerências operacionais e relacionais da rede de conversações patriarcais em que a humanidade se encontra imersa, atualmente. Constatada a inviabilidade da interpretação no plano cognitivo humano, com base na argumentação desenvolvida nas partes I e II, proponho caracterizá-la como uma coerência operacional ou narrativa, peculiar à cultura patriarcal europeia.

Sem embargo, tendo me dado conta de que a interpretação funciona como um truque tendente a mascarar desejos, ganas e preferências de quem dela faz uso, sob um presunçoso pano de fundo racional, da quarta parte em diante, avançando no eixo temático do PP-H, proponho alguns ajustes terminológicos à abordagem cibernética, com o objetivo de abrir espaço para um modo de pensar alternativo, edificado sobre os pilares da epistemologia unitária de Santiago do Chile.

Na parte IV, descrevo e evoco com o vocábulo Bioculturofenomenologia minhas abstrações e experiências a respeito desta particular abordagem cibernética e pós-hermenêutica da realidade, com pretensão super-realista. Não o faço, porém, do real transcendente, preexistente à origem do observador multissensorial, tal como concebido pela tradição ocidental, mas sim da realidade experiencial evanescente que emerge das recursivas diferenciações levadas a efeito pelos seres humanos, enquanto operam como observadores na linguagem, coordenando, consensualmente, sentimentos, fazeres e emoções.

Abro a parte V bosquejando sinteticamente alguns antecedentes do Pensamento do Sul do Mundo (PSM), com foco na evolução do pensamento do biólogo Humberto Maturana em parceria com a epistemóloga Ximena Dávila. Na sequência, devido à centralidade da diferenciação no âmbito do PP-H, busco reavivar as fronteiras operacionais das noções de razão, emoção e sentimento. Por derradeiro, após analisar, discutir e rejeitar os conceitos filosóficos de objetividade transcendental, intersubjetividade e subjetividade, trago à baila o rebate de Maturana à teoria sistêmica e social do sociólogo alemão Niklas Luhmann.

Por fim, entrego a presente reflexão na parte VI, em cujo texto retomo a discussão sobre a natureza do fenômeno linguístico iniciada nesta parte, mostrando que a noção de linguagem simbólica – concebida como um sistema de signos – diz respeito ao reducionismo fenomênico conservado ao longo dos tempos, para atender às necessidades discursivas do padrão hermenêutico de pensar, pois, mesmo que signos, palavras, símbolos expressem modos de os seres linguajeantes fluírem no linguajear[20], suas funções são, basicamente, evocativas de coordenações consensuais recursivas de sentimentos, fazeres e emoções, que os antecedem no tempo e no espaço.

Com efeito, sustento que a noção de linguagem, enquanto coderiva do viver cotidiano de todos os seres antropoecológicos não é um engenho humano, uma tecnologia, tal como a escrita desenvolvida pelos sumérios há 4.000 anos a.C., tampouco encerra um sistema. Cuida-se do modo de viver constitutivo do humano, que começou a conservar-se há 3,5 milhões de anos, no seio familiar de nossos ancestrais primatas bípedes. Antes desse marco, as condições para emergência da linguagem e, consequentemente, do Homo sapiens-amans amans[21], tal qual o concebemos hoje, ainda não se faziam presentes.

É também na última parte deste trabalho que abordo e discuto a noção maturaniana de interobjetividade, proposta com o intuito de evocar a emergência dos entes, objetos, coisas, fenômenos, situações, estados, acontecimentos, processos, dinâmicas, os quais, da perspectiva do observador multissensorial, formam o cosmos, o mundo, a realidade que nos envolve. Veremos, porém, no curso da aplicação deste enfoque bioculturofenomenológico, que tudo isso dispensa apego a supostos apriorísticos e ontológicos, porque, estritamente, nada preexiste à origem do observador, inclusive os hermeneutas e a interpretação.     

 

1.3 Marco teórico

As três partes iniciais desta tarefa reflexiva serão dedicadas à explanação e discussão do PH, sob as luzes da teoria da Transformação Cultural[22], desenvolvida pela cientista e historiógrafa austríaca Riane Eisler (1987, p. XVII), secundada por relevantes autores consagrados no espaço cultural eurocêntrico. Na sequência, da parte IV em diante, sob os auspícios da biologia-cultural chilena (DÁVILA; MATURANA; 2021, 2019, 2015b e 2008), suporte epistemológico do PSM, apresentarei um esboço da emergente concepção cibernética bioculturofenomenológica da realidade, como alternativa pensável e pensante, em espaços relacionais democráticos. 

 

1.4 Justificativa

A presente recursão reflexiva[23] justifica-se por vários motivos. De todo modo, a meu ver, o principal deles é o de que, de modo geral, as pessoas aceitam a atividade hermenêutica muitas vezes sem saber que o ato de interpretar é biologicamente interditado aos seres humanos, fenômeno exatamente contrário ao que imaginavam nossos antepassados e, atualmente, ao que pensa a generalidade dos hermeneutas contemporâneos, em particular os filósofos, operadores do direito e educadores, que, ingenuamente ou não, difundem a falsa ideia de que estamos condenados a interpretar.[24]

Em contrapartida, à luz de uma abordagem bio-culturo-sistêmico-cibernética proporei uma alternativa a esse tipo de percepção estrábica, na esperança de que possa entregar à comunidade pensante e pensadora, no mínimo, uma inusual contribuição à ciência. E, por se tratar de reflexão desafiadora, em virtude do marco teórico encampado, serei forçado a estender-me em algumas considerações científicas e filosóficas sobre noções pouco afeitas ao PNM. Por derradeiro, como parte desse esforço elucidativo, proponho, na parte VI deste estudo, um glossário inspirado nas categorias propostas pela Biologia-Cultural chilena ainda pouco difundidas nos espaços científico e filosófico.

 

1.5 Fundamentos biofilosóficos

De logo, anoto que o presente esforço reflexivo será guiado pela emoção de explicar a realidade como experiência fenomênica, ou matriz de coerências sensório-operativo-relacionais, que emerge na linguagem durante o operar do observador multissensorial, na medida em que este interatua naquela, distinguindo formas em meio ao cambiante e contínuo fluxo do devir humano, implicado na relação operacional da unidade ecológica organismo-nicho.

Em virtude dessas opções, evitarei me render a qualquer tentação ou aventura interpretativa, quer de um mundo achado, preexistente ao observador,[25] quer de um mundo construído com dados achados em tal mundo pelo observador[26], quer pela suposta interpretação desse mundo[27] preexistente e/ou construído com dados precedentes ao observador, tal como propõem a tradição metafísica e, em certa medida, as filosofias hermenêuticas e da linguagem, cujas ilações se articulam, implícita ou explicitamente, em torno do par filosófico fato/valor (ser [sein]/dever ser [sollen]).[28]

Assim, a quem insista em acessar as estruturas ônticas e/ou gramaticais da realidade, sugiro que permaneça na usual caixa de pensamento (“box of thinking”),[29] moderna e/ou pós-moderna,[30] posto que este trabalho, no intuito de exorcizar a cegueira culturopatriarcal que nos obnubila e embrutece, ancora-se em outro referente epistemológico, constitutivo de uma outra maneira de pensar (“another box of thinking”), em cujo domínio “tudo que é dito é dito por um observador [a si mesmo ou a outrem]”[31] (MATURANA; POERKSEN, 2011, I, 1., p. 1, tradução nossa).

Então – porque também importante –, vale destacar que,  neste estudo, a proposta de abordagem sistêmica e cibernética da realidade não se dará nos moldes do convencional PNM ("thinking in the box"), tampouco fora dele (“out thinking of the box”), já que não me limitarei a pensar com um pé dentro da caixa e outro fora dela,[32] ao modo de certas dissidências pós-modernas e/ou pós-metafísicas, porém em um novo domínio observacional ("thinking in other box"), delineado pela Escuela de Pensamiento del Sur del Mundo – vale dizer, um outro habitar humano.[33]

Veremos – nesse outro domínio de pensamento ("thinking in other box") – que o referente ou ponto de partida explicativo romperá, de fato, com a convencional concepção apriorística da realidade (transcendental objectivity), ainda quando a experiência observada seja a mesma. Neste espaço relacional, como diria o poeta, a régua e o compasso[34] ser-me-ão brindados pela constitutiva epistemologia unitária do Fazer (Tun),[35] cujo horizonte cognitivo encerra-se na explicação da vivência-convivência cotidiana, quando nos importa perguntar “como fazemos o que fazemos[36] (MATURANA; POERKSEN, 2011, Intr., p. 4, tradução nossa).

A escolha que faço, portanto, segue explicitamente rumo diferente das tradicionais propostas metafísicas ou pós-metafísicas transcendentes, que, de ordinário, insistem no postulado da procura infinita[37],  perguntando: “o que é o real?”, “o que é ou deve ser normal?”, ou, então, por outras palavras, “o que é a essência da coisa em si, no mundo do ser (sein), ou a substância da normatividade, no mundo do dever ser (sollen)”? Com efeito, é muito provável que, de alguma maneira, todos já saibamos disso, inclusive os hermeneutas.

 

2 Pensamento Hermenêutico

2.1 A condição hermenêutica

O modo de vida ocidental e, em particular, sua maneira de pensar, arrostou inúmeros desenvolvimentos nos últimos dois mil e quinhentos anos. Do simbolismo mítico, passando pelos programas metafísicos ontológicos e racionalistas à mais refinada cosmovisão conceitual hodierna, algo, no entanto, se conservou intocado na cultura patriarcal que nos enreda: a crença numa realidade objetiva e preexistente à origem do observador multissensorial, realidade a qual passo a rotular de condição hermenêutica.

Essa espécie de arrimo epistemológico transcendente manifesta-se de várias formas, quer no campo da metafísica sobre-humana, quer no domínio do pensamento conceitual. Segundo Yuval Noah Harari (HARARI, 2018), até o séc. XVII d.C., por exemplo, subsistia firme a crença em que tudo já tinha sido conhecido, independentemente do operar do observador. Dúvidas humanas eram dissolvidas pela singela consulta a um sábio ou sacerdote, quando não aos próprios deuses [com a mediação de Hermes, o Logos, ou de um padre, representante de Deus]. Assim, tudo o que o homem desejasse saber estar-lhe-ia à mão nos textos sagrados ou pela mediação de um oráculo.

Tradições de conhecimento pré-modernas como o islamismo, o cristianismo, o budismo e o confucionismo afirmavam que tudo que é importante saber a respeito do mundo já era conhecido. Os grandes deuses, ou o Deus todo-poderoso, ou as pessoas sábias do passado detinham uma sabedoria universal, que revelavam a nós por meio de escrituras e tradições orais. Os meros mortais adquiriam conhecimento ao estudar tais tradições e textos antigos e entendê-los da maneira adequada. Era inconcebível que a Bíblia, o Corão ou os Vedas estivessem omitindo um segredo crucial do universo – um segredo que ainda pode vir a ser descoberto por nós, criaturas de carne e osso. (HARARI, 2017, p. 261)

Paradoxalmente, a primeira virada do conhecimento só vem a acontecer, portanto, quando a humanidade desperta para sua própria cegueira. Trata-se tal acontecimento, por sinal, como bem enfatiza o professor Harari (2018, Part Four, 14., p. 5, tradução livre), de um dos aspectos decisivos que diferenciam a ciência moderna das tradições cognitivas anteriores: “a disposição para admitir a ignorância, baseada na sentença latina ignoramus – ‘nós não sabemos’. Presume-se que não sabemos tudo. O que é ainda mais crucial, aceita-se que as coisas que achamos que sabemos podem se revelar equivocadas à medida que adquirimos mais conhecimento. Nenhum conceito, ideia ou teoria é sagrado e inquestionável”[38].

O curioso, porém, é que, após tecer tão densas considerações, a despeito de ser doutor pela Universidade de Oxford, especialista em história mundial, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém e um brilhante conferencista internacional, Harari, em pleno III milênio d.C., resolve habitar as penumbras do olimpo hermenêutico e seguir interpretando a realidade ao modo ancestral. Se a opção é por comodidade ou por ignorância, neste exato momento, não sei dizer.[39]

No estado da arte em que nos encontramos, é desnecessário, contudo, qualquer talento para sabermos que, enquanto seres vivos, não dispomos de mecanismo operacional para distinguir entre ilusão e percepção no curso da operação de distinção; também não temos como saber aprioristicamente se, depois da diferenciação, validaremos ou invalidaremos a experiência distinguida. Desse modo, para falar de interpretação, o Doutor Harari, na posição de observador, tem, necessariamente, de supor a condição hermenêutica, isto é, a existência de um pano de fundo preexistente à sua própria experiência. 

Sem pressupor a condição hermenêutica, qualquer esforço interpretativo convolar-se-á numa irritante frustração. Ora, sinceramente, não creio que Harari ignore essa circunstância. É muito provável, entretanto, que o professor israelense ainda não tenha se dado conta de que nenhum ser vivente distingue entre percepção e ilusão no fluxo da experiência. É que a diferenciação do real e irreal, do verdadeiro e falso, do certo e errado, do válido e inválido, traduz sempre um comentário a posteriori à operação de distinção do observador na linguagem (MATURANA e VARELA, 1984; DÁVILA e MATURANA, 2015b, p. 95).

A rigor, “nada de lo dicho en el lenguajear es trivial porque siempre implica la modulación del curso de la deriva estructural del ser humano”[40] (CURSO…, 2012). E não é por outro motivo que Aristóteles (2013) – ao penetrar na estrutura lógica dos enunciados –, Platão (2015) – no funcionamento da linguagem –, Nietzsche (2008, p. 260) – quando decretou a impertinência ontológica dos fatos em favor do devir interpretativo –,[41] Wittgenstein (2002, p. 68) – ao proclamar a linguagem como o limite do seu mundo –[42] e, por fim, Heidegger (2000, p. 1) – ao converter a linguagem na morada do ser –[43] desencadearam mudanças na cultura ocidental.[44] A âncora cultural, entretanto, segue sendo a mesma desde a invasão de Creta pelos aqueus.

Nesse contexto, a ideia de interpretação, por supor a existência de um mundo transcendente, no fundo, encontra-se perfeitamente alinhada às noções de universalidade, objetividade, neutralidade, racionalidade, imparcialidade, impessoalidade, intersubjetividade, progresso, totalização hierárquica, linearidade – ferramental produzido pela moderna epistemologia positivista e, oportunamente, apropriado pelos pós-positivistas.[45] É a essa parafernália conceitual manejada pela teoria do conhecimento[46] que rotulo de Pensamento Hermenêutico (PH), mesmo a contragosto de nuances paradigmáticas internas que vicejam ao abrigo da Escola de Pensamento do Norte do Mundo.

 

2.2 A tríplice dimensão do fenômeno humano

Seja como for, a explicação de proposições tão ousadas como as que ora se apresentam, sob pena de não ser levada a sério, não pode travar o foco numa única dimensão do humano, tampouco na mística das divindades. Enquanto presumível atividade humana, para passar no teste de validação científica, o ato de interpretar tem de ajustar-se aos fundamentos epistemológicos de uma abordagem multidimensional que considere, no mínimo, três aspectos constitutivos do viver humano: o biológico, o cultural e o fenomenológico.

É bem verdade que, sem levarmos em consideração a dimensão molecular ou fisiológica do Homo sapiens, a descrição do fenômeno humano seria inviável. Não é menos factível propor, todavia, que, no processo de bifurcação das espécies a partir de um mesmo ancestral comum – em cujo fluxo apareceu, de um lado, o chimpanzé e, do outro, o   primata bípede hominídeo –, o fator decisivo para a conservação da humanidade do Sapiens não foi de natureza exclusivamente genética, mas sim de ordem biológico-cultural: a linguagem.[47] Sapiens nenhum nasce humano, mas se torna humano na convivência com seus semelhantes. (MATURANA, 2009b, p. 279-283).

Ainda que a humanidade, segundo Fernández-Armesto (2007), esteja em perigo por uma ameaça conceitual,[48] a meu ver, o humano não resulta senão de uma experiência bioculturofenomenológica. Do ponto de vista biocultural,[49] “somos seres vivos, dinâmicas moleculares autopoiéticas, que se autoproduzem. E somos seres humanos na linguagem, em cujo fluxo geramos mundos reflexionando e conversando, dando origem às diferentes matrizes culturais que habitam esse planeta há três e meio milhões de anos”[50] (DÁVILA; MATURANA, 2019, cap. 2, p. 4; tradução livre).

Fenomenologicamente, o humano surge em nosso viver cotidiano como qualquer outro fenômeno, numa operação cibernética recursiva de quarta ordem, levada a cabo pelo observador multissensorial na linguagem. O que chamamos de humanidade nem sempre estivera aí como algo dado. O fato é que, por mais que o tema da humanização hoje nos pareça íntimo, segundo Foucault (2007, p. 425), “o homem é uma invenção recente que a demiurgia do saber fabricou com suas mãos há menos de 200 anos”. A conclusão que se impõe, então, é a de que, no período que antecede o lusco-fusco do séc. XVIII, apesar do zoo Homo sapiens, “não havia consciência epistemológica do homem como tal” (FOUCAULT, 2007, p. 425).

A humanidade se manifesta, portanto, como uma matriz sensório-operativo-relacional resultante da auto-observação da vivência-convivência cotidiana do próprio observador, que é sempre um ser humano (DÁVILA; MATURANA, 2008, p. 136)[51]. Se, então, não me equivoco, a hermenêutica, como qualquer outra presumível atividade humana, não escapa às consequências derivadas dessa tripla dimensão cognitiva inerente aos fenômenos bioculturais, ainda que um negacionista possa fechar-se em copas a fim de não admitir que “el vivir humano es el origen de todas las cosas”[52] (DÁVILA; MATURANA, 2008, p. 176-177).

 

2.3 O nó linguístico

No tocante à noção de interpretação, pouco tenho a acrescentar à tradição revisada por Dilthey (1957), Gadamer (1998; 1999), Grondin (2008), Heidegger (2020), Nietzsche (2006), Palmer (1969), Ricoeur (1965), Schleiermacher (1998) e Vattimo (1992). Nada obstante, ouso rejeitar o conceito de linguagem adotado no campo hermenêutico, por me parecer reducionista. Num sentido aristotélico-tomista, há um silencioso esforço hipostático da explicação a pospelo da experiência.

A explicação tradicional é a de que a linguagem constitui um sistema de signos.[53] Perfeito. Essa não é somente a explicação dominante sobre o fenômeno linguístico mas também a que convém ao PH, posto que, sem o recurso a uma redução forçada como essa, a vida dos hermeneutas tornar-se-ia um inferno dantesco. Apenas para exercer um pouco o super-realismo, externo a impressão de que um intérprete jejuno de signos, símbolos, palavras, significados, sentidos, de uma realidade transcendente, equipara-se a um eunuco no harém.

Em verdade, a experiência da linguagem não se reduz a um sistema simbólico, tampouco a um instrumento, tal qual postula o segundo Wittgenstein[54] (2008, p 358, afor. 569). Os signos são apenas modos de estarmos no linguajear, que, estritamente, traduz o fazer biocultural e aparece ao observador atento como uma coderiva de um modo de viver-conviver (MATURANA, 2014a). A ideia de que palavras grávidas de significados constituem a linguagem é, rotundamente, falsa. “As palavras têm a ver com a coordenação do fazer. São condutas, e não coisas que passam de lá para cá. E o que coordena o que constitui os significados delas é o próprio fazer, não o contrário” (MATURANA, 2002, p. 88; MATURANA e VARELA, 1995, p. 251; 2003a).

O significado das palavras, frases, signos e símbolos não está nas palavras, mas no fluxo de coordenações de fazeres que elas coordenam. E uma palavra pode ter tantos significados diferentes quão diferentes forem os fluxos de coordenações recursivas de fazeres dos quais participe.[55] (MATURANA, 2008b, p. 20, tradução nossa)

Enfim, na linguagem, a menos que sejam formalismos matemáticos,[56] os signos operam, tão somente, como componentes evocativos[57] de coordenações recursivas de sentimentos, condutas e emoções, que acontecem nos acoplamentos estruturais durante as interações recorrentes.[58] São essas coordenações de comportamentos que são primárias na linguagem, quando se dão de forma recorrente e recursiva nalgum acoplamento estrutural ontogênico[59], porque chegam primeiro. Nesse sentido, “[...] os signos são de importância secundária, não primária”.[60] (MATURANA; POERKSEN, 2011, I, 5., p. 8, tradução nossa).

Continuaremos nossas discussões na parte II.

 

Reconhecimentos

Esta reflexão eclodiu em mim num certo momento da minha adolescência, quando uma professora me convidou a interpretar um texto. A perplexidade que me abateu naquela fatídica situação de aprendizagem foi tão dramática que segue acesa depois de quatro décadas. Felizmente, outro professor me ajudou a perceber que nada é um recurso ou uma oportunidade se não o desejamos. Desde então, comecei a me libertar daquele trauma juvenil. A cura veio-me logo que conheci e recebi a atenção e o carinho de Ximena Dávila e Humberto Maturana, em cuja sabedoria ancoro minha presente história. Reconheço, porém, que meu rumo intelectual poderia ter sido outro se não tivesse antes cruzado com a amizade do resiliente jurista e professor Paulo César Busato, que, ao lançar luzes sobre minhas cegueiras culturais, ajudou-me a eleger a rota que me levou à Escuela de Pensamiento del Sur del Mundo.  Se não bastara, nessa deriva cultural, o Dr. Busato também me brindou um amigo e raro exemplar de humanidade, o jurista e professor Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, tão gigante, generoso e humilde quanto o próprio, a quem especialmente dedico esse singelo esforço reflexivo desde o Sertão da Bahia. Por fim, jamais poderia deixar de reconhecer o sacrifício, a compreensão e o apoio da minha família e de meus colaboradores que ajudam a tornar o meu viver edificante e prazeroso.

 

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[1] Vid. Eisler (1987, p. 55).

[2] Cf. Platão (1988). O professor esloveno Franci Zore (ZORE, 2008, p. 381), da Universidade de Liubliana, observa que “Platão é o primeiro intérprete explícito dos pensamentos de seus antecessores, [sic] e até mesmo da poesia” (Tradução livre).   

[3] Atribui-se ao general romano Pompeu (séc. I a.C.) a autoria da frase Navigare necesse, vivere non est necesse, tornada célebre pela pena do poeta lusitano Fernando Pessoa no poema “Navegar é preciso”. Disponível em: http://www.secrel.com.br/jpoesia/fpesso.html. Acesso em: 29 dez. 2021. 

[4] Vid. Dávila e Maturana (2019, cap. 4, pág. 1-6).

[5] As palavras “Norte” e “Sul”, empregadas neste estudo, não têm conotação meramente geográfica. Apesar de fazerem referência a regiões da Terra, reportam-se, centralmente, a mundividências delas originárias que, de algum modo, reproduzem-se por todo o globo terrestre. Sobre o assunto, ver também. Dávila e Maturana (2015b, p. 12 e 14) e Santos (2003).

[6] “Puede decirse que el pensamiento analógico sistémico es inductivo en tanto desde el todo lo que se parece es igual desde un punto de vista configuracional en el ámbito del parecido, de modo que si entiendo uno entiendo lo otro. En el pensar analógico sistémico la acción surge como un acto creativo desde las relaciones que hace el observador. Yo llamo a este modo de mirar y pensar, mirar y pensar poético” (MATURANA, 1997, p. 126). (Tradução livre: “Pode-se dizer que o pensamento analógico-sistêmico é indutivo na medida em que tudo o que se assemelha é o mesmo do ponto de vista configuracional na esfera da semelhança, de modo que, se entendo um, entendo o outro. No pensamento analógico-sistêmico, a ação surge como um ato criativo a partir das correlações feitas pelo observador. Chamo esse modo de mirar e pensar de mirar e pensar poético).  

[7] Vid. nota 5

[8] “There is an ecology of bad ideas, just as there is an ecology of weeds, and it is characteristic of the system that basic error propagates itself.” (BATESON, 1978, p. 484). “On the other hand, [...], if you are carrying serious epistemological errors, you will find that they do not work any more At this point you discover to your horror that it is exceedingly difficult to get rid of the error, that it’s sticky. It is as if you had touched honey. As with honey, the falsification gets around; and each thing you try to wipe it off on gets sticky, and your hands still remain sticky.” (Id. Ib., p. 479). 

[9] Cf. Dávila e Maturana (2015b). A bem da verdade, essa noção de humanidade não é nova. Podemos constar que, mesmo desde uma abordagem positivista, Emile Durkheim já a intuía no limiar do séc. XX d.C. Com efeito, numa de suas célebres aulas proferidas num curso realizado na Universidade de Paris, o filósofo francês sustentou que: “assim como para ser cristão é preciso adquirir uma maneira cristã de pensar e sentir, da mesma maneira, para tornar-se um homem, não basta ver sua inteligência guarnecida com um certo número de ideias, mas é preciso antes de tudo ter adquirido uma maneira verdadeiramente humana de sentir e pensar”. (DURKHEIM, 1995, p. 36).

[10] Vid. Glossário (parte VI).

[11] Convém esclarecer, de logo, a fim de espancar confusões de ordem conceitual, que a noção de “determinismo”, a que se reporta a Biologia do Conhecimento, nada tem a ver com o uso do termo no domínio do Pensamento Hermenêutico, pois, para este, determinismo conota causalidade, predeterminismo, predição, ou a possibilidade de se calcular rigorosamente o futuro a partir da origem do fenômeno, como se houvera uma relação de causa e efeito. É esse, basicamente, o sentido clássico do dito vocábulo. Já a noção de determinismo estrutural, por seu turno, traduz “una abstracción de las coherencias sensoriales-operacionales-relacionales de la realización de nuestro vivir, no es ni un supuesto ontológico ni una invención explicativa que surge de una teoría filosófica o mística, sino que es nuestra condición de posibilidad y existencia, y es a la vez el fundamento de todo lo que hacemos.” (DÁVILA; MATURANA, 2015b, p. 185). Cf. tb. Dávila e Maturana (2019, Intr., p. 5); Maturana (2009b, p. 207). Ainda que tenha uma conotação diferente, a origem da noção de determinismo estrutural pode ser associada ao conceito de “determinação experimental” proposto pelo fisiologista francês Claude Bernard, na segunda metade do séc. XIX (BERNARD, 1949). Por fim, segundo Maturana (2008b, pp. 18-19): “Structural determinism is not an assumption; it is our condition of existence. […]. Structural determinism is a constitutive basic feature of the cosmos that we human beings bring forth with our operation as molecular systems. Structural determinism does not imply predictability. Structural determinism is the basic condition that creates the possibility of understanding and explaining of all processes in the cosmos, even probabilistic ones.”

[12] Em alguma parte deste trabalho mostrarei que o conflito bélico desencadeado pelo governo russo contra a Ucrânia é coerente com esse processo epigênico cultural. 

[13] “Como tal, el lenguaje es un fenómeno biológico puesto que resulta de la operación de los seres huma­nos como sistemas vivientes, pero ocurre en el dominio de las coordinaciones de acciones de los participantes, y no en su fisiología o neurofisiología. Lenguaje y fisiología ocurren en diferentes dominios fenoménicos que no se intersectan. O, en otras palabras, el lenguaje como un tipo especial de operación en coordinaciones de ac­ciones, requiere de la neurofisiología de los participan­tes, pero no es un fenómeno neurofisiológico” (MATURANA, 1997, p. 50). A ciência convencional ainda resiste à proposição maturaniana, por isso segue ancorando a linguagem na fisiologia humana. No entanto, pesquisa realizada recentemente por uma equipe de cientistas no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), num cérebro humano desprovido do lobo temporal esquerdo, a cuja região são associados os fenômenos mentais e linguísticos, mostrou que tal atipicidade cerebral não impediu que o sujeito pesquisado com as mais avançadas tecnologias de tomografia e ressonância magnética pudesse ter uma vida de relação comum, concluir a graduação, pós-graduação e falar russo fluentemente, sendo norte-americano. (TUCKUTE et al, 2022; MULHER..., 2022).

[14] Por todos, cf. Hernández-Sampieri et al. (2014).

[15] “Anything said is said by an observer. In his discourse the observer speaks to another observer, who could be himself; whatever applies to the one applies to the other as well” (Tudo o que é dito é dito por um observador. Em seu discurso, o observador fala a outro observador, que pode ser ele mesmo ou outrem também). (MATURANA, 1970). Cf. tb. Dávila e Maturana (2015b, p. 407).

[16] Objetividade transcendente ou representacional.

[17] Pensamento convencional.

[18] Histórias particulares.

[19] Vid. nota 5.

[20] Vid. Glossário (parte VI).

[21] Vid. Dávila; Maturana (2008, p. 39 et seq.).

[22] “Cultural Transformation theory”.

[23] Sobre a noção de recursão reflexiva, cf. Dávila e Maturana (2015b, p. 50).

[24] Por todos, cf. Streck (2017, p. 105 e 113; 2014a; 2014b).

[25] Realismo externo.

[26] Construtivismo.

[27] Realismo interno (ECO, 1998, p. 47).

[28] O par filosófico fato/valor, ao derredor do qual se articula a contemporânea maneira de pensar ocidental, corresponde à dicotomia ser/dever ser, que vem sendo bombardeada em seu próprio domínio cognitivo. Assim, importa remarcar que a concepção dicotômica de mundo patina, mesmo na seara do pensamento corrente mais avançado, não sendo a forma ser/dever ser uma exceção. Luhmann (1983, p. 57), por exemplo, chega a sustentar que “o sentido do ‘dever ser’ não é menos fático do que o do ‘ser’. [...]. A contraposição convencional do fático ao normativo deve, portanto, ser abandonada”. 

[29] Segundo Guerra Filho (2001, p. 216), “nunca houve uma ruptura de paradigma em ciência jurídica, ou seja, ele vem evoluindo, desde que se tornou visível, em Roma, até nossos dias, sem as revoluções detectadas por T. S. Kuhn no terreno da física”. No campo da moral e da ética, por todos, cf. Vázquez (2001, p. 267-297). 

[30] Guerra Filho (2001, p. 18) sugere que, a partir da segunda metade do séc. XX, vivenciamos a pós-modernidade, em oposição à fase moderna da história proposta por Hegel no princípio do Século XIX. Já o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (BAUMAN, 2001) prefere rotular o mesmo período de modernidade líquida, em contraposição ao seguimento histórico retroativo a meados do séc. XVI, chamado por ele de modernidade sólida.

[31] “Anything said is said by an observer”. “Ley sistémica: ‘Todo lo dicho es dicho por un observador multisensorial a otro observador multisensorial que puede ser él o ella misma’”. (DÁVILA; MATURANA, 2019, Intr., p. 2).

[32] Cf. Carolina (2022).

[33] Sobre a noção de habitar humano, cf. Dávila e Maturana (2008).

[34] AQUELE... (1969).

[35] Dá conta de como todos os âmbitos explicativos e todos os espaços criativos têm como único fundamento de criatividade a realização do viver-conviver humano biológico-cultural (Cf. DÁVILA e MATURANA, 2015b, p. 121-135 e 552).

[36] “How do we do what we do?” (aspas no original)

[37] Cf. Eco (1998, p. 260).

[38] “The willingness to admit ignorance [...] based on the Latin injunction ignoramus – ‘we do not know’. It assumes that we don’t know everything. Even more critically, it accepts that the things that we think we know could be proven wrong as we gain more knowledge. No concept, idea or theory is sacred and beyond challenge.”

[39] Sobre o assunto, cf. Harari (2017, pp. 66, 69, 224, 410 e 461).

[40] “nada dito na linguagem é banal haja vista que sempre implica a modulação do curso da deriva estrutural do ser humano” (tradução livre).

[41] “não há fatos, só interpretações [Interpretationen]. “En mi criterio, contra el positivismo que se limita al fenómeno, «solo hay hechos». Y quizá, más que hechos, interpretaciones. No conocemos ningún hecho en sí, y parece absurdo pretenderlo” (NIETZSCHE, 2006, p. 199 e 337; aforismos 256 e 476). Cf. tb. Nietzsche (1992, p. 73; aforismo 108).

[42] “The limits of my language mean the limits of my world.” Cf. tb.  Enaudeau (2006, p. 177 e 215).

[43] “El lenguaje es la casa del ser”.

[44] Por todos, vid. D’Agostini (2018).

[45] Santos (2007; 2003. 2001; 1987).

[46] Hessen (1987).

[47] Cf. Maturana (1989, p. 77).

[48] Para Fernández-Armesto (2007, p. 14): “Os limites atuais do nosso conceito de humanidade não são óbvios e não são universais. Foram estabelecidos como produto de uma árdua e prolongada batalha no mundo ocidental para descobrir um modo de compreender a humanidade que abrangesse comunidades antes excluídas pelo racismo e pelo etnocentrismo, sem deixar de insistir numa distinção clara entre seres humanos e não humanos”.

[49] Segundo os precursores da Biologia Cultural latino-americana, o biólogo chileno Humberto Maturana e a epistemóloga Ximena P. Dávila (DÁVILA; MATURANA, 2008, pp. 257-259): “lo biológico hace referencia a la realización del vivir y conservación del vivir como condiciones fundantes de todo lo posible en el existir humano, y […] lo cultural hace referencia al curso que sigue el vivir según la forma parti­cular del vivir en redes de conversaciones, entonces lo biológico-cultural hace referencia al entrelazamiento dinámico, operacional-relacional de lo biológico y lo cultural en la realización y conservación de la unidad del vivir humano”. Para Humberto Maturana (MATURANA, 2008a; 2009b, p. 233): “es biológico todo ocurrir que implica la realización del vivir de pelo menos un ser vivo”. No idioma português, porém, evoco essa unidade dinâmica existencial “biológico-cultural” com a palavra “biocultural”.

[50] “[..] somos seres vivos, dinámicas moleculares autopoieticas, que se producen a sí mismas. Y somos seres humanos en el lenguaje en la generación de mundos en la conversación y la reflexión, lo que da origen a las distintas matrices culturales que habitan este planeta hace tres y medio millones de años”.

[51] “El obser­vador es un ser vivo, un ser humano que existe en el lenguajear y opera en el observar: por esto no hay observar sin observa­dor, y no hay lenguajear sin un ser lenguajeante.”

[52] “o viver humano é a origem de todas as coisas”.

[53] Cf. Chauí (2000, p. 172-190). A propósito, em sua Interpretation Theory [...], Ricoeur (1976, p. 1-2), enfatiza muito bem essa circunstância, ao ancorar a evolução da hermenêutica aos avanços da linguística[53], em especial a partir do modelo estrutural (langue/parole) proposto pelo linguista suíço Ferdinand de Saussure (SAUSSURE, 1971).

[54] “Die Sprache ist ein Instrument. Ihre Begriffe sind Instrumente. Man denkt nun etwa, es könne keinen großen Unterschied machen, welche Begriffe wir verwenden. […].”

[55] “The meaning of the words, sentences, signs and symbols is not in the words, but in the flow of coordinations of doings that they coordinate. And a word can have as many different meanings as there are different flows of recursive coordinations of doings in which it participates.”

[56] Cf. Maturana (2000).

[57] “No hay palabras superfluas, no hay sinónimos efectivos aunque si los haya evocativos. Las palabras no desig­nan absolutos, entidades en sí o conceptos fijos a menos que sean definiciones formales. De hecho, lo que hace especial a los formalismos matemáticos es que operan con elementos arbitrarios de significados especifica­dos por definición que se relacionan según algún sistema también arbitrario de coherencias lógicas. El lenguajear del vivir cotidiano, sin embargo, como no opera como un sistema formal tiene la riqueza evocativa del fluir de la multidimensionalidad de las circunstancias del vivir y el convivir. Y es en esa multidimensionalidad de las cir­cunstancia del vivir y el convivir donde están el hacer y el no hacer, la acción y la inacción, los sentires íntimos, las emociones… y el razonar que pretende justificar de una manera formal lo no formalizable, o que pretende hacer objetivo universal lo que aún no se acerca a serlo en la interobjetividad local de un acuerdo” (MATURANA, 2011).

[58] Na verdade, a vida ordinária, a vida de todos os dias, é uma refinada coreografia de coordenações comportamen­tais, que são associadas a descrições de interações recorrentes diferenciadas pelo observador num domínio de acoplamento estrutural, que as determinam congruentemente conforme a situação vivenciada pelo sistema (MATURANA e VARELA, 1995, p. 252).

[59] Cf. Maturana (2001, p. 178).

[60] “[…] symbols are of secondary, not primary importance.”

 

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