PEC 171/93: inconstitucionalidade total? Reflexões iniciais

17/09/2015

Por Marcelo Garcia Santana - 17/09/2015

Diante do ocorrido nas últimas 48 horas no procedimento de discussão e votação da PEC 171/1993, sinto-me obrigado a tecer algumas considerações acerca da regularidade do processo legislativo e da (in)constitucionalidade material da proposição.

À Proposta inicial contida na referida PEC, foi oferecida pela Comissão Especial designada para sua apreciação EMENDA SUBSTITUTIVA, incluindo no rol de crimes objeto da redução da maioridade penal para 16 anos outros que não os fixados no texto original. Nos exatos termos do art. 119 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, a Comissão Especial, dentro de seu campo temático (§§ 1º e 2º) pode apresentar emendas à proposição original.

De acordo com o art. 118 daquele regimento, as emendas podem ser de natureza:

- supressiva (manda erradicar qualquer parte da proposição original); - aglutinativa (resulta da fusão de outras emendas, ou destas com o texto, para aproximação dos respectivos objetos); - substitutiva (podendo ser formal, quando apenas prima pela técnica legislativa – vide aulas de Introdução ao Estudo do Direito - ou substancial, quando substitui conteúdo material da proposição original ou de outra proposição correlata) apresentada como sucedânea à proposição original; - modificativa (altera a proposição sem modificar substancialmente); - aditiva (acrescenta outra proposição) e - de redação (visa sanar vício de linguagem ou melhorar a dicção do texto original, sem modifica-lo ou substitui-lo).

No caso da PEC 171/93, foi apresentada pela referida Comissão uma EMENDA SUBSTITUTIVA, a qual foi REJEITADA em 29/30 de junho do corrente. É importante frisar que a Emenda Substitutiva, também denominada de apenas "SUBSTITUTIVO", tem preferência na apreciação e votação pelo plenário sobre o projeto original, conforme dispõe o art. 191, incisos II e III, do RICD.  Nesse passo, com a apresentação do SUBSTITUTIVO, duas hipóteses podem ser observadas: 1 – o SUBSTITUTIVO é aprovado, restando por prejudicada a proposição original (inciso IV do art. 191 do RICD); 2 – o SUBSTITUTIVO é rejeitado – como ocorreu – e a proposição original será VOTADA, como ocorreu em 01/02 de julho (inciso V do art. 191 do RICD).

Assim, vamos organizar nosso raciocínio:

a) Com a rejeição do SUBSTITUTIVO a proposição original com as emendas restam prejudicadas?

R: De acordo com o art. 191, inciso V, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, não.

b) A apreciação do texto original da PEC, ou das emendas aglutinativas, fere o princípio da irrepetibilidade?

R: Não, se considerado o atual posicionamento do STF (que, de acordo com atuais declarações,  parece que vai ser modificado). Nos termos do art. 60, §5º, da Constituição da República, "a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa", ou seja, a questão não poderia compor NOVA PEC no mesmo ano, o que não ocorreu no caso em exame, uma vez que a PEC não restou prejudicada - STF MS 22503-3 DF (vamos aguardar a posição da Corte com a atual composição).

Como já mencionado, o art. 118 estabelece que a emenda substitutiva, ou SUBSTITUTIVO, caracteriza SUCEDÂNEO a outra proposição. Nesse sentido, SUCEDÂNEO significa, em uma interpretação meramente gramatical (método hermenêutico clássico), algo que tenha a capacidade de substituir por apresentar aproximadamente as mesmas propriedades; um substituto.

Tal análise deveria conduzir à conclusão que o próprio Regimento Interno da Câmara dos Deputados apresenta antinomia, uma vez que, se aquilo que substitui é rejeitado, o substituído também o seria. Seguindo raciocínio aproximado, se há a possibilidade de substituição e se opta por ela, seria desnecessário considerar novamente o substituído.

Porém, este não é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal (fixado até o momento em um único precedente em controle concentrado). Por ocasião do julgamento da Medida Cautelar em Ação Direta de Constitucionalidade no. 2182/DF, a Corte Constitucional manifestou-se no sentido de que o SUBSTITUTIVO "nada mais é do que uma ampla emenda ao projeto inicial". Diante desse posicionamento, preferiu o STF aplicar interpretação teleológica do instituto, ou seja, considera-lo EMENDA e não novo projeto autônomo, a qual não tem o condão de substituir ou prejudicar a proposição original.

Repise-se que o tema foi analisado pelo STF em um único precedente em controle concentrado (situação parecida, aproximada, não exatamente idêntica), cujo julgamento data de 31/05/2000; ou seja, o posicionamento poderá ser alterado em futura apreciação.

Diante disso, até o momento, a votação da PEC 171/93, aprovada em primeiro turno no que toca as emendas aglutinativas, segue, salvo melhor juízo, seu regular processamento, não sofrendo de vício de inconstitucionalidade (inconstitucionalidade formal propriamente dita, por vício formal objetivo), uma vez que não afronta o princípio da irrepetibilidade. Precedente do STF em controle preventivo e concreto, MS 22503-3 DF (que poderá ser modificado considerando a atual composição da Corte).

Outro ponto que merece destaque é aquele que se refere à (in)constitucionalidade material da PEC 171/93.

O texto da proposição original, aprovada ontem em primeiro turno da Câmara dos Deputados, reduz a maioridade penal, de 18 para 16 anos, nos casos de crimes hediondos (estupro, sequestro, latrocínio, homicídio qualificado e outros), homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte, deixando de fora da redução da maioridade outros crimes previstos no texto rejeitado na quarta-feira, como roubo qualificado, tortura, tráfico de drogas e lesão corporal grave. O texto anterior, como já dito, era um substitutivo da comissão especial que analisou a PEC.

A atual redação do art. 228 da Constituição da República, de 1988, assegura que "são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial". Em apertada síntese, a PEC 171/93 tem por objetivo reduzir a idade para 16 anos em casos de crimes específicos.

O debate, portanto, diz respeito à qualificação da norma contida no art. 228 da CR no rol de cláusulas pétreas, (art. 60, §4º) na modalidade "direito individual".

Os argumentos a favor da redução da maioridade penal se apresentam da seguinte forma:

a) o estabelecimento de um marco etário para a imputabilidade caracteriza-se como uma ferramenta de prevenção e repressão da criminalidade, isto é, um ato de política criminal adotado pelo legislador na escolha do parâmetro adequado para a idade mínima de maioridade penal;

b) a maioridade penal aos 18 anos, prevista no art. 228 da Constituição Federal, não se enquadra no conceito de cláusulas pétreas, tendo em vista que não se encaixa em nenhuma das hipóteses previstas no art. 60, § 4º, da Lei Maior;

c) Por outro lado, ainda que se considere que a fixação de uma idade mínima de maioridade penal revelaria um direito fundamental das crianças e dos adolescentes, deslocado do art. 5º da Constituição, nenhum direito fundamental é absoluto, pois todos eles são relativos e mutáveis e sofrem a influência dos contextos histórico e social em que se encontram inseridos.

Se por um lado considerarmos o conteúdo normativo estabelecido no art. 228 com verdadeiro direito fundamental, não há dúvidas de que a redução da maioridade é inconstitucional (inconstitucionalidade material), uma vez que afrontará um limite material expresso imposto ao Poder Constituinte Derivado Reformador pelo Poder Constituinte Originário.

Isto se diz, pois, em uma visão neoconstitucional do Estado de Direito, toda atuação estatal deve se direcionar à proteção, promoção e efetivação de Direitos Humanos. Como já sabemos, toda ordem internacional ocidental (mesmo que em uma visão europeia ou norte-americana da questão) caminha no sentido proteger e promover o melhor interesse da criança e do adolescente. Salvo melhor juízo (e aqui convoco os colegas da psicologia), os parâmetros atuais mundiais inserem a faixa etária em questão no conceito de adolescente. Em que pese a realidade brasileira, reconhecer e festejar o contrário, aplicando pragmaticamente o discurso midiático do medo, revela-se retrocesso social, o que se opõe ao que se espera do neoconstitucionalismo.

A mesma visão neoconstitucional repudia aquilo que se preferiu chamar hodiernamente de "crise de representatividade". Ora, se 87% da população brasileira aprova a redução da maioridade penal, assim deverá agir o Poder Constituinte Derivado Reformador, procedendo a atualização do texto constitucional de acordo com as expectativas sociais contemporâneas?

Ao meu sentir, a resposta categórica é NÃO!

A mera visão procedimentalista da democracia teria aplicação saudável em um Estado democraticamente saudável. Para que o resultado da deliberação democrática seja legitimado apenas pelo procedimento regularmente estabelecido na Constituição, devemos partir do pressuposto de que há qualidade na deliberação. Resultados legitimados apenas pelo procedimento e, portanto, ilimitados em seu conteúdo, somente poderiam se estabelecer onde a qualidade nos debates se apresenta no ambiente público que prima pela comunicação e informação adequadas daquilo que se está por decidir. Na atuação comunicativa das entidades de representação social, assim como da própria sociedade, educada e esclarecida sobre os limites da deliberação democrática, o procedimento seria suficiente para legitimar o resultado.

Seria este o ambiente democrático brasileiro?

Sabemos que a retórica e os interesses políticos escusos compõem o mote dos debates democráticos, dentro e fora da instância política dominante. Os interesses pessoais servem como gatilho disparador das razões do debate. A retórica vence sempre. Assim, nem sempre vence quem tem razão. Sempre vence aquele que tem a capacidade de convencer acerca daquilo que é "verdade".

Mas onde está a verdade?

A verdade só se estabelece no consenso sobre algo devidamente esclarecido, onde todos nós somente seremos capazes a estabelecer o que é bom ou ruim para o interesse coletivo se estivermos preparados para decidir, ou seja, desde que estejamos suficientemente esclarecidos acerca do objeto do debate. Enquanto isso não acontece, o Estado Jurisdicional atuará de forma substancialista, limitando os resultados da deliberação que afrontem Direitos Humanos conquistados.

Uma sociedade que não sabe de onde veio, não saberá nunca aonde deve ir...

Tenho muito medo daqueles que se aproveitam dessa situação...


Marcelo Garcia Santana
Marcelo Garcia Santana é Mestre em Direito e Teoria do Direito. Especialista em Direito Público. Professor de Ciência Política, Direito Constitucional, Direito Eleitoral e Direito Internacional dos cursos de Graduação e Pós-graduação da Universidade Estácio de Sá e da Graduação das Faculdades São José/RJ. Professor convidado do Programa de Pós-graduacão do Centro Universitário Celso Lisboa/RJ. Coordenador Adjunto do Curso de Direito do Campus Niterói, Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro. Autor, advogado e consultor jurídico. 
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Imagem Ilustrativa do Post: The ReThinking Man// Foto de: amira_a // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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