Pela revogação da PEC da bengala quebrada

16/12/2015

Por Rubens Casara e Alexandre Morais da Rosa - 16/12/2015

A “PEC da Bengala”, alteração constitucional que ampliou para setenta e cinco anos a idade da aposentadoria compulsória dos ministros dos tribunais superiores, foi objeto de severas críticas (as mesmas que a recente ampliação dessa regra de aposentadoria para todos os servidores públicos deve receber).

A uma, pelo evidente casuísmo da medida, direcionada a evitar que o atual governo indique novos ministros aos órgãos de cúpula do Poder Judiciário, embora a história recente demonstre que não houve o aparelhamento das Instituições Judiciais. A duas, porque, para além de satisfazer os ministros que gostariam de continuar a exercer poder após os setenta anos de idade, a ampliação representa, em certa medida, a escolha dos magistrados responsáveis pelo futuro julgamento de vários dos parlamentares que votaram por essa ampliação temporal (escolha que, qualquer manual de processo penal adequado à Constituição da República, apontaria como ilegítima: assim, os parlamentares que figuram no polo passivo de ações penais, por imperativo ético e constitucional, não deveriam ter participado dessa votação). A três, pois representa hipótese de manutenção (poder-se-ia dizer: perpetuação) de poder nas mãos das mesmas pessoas, isso na direção contrária do ideal republicano de controle e limitação (inclusive temporal) do exercício do poder (em muitos países, de forte tradição republicana, o caminho foi o inverso, a saber: a fixação de mandato para o exercício da função jurisdicional nos tribunais).

Isso para não falar na paralisação das carreiras no serviço público e, no que toca ao Poder Judiciário, na dificuldade de oxigenação da jurisprudência (pense-se, por exemplo, em uma escolha equivocada para um tribunal superior e nos danos que serão produzidos em razão dessa ampliação temporal...). Além do que, como já sabemos, perpetuam-se para além de uma geração nos cargos.

Como se não bastassem todos esses efeitos danosos à sociedade brasileira, a disciplina da aposentadoria criada a partir da chamada “PEC da Bengala” ainda goza de um vício grave, dessa vez produzida pelo equivocado controle de constitucionalidade exercido no caso dessa Emenda Constitucional. Frise-se que a redação da PEC previa um controle externo acerca das condições (físicas, mentais, intelectuais, etc.) para os ministros dos tribunais superiores continuarem a exercer a jurisdição: cabia ao Parlamento declarar se o agente público continuava capaz de exercer a judicatura, como, aliás, ocorre em outros países.

Por evidente, várias pessoas chegam em pleno gozo de suas faculdades mentais e físicas aos oitenta anos, enquanto outros, aos quarenta, já apresentam sinais de demência. A fixação de uma determinada idade máxima para o exercício de uma função pública é, portanto, sempre um ato político, uma escolha a partir de determinados critérios políticos. Inegável, também, que a fixação de um termo, de uma determinada idade limite, é um ato arbitrário. No caso em exame, o Parlamento decidiu ampliar a idade para a aposentadora compulsória, mas, também por critérios políticos, decidiu submeter essa possibilidade, do magistrado exercer a jurisdição após os setenta anos, a um controle do legislativo.

 Diante desse quadro, o Poder Judiciário poderia declarar a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional, por entender que a forma de controle violava a normatividade constitucional, em especial por colocar em risco o princípio da independência da Agência Judicial. Mas, não foi isso que o Supremo Tribunal Federal fez. Ao extirpar do ordenamento jurídico apenas o controle parlamentar previsto na emenda, o Supremo Tribunal Federal ignorou o juízo político do Congresso Nacional que exigia esse controle, ou melhor, que fez desse controle verdadeira condição de possibilidade para que os ministros dos tribunais superiores não se aposentassem aos 70 anos, para permitir que os Ministros (todos eles, inclusive) pudessem sem qualquer controle se aposentar compulsoriamente apenas aos setenta e cinco anos de idade.

Em apertada síntese, o Supremo Tribunal Federal quebrou de forma ilegítima o sistema de “freios e contrapesos” criado pelo Congresso. Nunca poderia, nesse caso concreto, ter reconhecido a inconstitucionalidade apenas de parte da Emenda Constitucional (se o controle previsto na Emenda era inconstitucional, toda a inovação legislativa o é), na medida em que o legislativo, ao exercer a sua função constitucional de inovar na ordem jurídica, só autorizou a ampliação da idade para a aposentadoria dos ministros mediante o referido controle parlamentar. Na melhor das hipóteses, valeria apenas para os novos Ministros, não os atuais.

Como dificilmente o Supremo Tribunal Federal reconhecerá esse vício flagrante, cabe ao Parlamento brasileiro não se apequenar e revogar o que restou dessa Emenda, afirmando-se como poder da República.


 

Rubens Casara é Juiz de Direito do TJRJ, doutor em direito, mestre em Ciências Penais, professor universitário, membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD) e do Corpo Freudiano.                                                                                                                                                                                                                    

 

Alexandre Morais da Rosa é Professor de Processo Penal da UFSC e do Curso de Direito da UNIVALI-SC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito (TJSC).

Email: alexandremoraisdarosa@gmail.com   Facebook aqui 


Imagem Ilustrativa do Post: walking sticks sticking together // Foto de: João Brizzi // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/joaobrizzi/11260141923/ Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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