A Lei 13.281 de 2016 trouxe importantes alterações nas disposições penais do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97). A rigor, o art. 2º da Lei 13.281 de 2016 adicionou um artigo no Capítulo XIX do CTB, que dispõe sobre as infrações penais de trânsito. Trata-se do novel art. 312-A[i], disciplinando que nos crimes descritos nos arts. 302 a 312 do CTB, havendo substituição de penas restritivas de liberdade por restritiva de direitos, é obrigatória a fixação de pena substitutiva de prestação de serviços à comunidade, prevista nos artigos 43, IV e 46 do Código Penal.
Referido dispositivo legal inovou ao disciplinar as espécies de prestação de serviços comunitários ou às entidades públicas possíveis (incisos I ao IV), todos relacionados com o trabalho em entidades de atendimento médico e recuperação de vítimas de acidente de trânsito. Assim, foi retirado do juiz qualquer possibilidade de aplicar penas restritivas diversas da prestação de serviços à comunidade ou mesmo, diante do caso concreto, adequar a execução noutras modalidades de serviços comunitários.
Da simples leitura do dispositivo observa-se que não é possível a aplicação de outra pena restritiva de direito senão a de prestação de serviços à comunidade, eis que o dispositivo usa o verbo “deverá”. Assim, mesmo nas hipóteses em que a pena seja inferior a seis meses, em que é vedado, pela regra geral (art. 46, caput, do Código Penal), a aplicação da referida pena restritiva de direitos, ou nos casos de pena superior a um ano, em que a pena restritiva de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos (art. 44, §2º, do Código Penal), não haverá opção para o Juiz que fica adstrito à aplicação da pena prevista no art. 43, IV e 46 do Código Penal, nas especificações dos incisos I ao IV do art. 312-A do Código de Trânsito Brasileiro.
Malgrado tenha sido a intenção do legislador conferir maior tônus ao caráter retributivo e de prevenção especial das penas restritivas de direito nos crimes de trânsito, tal disposição padece de inegável inconstitucionalidade, em especial diante da violação do direito fundamental de individualização da pena (art. 5º, LXVI, CF).
Do âmbito de proteção do direito fundamental de individualização da pena
O direito fundamental de individualização da pena tem originariamente seu âmbito de proteção[ii] vinculado à atividade legislativa. É que embora a Constituição garanta a individualização da pena, certo é que os parâmetros de sua aplicação precisam ser construídos através da atuação do legislador ordinário. Tal conclusão pode ser extraída tanto da literalidade do dispositivo constitucional, no ponto em que apregoa “...a lei regulará a individualização da pena...”, quanto pela interpretação sistêmica do dispositivo com o princípio constitucional da reserva legal penal (art. 5º, XXXIX, CF) – nulla poena sine praevia lege –, demonstrando que é absolutamente legítimo e necessário para a conformação do direito fundamental que o legislador ordinário abstratamente fixe as penas adequadas e necessárias para cada tipo de crime.
Partindo de uma visão restritiva do âmbito de proteção do direito fundamental de individualização da pena, chegar-se-ia à conclusão de que o mesmo estaria atendido no momento em que o legislador simplesmente fixasse as penas de cada um dos tipos penais em abstrato. No entanto, houve evolução no trato do âmbito de proteção do direito fundamental da individualização da pena, já que atualmente se entende que não apenas a fixação em abstrato da pena é abrangida pelo direito fundamental em comento, como também a individualização em concreto, isto é, o momento da efetiva aplicação da sanção penal. Assim, a individualização da pena não é a mera atividade de individualização legislativa da pena, até porque esta já estaria abarcada pelo princípio da reserva legal penal (art. 5º, XXXIX). Ademais, fosse admissível apenas a visão restritiva, a individualização perderia eficácia protetiva quando adstrito à mera atividade legislativa.[iii]
Portanto, o direito fundamental de individualização da pena abrange: individualização legislativa da pena; individualização judiciária da pena; e individualização executória da pena.[iv]
A individualização legislativa da pena se dá quando o legislador, no exercício da política criminal, estabelece o grau de reprovabilidade de uma conduta criminosa através da fixação de patamares mínimos e máximos de uma sanção penal, sendo decorrente da reserva legal penal (art. 5º, XXXIX, CF). Por outro lado, a individualização judicial da pena, se dá no instante em que o órgão jurisdicional competente fixa a culpa penal do indivíduo, passando a estabelecer a pena necessária e suficiente para a prevenção e reprovação do crime. Por fim, a individualização executória da pena acontece no momento em que o Poder Executivo, sob a regulação do Poder Judiciário (representado pelo Juízo da Execução Penal), passa a fazer cumprir em concreto a pena, de forma a proporcionar condições para a harmônica reintegração do condenado ou internado, atendendo aos ditames da prevenção especial da pena (cf. art. 1º da Lei 7.210/84) e do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º,III, CF), até porque é com a individualização que se assegurada condições mínimas de dignidade no cumprimento da pena de forma a possibilitar a futura reinserção social, principalmente se considerado que no Brasil são vedadas penas de caráter perpétuo, de banimento, de morte (salvo guerra declarada).
Destaque-se o quão importante foi a evolução de pensamento. A rigor, o receio doutrinário de que a interpretação restritiva do âmbito de proteção da individualização da pena esvaziasse a eficácia protetiva do direito fundamental se confirmou na experiência legislativa brasileira. Isso porque, não raramente, o legislador ordinário, movido pela sua clássica ausência de coerência em matéria de política criminal, elabora leis as quais ao invés de materializarem os direitos fundamentais retiram-lhes a eficácia. Foi o que aconteceu, e.g., com a Lei 8.072/90, cuja a antiga redação do artigo 2º, §1º, vedou peremptoriamente progressão de regime aos condenados por crimes hediondo ou equiparados. No caso, o legislador ordinário ao invés de individualizar a execução da pena a generalizou, indo de encontro ao que pressupõe o art. 5º, LXVI, CF.
No caso exposto, mesmo sendo inequívoco que a Constituição, através de um mandado constitucional de criminalização[v], determinou maior rigor na punição daqueles condenados por crimes hediondos ou equiparados (cf. art. 5º, XLIII), em nenhum momento excepcionou a individualização da pena. Portanto, não poderia o legislador ordinário subtrair dos indivíduos o direito fundamental de que suas penas fossem executadas individualmente. Imagine-se o caso do indivíduo condenado por crime de falsificação ou adulteração de cosméticos ou saneantes (art. 273, §1º-A, in fine, CP), que é considerado pela legislação um crime hediondo (art. 1º, VII-B, Lei 8.072/90). Gozaria do mesmo tratamento dispensado a um condenado por crime hediondo de homicídio qualificado (art. 1º, I, Lei 8.072/90), inegavelmente mais grave, o que é um absurdo lógico, além de ser manifestamente inconstitucional por violação do princípio da individualização da pena.
A vedação de progressão de regime imposta foi desproporcional, ainda quando comparado com o direito estrangeiro. Veja-se o exemplo da Itália onde o Codice Penale prevê no artigo 22 a pena de ergastolo[vi], que consiste em aprisionamento perpétuo em local adequado onde o trabalho é obrigatório e há o isolamento noturno para crimes reputados muito graves. Mesmo aqui, a parte final do art. 22 prevê a possibilidade de lavoro all’aperto, algo semelhante ao nosso trabalho extramuros do regime semiaberto (art. 35, §2º, CP), em que é admissível o trabalho externo e recolhimento noturno. A antiga redação do art. 2º, §1º, da Lei 8.072/90 criou a curiosa, para não dizer Ademais, o art. 176 do Codice Penale[vii] prevê a possibilidade de liberazione condizionale (liberdade condicional) aos condenados ao ergastolo que preencherem certos requisitos e tenham cumpridos 26 anos de pena, o que, em uma interpretação muito restritiva da antiga redação do artigo 2º, §1º, poderia levar a conclusão de que era impossível a concessão de liberdade condicional (art. 83, CP), já que a lei falava em pena cumprida “integralmente” em regime fechado.
Acertadamente o Supremo Tribunal Federal, no leading case do HC 82.959/SP de relatoria do Ministro Marco Aurélio[viii], declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 2º, §1º, da Lei 8.072/90, exatamente por violação do princípio da individualização da pena. Após a consolidação da jurisprudência o legislador ordinário promoveu, através da Lei 11.464/2007, a modificação do citado dispositivo prevendo que o cumprimento da pena não se daria mais em regime integralmente fechado, mas em regime inicialmente fechado. Ainda assim, o Supremo Tribunal Federal veio a reputar igualmente inconstitucional o art. 2º, §1º, já que no leading case do HC 111.840/ES, de relatoria do Ministro Dias Toffoli[ix], firmou-se o entendimento no sentido de que a obrigação de fixação de regime inicialmente fechado para crimes hediondos e equiparados, independentemente de fundamentação judicial e das circunstâncias do caso concreto, ainda assim malversaria o princípio da individualização da pena.[x]
Destaque-se que não há uma regra estática precisando os limites do âmbito de proteção quando da individualização legislativa, judiciária e executória da pena. Nesse ponto, assume relevo o princípio da proporcionalidade como instrumento de otimização do direito fundamental. Nesse diapasão, nem é permitido ao legislador fulminar completamente a possibilidade de individualização concreta da pena, como também não é constitucionalmente legítimo que na aplicação e execução da pena se desconsidere absolutamente a individualização em abstrato feita pelo legislador. Enfim, não se pode invocar uma suposta violação do direito fundamental da individualização diante de um juízo puramente subjetivo de insuficiência ou inadequação da pena.[xi] O que é legítimo é analisar, à luz da proporcionalidade, se com a atuação legislativa em abstrato houve violação dos bens jurídicos incluídos no âmbito de proteção do direito fundamental de individualização da pena, isto é, se em razão da operação de alguma das etapas da individualização houve a inviabilização das demais, como aconteceu, e.g., no caso da antiga redação do art. 2º, §1º, da Lei 8.072/90.
Da inconstitucionalidade pela violação ao direito fundamental da individualização da pena
Feitas breves considerações acerca do direito fundamental da individualização da pena e seu âmbito de proteção, percebe-se que a disposição do art. 312-A do Código de Trânsito Brasileiro representa, em boa medida, uma violação ao direito fundamental da individualização da pena (art. 5º, XLVI, CF). Do dispositivo extrai-se que o legislador ordinário subtraiu o direito fundamental do indivíduo de ter individualizada as penas substitutivas restritivas de direito que eventualmente venham a ser impostas em seu desfavor, o que, em se tratando de crimes de trânsito, representam a maciça maioria dos casos.
Nota-se que com a novatio legis há uma generalizada desproporcionalidade na individualização das penas substitutivas, pois mesmo sendo o caso de condenação por delitos de baixíssima ofensividade, com penas que variam de 6 (meses) a 1 (um) ano de detenção (e.g.: arts. 304, 305, 307, 309, 310, 311 e 312); de média ofensividade, com penas de detenção que variam de 6 (seis) meses até 3 (três) anos (e.g.: arts. 303, 306 e 308, caput) ou mesmo de crimes de maior ofensividade (e.g.: art. 302, caput; 308, §1º), com penas maiores que 2 (dois) anos de detenção ou reclusão, havendo substituição da pena, o juiz está obrigado a aplicar uma única modalidade de pena substitutiva, isto é, a prestação de serviço à comunidade. Desta feita, independentemente de qualquer juízo de adequação, necessidade ou proporcionalidade em sentido estrito, a solução dada pelo legislador ordinário é uma só.
Essa limitação é, a toda vista, um ataque direito ao preconizado pelo art. 5º, XLVI, CF, rezando que “ a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos; ”. É mais do que evidente que a Constituição expressamente determinou ao legislador que fizesse uso de várias espécies de penas restritivas de direito. Nesse aspecto, pode-se dizer que o legislador ao editar o art. 312-A do Código de Trânsito Brasileiro negou eficácia ao dispositivo constitucional em exame, conseguindo violar, logo de início, a própria individualização legislativa, pois o dispositivo referido não individualiza nada, antes padroniza as penas substitutivas aplicáveis.
Com o art. 312-A do CTB há ainda violação da individualização judicial da pena. Anote-se que a pena de prestação de serviços à comunidade é a mais severa de todas as penas restritivas de direito, ao ponto de somente ser possível sua aplicação aos crimes apenados em mais de 6 (seis) meses de detenção ou reclusão (art. 46, caput, CP). Ainda assim, mesmo no caso em que todas as circunstâncias judiciais sejam favoráveis e não existam circunstâncias agravantes e causas de aumento de pena, obrigando a fixação da pena mínima em 6 (seis) meses, o juiz não terá senão substituir a pena pela pena restritiva de direitos mais grave. Não é preciso esforço para perceber que o juiz, de fato, não poderá individualizar a pena do condenado, senão terá que apenar de forma mais severa do que o necessário e o estritamente proporcional. Sendo assim, nota-se que a restrição imposta ao judiciário é desproporcional, o que leva a violação do direito fundamental de individualização da pena.
Em alguns casos também é possível defender a violação da individualização judicial da pena pela absoluta inadequação da pena padronizada. Imagine-se o exemplo de um apenado pelo crime do art. 307, parágrafo único, do CTB (deixar de entregar no prazo legal a Permissão para Dirigir ou a Carteira de Habilitação quanto imposta penalidade de suspensão ou de proibição de se obter a permissão ou a habilitação, para dirigir veículo automotor). Mesmo que se receba uma pena maior do que 6 (seis) meses, o crime em questão não se adequada à aplicação da pena de prestação de serviços à comunidade, até porque trata-se de um crime de perigo abstrato, de mera conduta, que não gera nenhum dano, quiçá existe uma vítima real, não existindo razão de prevenção geral ou especial que justifique a prestação de serviço à comunidade, sendo mais adequada, por exemplo, a imposição de uma pena de prestação pecuniária (art. 43, I, c/c art. 45, §1º, CP), considerando até mesmo a natureza meramente administrativa do ilícito.[xii]
Por fim, deve-se anotar a violação da individualização executória da pena, pois não bastasse o apenamento único para todos os crimes de trânsito, até mesmo a execução da pena encontra-se limitada pela atividade legislativa. Observa-se que uma vez substituída a pena restritiva de liberdade pela prestação de serviço à comunidade este trabalho somente poderá ser cumprido de quatro formas: (a) trabalho, aos fins de semana, em equipes de resgate dos corpos de bombeiros e em outras unidades móveis especializadas no atendimento a vítimas de trânsito; (b) trabalho em unidades de pronto-socorro de hospitais da rede pública que recebem vítimas de acidente de trânsito e politraumatizados; (c) trabalho em clínicas ou instituições especializadas na recuperação de acidentados de trânsito; (d) outras atividades relacionadas ao resgate, atendimento e recuperação de vítimas de acidentes de trânsito.
A intenção do legislador foi clara, fazer com que o apenado experimentasse a dor e os sofrimentos causados pelos motoristas em face das vítimas nos crimes de trânsito. Embora a intenção possa ser considerada boa, mais uma vez o remédio foi desproporcional. Imaginemos, de novo, o exemplo do condenado pelo art. 307, parágrafo único, do CTB. Não há vítima em tal crime, sendo que o apenado pode ser um motorista que em toda a sua vida jamais tivesse ocasionado um acidente automobilístico sequer. Qual seria então a adequação da execução da pena nesses termos? Evidentemente nenhuma.
Há a ainda a hipótese, mais factível, de inexistência, no local do cumprimento da pena, das unidades referidas nos incisos art. 312-A ou excesso de prestadores de serviços nas unidades referidas, de forma que as próprias unidades não terão como gerir a quantidade de prestadores de serviço. Tem ainda a possibilidade de inaptidão do apenado para os serviços delineados na lei, sempre lembrando que o art. 43, §3º, do Código Penal afirma que os serviços prestados dar-se-ão conforme as aptidões do condenado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho. Nesses casos, deparando-se o juiz da execução com situações desta estirpe se defrontará com um verdadeiro paradoxo, pois não tem como substituir a pena restritiva de direitos por prestação de serviços à comunidade, quiçá pode determinar a execução em outros estabelecimentos por absoluta vedação da lei.
Assim, não é difícil antever que se está estimulando situações em que o juiz deixará de substituir as penas restritivas de liberdade por impossibilidade fática do cumprimento das restritivas de direito, o que, por sua vez, acarretará noutra violação do direito fundamental de individualização da pena, já que se aplicará pena privativa de liberdade, embora seja ela claramente desnecessária diante da possibilidade de substituição.
Em resumo, nota-se das situações acima delineadas que o artigo 312-A do Código de Trânsito Brasileiro em várias oportunidades viola o âmbito de proteção do art. 5º, LXVI, da Constituição, reclamando, portanto, o controle de constitucionalidade, seja na via difusa, seja na via concentrada.
A solução pela via do controle de constitucionalidade, entretanto, não reclama a invalidação do art. 312-A do Código de Trânsito Brasileiro. É que a inconstitucionalidade do do dispositivo em questão está apenas em um único comandado, isto é, a expressão “...esta deverá ser de...”. Com efeito, não há inconstitucionalidade quando o legislador ordinário especifica situações especiais de cumprimento de pena, ao contrário, ele cumpre o disposto no art. 5º, LXVI, da Constituição Federal que expressamente definiu que “a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras...”. O erro está em torná-la uma única via, obrigatória, ainda que os tipos penais alcançados sejam diversos em potencialidade lesiva ou ainda quando o caso concreto demonstra que a pena é inadequada, desnecessária ou desproporcional, impedido, portanto, individualização tanto em abstrato, quanto em concreto.
Nesse diapasão, entendemos que a melhor solução seja a utilização da técnica da interpretação conforme a Constituição[xiii] de forma a reinterpretar o dispositivo penal, entendo-se a expressão “deverá” como “poderá”, evitando-se a desproporcionalidade excessiva da pena de forma que seria impossível a individualização. Noutras palavras, verificando o juiz que o caso concreto não comporta a substituição da pena restritiva de liberdade por uma pena de prestação de serviços à comunidade, porque é inadequada, desnecessária ou desproporcional, nada obsta que se valha das demais penas restritivas de direito previstas tanto na Constituição Federal quanto no Código Penal. O inverso, por sua vez, também é verdadeiro, pois não há violação do direito fundamental da individualização da pena quando há aplicação da pena de prestação de serviços à comunidade nos termos do art. 312-A do Código Penal, desde que o caso concreto demonstre que a mesma é adequada, necessária e proporcional.
Inconstitucionalidade em face da proibição da proteção deficiente?
Bom, se é verdade que em muitas situações a previsão do novel art. 312-A do Código de Trânsito Brasileiro levará à inconstitucionalidade por excesso, resta saber se, por acaso, o inverso também ocorre, isto é, se há uma violação da individualização da pena em razão de uma proteção deficiente.
É que embora tenha sido a intenção do legislador tornar mais rígida a pena execução de pena substitutiva, há situações em que ocorreu exatamente o inverso, isto é, sucedeu verdadeira novatio legis in mellius, fazendo com que no momento da substituição das penas de crimes de trânsito de maior lesividade indivíduos condenados recebessem tutela penal destinadas à crimes de menor lesividade.
Veja-se que pela regra geral é possível a substituição da pena restritiva de liberdade por restritiva de direitos nos crimes culposos e nos dolosos quando a pena não seja superior à 4 (quatro) anos. No entanto, sendo a pena superior a um 1 (ano) deve ser substituída por 1 (uma) pena restritiva de direitos e multa ou por 2 (duas) restritivas de direitos, consoante o art. 44, §2º, in fine, do Código Penal. Com o novel art. 312-A do Código de Trânsito Brasileiro, no entanto, se afasta a regra geral em face da lei especial, fazendo com que em todos a substituição da pena seja obrigatoriamente por 1 (uma) pena restritiva de prestação de serviços à comunidade. Então, e.g., ainda que o indivíduo seja condenado pelo crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, CTB), cuja pena substitutiva deveria ser obrigatoriamente 2 (duas) restritivas de direito ou 1 (uma) restritiva de direito e multa, agora será apenas por 1 (um) restritiva de direito, tal qual crimes de menor potencialidade ofensiva como os dos artigos 305 e 307 do CTB.
Trata-se claramente de situação de novatio legis in mellius que deve retroagir para beneficiar o réu, fazendo com que qualquer outra pena restritiva de direito aplicada cesse imediatamente, pois, caso contrário se estará violando o princípio da reserva legal, já que se está impondo pena expressamente vedada por força de lei. Aliás, tratando-se de imposição de pena de multa substitutiva (art. 44, §2º, Código Penal), prestação pecuniária (art. 43, I, c/c art. 45, §1º, Código Penal) ou perda de bens ou valores (art. 43, II, c/c art. 45, §3º, Código Penal), caso aplicadas, deve-se promover a devolução dos valores ou bens já pagos ou entregues, sob pena de configuração de enriquecimento sem causa.
A questão demanda análise de dois pontos principais: (a) a eventual violação do âmbito de proteção de um direito fundamental e (b) o controle de constitucionalidade de leis penais em face da deficiência da tutela penal.
São necessárias, por óbvio, maiores explicações. O legislador detém independência e liberdade para proscrever, ou não, comportamentos, taxando-os como criminosos. A regra é a liberdade (arr. 3º, I, CF), onde tudo é lícito, salvo quando lei disponha em sentido contrário (art. 5º, II, CF) e que somente haverá crime e pena quando lei anterior assim o defina (art. 5º, XXXIX, CF). Enfim, a tutela penal é reservada à ultima ratio, apenas em face de comportamentos que atinjam bens jurídicos os quais são insuscetíveis de tutela eficiente pelos demais ramos do direito. A competência para este juízo de valor acerca da dignidade penal dos bens jurídicos é privativa do legislativo federal (art. 22, I, CF) que como representantes eleitos do povo (art. 45, CF) e dos Estados e do Distrito Federal (art. 46, CF) editam as leis (art. 44, CF).
Ocorre que tal liberdade para valoração da necessidade de tutela penal, ou não, dos bens jurídicos não é ilimitada. É importante observar que a doutrina trabalha com a ideia de que excepcionalmente tal liberdade é constitucionalmente tolhida do legislador, estando o mesmo obrigado a legislar em matéria penal. E assim o é porque os direitos fundamentais não apenas encampam proposições negativas, non facere, mas também positivas, facere, pois para proteger e materializar eficientemente determinados bens jurídicos é necessário a conduta proativa do Estado, ainda que na esfera penal. A situação de omissão ou atuação deficiente do legislador em matéria penal, portanto, configuraria, em um juízo de proporcionalidade, um quadro de proteção insuficiente do direito fundamental, apta ao controle de constitucionalidade.
Nesse contexto encaixa-se a teoria que defende a existência de mandados constitucionais de criminalização, sejam eles expressos, o que é largamente aceito na doutrina ou jurisprudência[xiv], ou implícitos, cuja existência é discutível. Na acepção doutrinária os mandados constitucionais de criminalização representam a faceta positiva de alguns direitos fundamentais, pois reclamam a imediata tutela penal de bens jurídicos incluídos no âmbito de proteção destes, retirando do legislador a independência para decidir sobre a dignidade penal daquele.
Outrossim, esses mandados constitucionais de criminalização também transmitem ao legislador um curioso mandamento negativo, isto é, proíbem que o mesmo descriminalize determinado comportamento ofensivo ao bem jurídico protegido pelo direito fundamental, assim como impedem um tratamento penal deveras abrandado. Observe-se, por exemplo, o caso do mandado constitucional de criminalização previsto no art. 5º, XLII, da Constituição Federal, onde se afirma que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. Aqui o comando é claro, o legislador deve criminalizar a prática do racismo, sob pena de inconstitucionalidade. Por outro lado, observa-se o artigo 227, §4º, da Constituição Federal, asseverando que “a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”. Aqui, embora não exista uma imposição de criminalização, há uma imposição de um dever jurídico de tratamento especial.
A existência de um mandado constitucional de criminalização não significa, entretanto, nem um engessamento do legislador penal, nem um cheque em branco para que este vá criminalizando todo o tipo de comportamento ou apregoando tratamentos penais muito severos, ainda que o próprio mandado constitucional assim exija.
É que os mandados de criminalização não estão sozinhos na Constituição e são um dos vários imperativos constitucionais relacionados com o exercício do jus puniendi, podendo com estes conflitar, reclamando uma ponderação através de um juízo de proporcionalidade. Assim, mesmo que o art. 5º, XLII, da Constituição Federal, afirme que a prática do racismo constitui crime, é necessário a atuação do legislador para definir o que seja racismo, isto é, quais condutas são consideradas racismo e quais não são. Por outro lado, ainda que o art. 227, §4º, da Constituição Federal, apregoe que a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente, isso não significa que o legislador possa aplicar uma pena de morte ou de mutilação genital (castração, ainda que química) ao condenado por tais crimes, pois a Constituição veda penas de morte, perpétuas e cruéis (art. 5º, XLVII) e garante a todos, ainda que criminosos, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III).
Mais uma vez ganha relevo o princípio da proporcionalidade, na medida em que é utilizado para otimizar o ordenamento jurídico, estabelecendo limites entre o legislador penal e os mandados constitucionais de criminalização, diante da tensão dialética entre a vedação do excesso e a proibição da proteção deficiente.
Pois bem. Primando-se pela objetividade: não existe qualquer violação de um mandado constitucional de criminalização com o novel art. 312-A, pois a disciplina dos crimes de trânsito elencados no CTB, ao qual o dispositivo em comento se refere, são frutos da legítima atividade legislativa penal em especializar a tutela penal.
É que boa parte dos crimes ali previstos já é eficientemente tutelada. Exemplo os crimes de homicídio culposo na condução de veículo automotor (art. 302, CTB), lesão corporal culposa no veículo automotor (art. 303, CTB), omissão de socorro em situação de trânsito (art. 304, CTB), etc. Todos estes tipos penais, acaso sequer existissem, não deixariam qualquer bem jurídico penal relevante sem tutela penal, pois a legislação penal ordinária o faria, e de forma eficiente, através dos artigos 121, §3º, 129 e 135 do Código Penal. Logo, não existindo mandados constitucionais de criminalização fica difícil defender que a previsão do art. 312-A do Código de Processo Penal possa ter causado alguma lesão constitucional por proteção deficiente.
Talvez seja interessante trabalharmos com a hipótese de existência de um mandado constitucional de criminalização. Imagine-se a tese de existência de um mandamento implícito, seja de criminalização ou de dever jurídico de tratamento especial. Será que, diante deste quadro hipotético, poderia se defender a violação da individualização da pena diante da proteção deficiente?
A resposta também é negativa. Rememore-se que a intenção com a inclusão do art. 312-A do Código de Trânsito Brasileiro originariamente era de agravar. No entanto, para que se aplique o art. 312-A do CTB será necessário, primeiro, que seja possível a substituição da pena de prisão por restritiva de direitos. Rememore-se que o art. 44, III, do Código Penal é taxativo ao estabelecer como requisito da substituição que “a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente”. Destarte, somente será adequada a substituição quando ela for suficiente em termos de punição, deixando clara que se as restritivas não são aplicáveis quando concretamente e fundamentadamente insuficientes para a repreensão e prevenção do crime. Nesses casos são aplicadas normalmente as penas restritivas de liberdade, pelo que não há qualquer risco de que o art. 312-A do Código de Trânsito Brasileiro cause uma proteção deficiente.
Conclusões
Com as alterações promovidas pela Lei 13.281 de 2016, que inclui no CTB o novel art. 312-A, foi estabelecida nova sistemática de substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direito nas condenações pelos crimes previstos na legislação especial de trânsito, tornando obrigatório que em todas elas somente seja possível a substituição de penas restritivas de liberdade por penas restritivas de direito na espécie prestação de serviços à comunidade e apenas na forma taxativamente delineada nos inciso I usque IV.
No entanto, diante da existência do direito fundamental da individualização da pena, percebe-se que em várias oportunidades o art. 312-A do CTB provoca excesso punitivo, reclamando controle de constitucionalidade mediante técnica de interpretação conforme, permitindo-se que na hipótese em que a pena substitutiva de prestação de serviços à comunidade se mostre inadequada, desnecessária ou desproporcional seja possível a aplicação de outras penas restritivas de direito. Não há, entretanto, proteção deficiente nas hipóteses em que o art. 312-A do Código de Trânsito Brasileiro se mostra uma lex mitior, pois não existe qualquer mandado constitucional de criminalização impondo dever jurídico de tratamento especial e, mesmo que houvesse, o dispositivo em questão não impede punição mais rigorosa, visto que a substituição da pena restritiva de liberdade por restritiva de direitos somente acontece uma vez demonstrado que é suficiente e adequada.
Deve-se observar a impossibilidade de retroação quando se tratar de situação em que o art. 312-A do CTB configura lex gravior. No entanto, tratando-se de lex mitior, é necessária a imediata retroação a fim de alcançar situações em que o indivíduo já tenha sido apenado em condições mais gravosas.
Notas e Referências
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 7. ed. Saraiva, 2009.
FELDENS, Luciano. Direitos Fundamentais e Direito Penal: A Constituição Penal. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
LIMA, Alberto Jorge Correia de Barros. Direito Penal Constitucional: A imposição dos princípios constitucionais penais. São Paulo, Saraiva, 2012.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da Pena. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
PONTE, Antônio Carlos da. Crimes Eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008.
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: Uma teoria Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 10.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
[i] “Art. 312-A. Para os crimes relacionados nos arts. 302 a 312 deste Código, nas situações em que o juiz aplicar a substituição de pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, esta deverá ser de prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, em uma das seguintes atividades: I - trabalho, aos fins de semana, em equipes de resgate dos corpos de bombeiros e em outras unidades móveis especializadas no atendimento a vítimas de trânsito; II - trabalho em unidades de pronto-socorro de hospitais da rede pública que recebem vítimas de acidente de trânsito e politraumatizados; III - trabalho em clínicas ou instituições especializadas na recuperação de acidentados de trânsito; IV - outras atividades relacionadas ao resgate, atendimento e recuperação de vítimas de acidentes de trânsito.”
[ii] O âmbito de proteção de um direito fundamental é a conformação de um fato jurídico no espectro de proteção da norma de direito fundamental, noutras palavras, o que efetivamente o direito fundamental protege. É que em matéria de direitos fundamentais, principalmente diante da constatação de que não são absolutos, tem-se que a incidência protetiva de um direito fundamental deve ser analisada tanto diante dos bens jurídicos que procura assegurar, como diante das limitações eventualmente impostas (teoria externa). Em sentido semelhante: “Certo é que todo o direito fundamental possui um âmbito de proteção (um campo de incidência normativa ou suporte fático, como preferem outros) e todo direito fundamental, ao menos em princípio, está sujeito a intervenções neste âmbito de proteção.” (SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: Uma teoria Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 10.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 386.)
[iii] Em sentido semelhante: “O entendimento segundo o qual a disposição constitucional sobre a individualização estaria exclusivamente voltado para o legislador, sem qualquer significado para a posição individual, além de revelar que se cuidaria então de norma extravagante no catálogo de direitos fundamentais, esvaziaria por completo qualquer eficácia dessa norma. É que, para fixar a individualização da pena in abstracto, o legislador não precisa sequer de autorização constitucional, expressa. Bastaria aqui o critério geral do nullum crimen, nulla poena sine lege, já prevista pelo inciso XXXIX do art. 5º da CF/88. Tudo faz crer que a fórmula aberta parece indicar, tal como em relação aos demais comandos constitucionais que remetam a uma intervenção legislativa, que o princípio da individualização da pena fundamenta um direito subjetivo, que não se restringe à simples fixação da pena in abstracto, mas que se revela abrangente da própria forma de individualização (progressão).” (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 656)
[iv] “A individualização da pena desenvolve-se em três etapas distintas. Primeiramente, cabe ao legislador fixar, no momento da elaboração do tipo penal incriminador, as penas mínimas e máximas, suficientes e necessárias para a reprovação e prevenção do crime. É a individualização legislativa. Dentro dessa faixa, quando se der a prática da infração penal e sua apuração, atua o juiz, elegendo o montante concreto ao condenado, em todos os seus prismas e efeitos. É a individualização judiciária. Finalmente, cabe ao magistrado responsável pela execução penal, recebam a mesma pena, o progresso na execução pode ocorrer de maneira diferenciada. Enquanto um deles pode obter a progressão do regime fechado ou semiaberto em menor tempo, outro pode ser levado a aguardar maior período para obter o mesmo benefício. Assim também ocorre com a aplicação de outros instrumentos, como, exemplificando, o livramento condicional ou o indulto coletivo ou individual. É a individualização executória.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da Pena. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 28-29.)
[v] Mandados constitucionais de criminalização são comandos constitucionais expressos ao legislador penal no sentido de que os mesmos criminalizem condutas valoradas previamente pelo Constituinte como merecedoras de tutela penal, não descriminalizem comportamentos já previamente valorados como merecedores de tutela penal ou apenem com maior rigor determinados tipos de crimes. Em sentido semelhante: “Os mandamentos constitucionais criminalizadores são, tivemos oportunidade de assinalar, uma imposição constitucional de conteúdo no que restringe os processos de criminalização como determinam criminalizações e/ou recrudescem o tratamento penal.” (LIMA, Alberto Jorge Correia de Barros. Direito Penal Constitucional: A imposição dos princípios constitucionais penais. São Paulo, Saraiva, 2012. p. 142)
[vi] “Art. 22 - Ergastolo - La pena dell'ergastolo è perpetua, ed è scontata in uno degli stabilimenti a ciò destinati, con l'obbligo del lavoro e com l'isolamento notturno. Il condannato all'ergastolo può essere ammesso al lavoro all'aperto”. Tradução livre e adaptada aos conceitos jurídicos em português: “Art. 22 – Ergastolo – A pena de ergastolo é perpétua e cumprida em um dos estabelecidos para esta destinados, com obrigação de trabalho e com isolamento noturno. O condenado ao ergastolo pode ser admitido ao trabalho externo”
[vii] “Art. 176 - Liberazione condizionale - Il condannato a pena detentiva che, durante il tempo di esecuzione della pena, abbia tenuto un comportamento tale da far ritenere sicuro il suo ravvedimento, può essere ammesso alla liberazione condizionale, se ha scontato almeno trenta mesi e comunque almeno metà della pena inflittagli, qualora il rimanente della pena non superi i cinque anni. Se si tratta di recidivo, nei casi preveduti dai capoversi dell'articolo 99, il condannato, per essere ammesso alla liberazione condizionale, deve avere scontato almeno quattro anni di pena e non meno di tre quarti della pena inflittagli. Il condannato all'ergastolo può essere ammesso alla liberazione condizionale quando abbia scontato almeno ventisei anni di pena. La concessione della liberazione condizionale è subordinata all'adempimento delle obbligazioni civili derivanti dal reato, salvo che il condannato dimostri di trovarsi nell'impossibilità di adempierle.” Tradução livre e adaptada aos conceitos jurídicos em português: Art. 176 – Liberdade condicional – O condenado à pena detentiva que, durante o tempo de execução da pena, tenha tido um comportamento tal que possa indicar seguramente seu arrependimento, pode ser admitido à liberdade condicional se cumpriu pelo menos trinta meses e, em qualquer caso, metade da pena imposta, quando o remanescente da pena não for superior à cindo anos. Se se tratar de reincidente, nos casos previstos pelos parágrafos do artigo 99, o condenado para ser admitido na liberdade condicional, deve ter cumprido pelo menos quatro anos de pena e não menos de três quartos da pena imposta. O condenado ao ergastolo pode ser admitido na liberdade condicional quando tenha cumprido pelo menos vinte e seis anos da pena. A concessão de liberdade condicional está subordinada ao adimplemento das obrigações civis derivadas do crime, salvo o condenado que demonstre encontra-se na impossibilidade de adimpli-las.
[viii] Nesse sentido a ementa do julgado: “(...) Conflita com a garantia da individualização da pena - artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal - a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90. (...)” BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus n. 82.959, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 23/02/2006, DJ 01-09-2006.
[ix] Confira-se a ementa do julgado: “(...) 1. Verifica-se que o delito foi praticado em 10/10/09, já na vigência da Lei nº 11.464/07, a qual instituiu a obrigatoriedade da imposição do regime inicialmente fechado aos crimes hediondos e assemelhados. 2. Se a Constituição Federal menciona que a lei regulará a individualização da pena, é natural que ela exista. Do mesmo modo, os critérios para a fixação do regime prisional inicial devem-se harmonizar com as garantias constitucionais, sendo necessário exigir-se sempre a fundamentação do regime imposto, ainda que se trate de crime hediondo ou equiparado. 3. Na situação em análise, em que o paciente, condenado a cumprir pena de seis (6) anos de reclusão, ostenta circunstâncias subjetivas favoráveis, o regime prisional, à luz do art. 33, § 2º, alínea b, deve ser o semiaberto. 4. Tais circunstâncias não elidem a possibilidade de o magistrado, em eventual apreciação das condições subjetivas desfavoráveis, vir a estabelecer regime prisional mais severo, desde que o faça em razão de elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade de maior rigor da medida privativa de liberdade do indivíduo, nos termos do § 3º do art. 33, c/c o art. 59, do Código Penal. 5. Ordem concedida tão somente para remover o óbice constante do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/07, o qual determina que “[a] pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado“. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da obrigatoriedade de fixação do regime fechado para início do cumprimento de pena decorrente da condenação por crime hediondo ou equiparado.” BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus n. 111.840, Relator Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 27/06/2012, DJe-249 16-12-2013.
[x] Deve-se, ademais, atentar para a Súmula Vinculante nº 26 do Supremo Tribunal Federal, aludindo que: “Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.”
[xi] Aqui merece relevo o seguinte alerta: “Sem embargo, talvez não seja exagero constatar que o apelo à proporcionalidade, no Brasil, tem se revelado mais estatístico do que técnico. Não raramente, brotam da jurisprudência invocações à proporcionalidade que retratam pouco ou nada mais que a concepção subjetiva do julgador. O resultado alcançado, muitas vezes, até pode ser adequado. Porém, em se tratado de um problema que afeta o âmbito da discricionariedade legislativa – trazendo novamente, a relação de tensão entre justiça e democracia – o fundamento não pode faltar. O efeito é claro: um juízo de desproporcionalidade implica colocar limites de configuração do legislador democrático. Daí por que a proporcionalidade não é – e não pode se tornar – um curinga argumentativo. Ela não substitui o argumento. Ao contrário: o refina. Este é o propósito: obrigar o jurista a se expor, definindo com maior grau de precisão, as razões que o levam, em tal ou qual situação, a justificar ou afastar a incidência de uma determinada medida (em nosso caso, de uma medida restritiva de liberdade), sabido que a problemática do Direito Constitucional Penal está diretamente associada à justificação do poder estatal.” (FELDENS, Luciano. Direitos Fundamentais e Direito Penal: A Constituição Penal. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 129-130.)
[xii] É de se consignar nossa posição quanto a inconstitucionalidade do art. 307, p.u., do CTB. O tipo penal viola o princípio da intervenção mínima penal, pois trata-se de um mero ilícito administrativo galgado injustificadamente ao talante de infração penal.
[xiii] “Na interpretação conforme a Constituição, o órgão jurisdicional declara qual das possíveis interpretações de uma norma legal se revela compatível com a Lei Fundamental. Isso ocorrerá, naturalmente, sempre que um determinado preceito infraconstitucional comportar diveras possibilidade de interpretaçao, sendo qualquer delas incompatível a Constituição. Note-se que o texto legal permanece íntegro, mas sua aplicação fica restrita ao sentido declarado pelo tribunal.” BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 7. ed. Saraiva, 2009. P. 194-195.
[xiv] O Supremo Tribunal Federal já possui precedente acerca da existência de mandados constitucionais expressos de criminalização e possibilidade de controle da atividade legislativa penal com base em juízos de proporcionalidade. Em especial cita-se o HC nº 102.087: “(...) 1.1. Mandados constitucionais de criminalização: A Constituição de 1988 contém significativo elenco de normas que, em princípio, não outorgam direitos, mas que, antes, determinam a criminalização de condutas (CF, art. 5º, XLI, XLII, XLIII, XLIV; art. 7º, X; art. 227, § 4º). Em todas essas é possível identificar um mandado de criminalização expresso, tendo em vista os bens e valores envolvidos. Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas proibições de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Pode-se dizer que os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso (Übermassverbote), como também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela (Untermassverbote). Os mandados constitucionais de criminalização, portanto, impõem ao legislador, para seu devido cumprimento, o dever de observância do princípio da proporcionalidade como proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente. 1.2. Modelo exigente de controle de constitucionalidade das leis em matéria penal, baseado em níveis de intensidade: Podem ser distinguidos 3 (três) níveis ou graus de intensidade do controle de constitucionalidade de leis penais, consoante as diretrizes elaboradas pela doutrina e jurisprudência constitucional alemã: a) controle de evidência (Evidenzkontrolle); b) controle de sustentabilidade ou justificabilidade (Vertretbarkeitskontrolle); c) controle material de intensidade (intensivierten inhaltlichen Kontrolle). O Tribunal deve sempre levar em conta que a Constituição confere ao legislador amplas margens de ação para eleger os bens jurídicos penais e avaliar as medidas adequadas e necessárias para a efetiva proteção desses bens. Porém, uma vez que se ateste que as medidas legislativas adotadas transbordam os limites impostos pela Constituição – o que poderá ser verificado com base no princípio da proporcionalidade como proibição de excesso (Übermassverbot) e como proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) –, deverá o Tribunal exercer um rígido controle sobre a atividade legislativa, declarando a inconstitucionalidade de leis penais transgressoras de princípios constitucionais (...).” BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus nº 102087, Relator Ministro Celso de Mello; Relator p/ Acórdão Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 28/02/2012, DJe 13-08-2012.
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