Paternidade responsável: a prorrogação da licença a todos os trabalhadores

08/06/2016

Por Ricardo Calcini – 08/06/2016

A Lei 13.257, de 08 de março de 2016, estabeleceu princípios e diretrizes para a formulação e implementação de políticas públicas para a primeira infância”. Dentre as alterações legislativas trazidas por essa norma – como aquelas promovidas na Lei 8.069/1990 (ECA), no Decreto-Lei 3.689/1941 (CPP) e no artigo 473 do Decreto-Lei 5.452/1943 (CLT) – destacam-se aqui as modificações incorporadas à Lei 11.770/2008, que criou o “Programa da Empresa Cidadã”.

Referido programa regulamentava, até então, apenas a prorrogação da duração da licença-maternidade, de 120 dias (CF, art. 7º, XVIII), para 180 dias. Com a edição da Lei 13.257/2016, passou a contemplar também a prorrogação da duração da licença-paternidade, de 5 dias (ADCT, art. 10, § 1º), para agora 20 dias.

Importante salientar, porém, que as prorrogações às aludidas licenças somente alcançam os empregados da pessoa jurídica que aderir ao “Programa da Empresa Cidadã”. No caso da gestante, a empregada deve solicitar a prorrogação até o final do primeiro mês após o parto, sendo concedida imediatamente após a fruição da licença-maternidade de 120 dias (CF, art. 7º, XVIIII). Já o empregado deve fazer seu requerimento no prazo de 2 dias úteis após o parto, cuja prorrogação ocorrerá após o término do prazo inicial de 5 dias (ADCT, art. 10, § 1º).

Curioso destacar que a Constituição Federal de 1988 foi a primeira, em nosso país, a consagrar o benefício da licença-paternidade, conquanto não seja efetivamente considerado como modalidade de política pública pelo ordenamento jurídico pátrio.

Entrementes, ao tratar da licença-paternidade, a Lei 13.257/2016 trouxe a exigência legal de que o empregado comprove a chamada “atividade de orientação sobre paternidade responsável”. Contudo, há crítica na doutrina sobre tal requisito, seja porque a própria norma não traz a sua exata definição – tratando-se, portanto, de conceito vago e indeterminado –, seja porque não foi feita semelhante exigência à empregada, para se perquirir, com igual desiderato, quanto ao que viesse a ser “gestação responsável”.

Outro ponto polêmico diz respeito aos servidores públicos. Isso porque o artigo 2º da Lei 11.770/2008 preconiza ser a Administração Pública Direta, Indireta e Fundacional autorizada a instituir programa que garanta a prorrogação da licença-maternidade para suas servidoras. Nada refere, porém, sobre a licença-paternidade, o que parte da doutrina sustenta ter sido um “silêncio eloquente” do legislador. Para tanto, afirma-se que, com supedâneo no princípio da legalidade, a Administração Pública somente pode fazer o que a lei determina e autoriza, enquanto ao particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe (CF, art. 5º, II).

Sucede, porém, que deve prevalecer o entendimento segundo o qual a prorrogação de 15 dias da licença-paternidade também é extensível aos servidores públicos do sexo masculino, pois pensamento em sentido contrário viola o postulado constitucional da igualdade (CF, art. 5º, “caput” e inciso I).

Nesse sentido, o artigo 2º, “in fine”, faz expressa alusão à prorrogação das licenças de que trata o artigo 1º da Lei 11.770/2008, o que contempla a autorização conferida à Administração Pública para internamente instituir a aludida prorrogação em cada órgão.

A este respeito, a propósito, a Presidência da República editou o Decreto nº 8.737, de 3 de maio de 2016, com base na referida Lei 11.770/2008, instituindo o Programa de Prorrogação da Licença-Paternidade para todos os servidores regidos pela Lei 8.112/1991, com duração de 15 dias, acrescidos aos 5 dias já concedidos na forma do seu artigo 208.

Para tanto, de se mencionar os principais pontos trazidos pelo decreto presidencial: (i) o requerimento deve ser formulado no prazo de 2 dias úteis após o nascimento ou a adoção; (ii) a prorrogação se iniciará no dia subsequente ao término da licença de 5 dias de que trata o artigo 208 da Lei 8.112/1990; (iii) o decreto é aplicável a quem adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança; (iv) considera-se criança a pessoa de até 12 anos de idade incompletos; e (v) é vedado o exercício de atividade remunerada durante a prorrogação da licença-paternidade, sob pena de cancelamento do benefício e o registro da ausência como falta ao serviço.

Mais recentemente, inclusive, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em medida liminar concedida pelo Conselheiro Bruno Ronchtti, passou a permitir que os Tribunais e demais órgão do Poder Judiciário concedam a Magistrados e Servidores o direito à licença-paternidade de 20 dias. A decisão foi tomada em pedido de providências formulado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), pela Associação de Juízes Federais (Ajufe) e pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).

Antes disso, inclusive, o benefício foi estendido por portarias aos membros e servidores do Ministério Público Federal, como também aos servidores do Conselho Nacional do Ministério Público. Aos servidores do Supremo Tribunal Federal igualmente foi prorrogada a licença-paternidade, por meio da Resolução 576/2016, editada pelo Presidente Ricardo Lewandowski.

Além do mais, a prorrogação deve ser garantida, na mesma proporção, à empregada e ao empregado que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança. Ainda, durante o período de prorrogação da licença-maternidade e da licença-paternidade: (i) a empregada terá direito à sua remuneração integral, nos mesmos moldes devidos no período de percepção do salário-maternidade pago pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS); e (ii) o empregado terá direito à sua remuneração integral, paga por seu empregador.

Questão interessante fica por conta da adoção ou guarda judicial feita em nome de casal homossexual. Isso porque, a despeito de a legislação consolidada não tratar da matéria referente ao “Programa da Empresa Cidadã”, o artigo 392-A, § 5º, da CLT, preconiza que “a adoção ou guarda judicial conjunta ensejará a concessão de licença-maternidade a apenas um dos adotantes ou guardiães empregado ou empregada.”

Partindo da diretriz trazida pelo legislador, e desde que o empregador seja participante do aludido programa, é possível se defender a prorrogação da licença-maternidade pelo período de 60 dias, a um dos adotantes ou guardiões empregado ou empregada, e a prorrogação da licença-paternidade ao outro.

Impende salientar, ainda, que o período de licença-paternidade não tem natureza de benefício previdenciário no Regime Geral de Previdência Social (CF, art. 201), mas apenas de interrupção do contrato de trabalho, com direito ao salário a ser pago pelo empregador, ainda que ausente a prestação de serviço pelo empregado (CF, art. 7º, inciso XIX c/c ADCT, art. 10, § 1º).

Neste aspecto, inclusive, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), para quem há incidência da contribuição previdenciária sobre o salário paternidade, conforme se extrai do recurso especial repetitivo (REsp 1.230.957-RS), julgado pela 1ª Seção, no dia 26/2/2014, de relatoria do ministro Mauro Campbell Marques:

DIREITO TRIBUTÁRIO E PREVIDENCIÁRIO. INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE O SALÁRIO PATERNIDADE. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).

Incide contribuição previdenciária a cargo da empresa sobre os valores pagos a título de salário paternidade. Esse salário refere-se ao valor recebido pelo empregado durante os cinco dias de afastamento em razão do nascimento de filho (arts. 7º, XIX, da CF; 473, III, da CLT; e 10, § 1º, do ADCT). Ao contrário do que ocorre com o salário-maternidade, o salário paternidade constitui ônus da empresa, ou seja, não se trata de benefício previdenciário. Desse modo, em se tratando de verba de natureza salarial, é legítima a incidência de contribuição previdenciária. Ademais, ressalte-se que o salário paternidade deve ser tributado, por se tratar de licença remunerada prevista constitucionalmente, não se incluindo no rol dos benefícios previdenciários. Precedente citado: AgRg nos EDcl no REsp 1.098.218-SP, Segunda Turma, DJe 9/11/2009. STJ – 1ª Seção. REsp 1.230.957-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 26/2/2014.

Frise-se, mais, que no período de prorrogação da licença-maternidade e da licença-paternidade, de que trata a Lei 11.770/2008, a empregada e o empregado não podem exercer nenhuma atividade remunerada, mesmo que possuam mais de um emprego, sendo que a criança deve ser mantida sob seus cuidados. Em caso de descumprimento dessa previsão, ambos perdem o direito à prorrogação das licenças.

No mais, reitere-se que as prorrogações às licenças maternidade e paternidade não são automáticas, porquanto exigem que o empregador seja pessoa jurídica que tenha aderido ao “Programa Empresa Cidadã”.

E neste viés, somente a pessoa jurídica tributada com base no lucro real é participante do programa, podendo deduzir do imposto devido, em cada período de apuração, o total da remuneração integral paga à empregada e ao empregado nos dias de prorrogação de suas licenças, sendo vedada a dedução como despesa operacional. Trata-se, assim, de medida com nítida natureza de renúncia fiscal, que não contempla, porém, as empresas de pequeno porte, tributadas com base no lucro presumido, e as microempresas regidas pelo Simples Nacional.

Nota-se, portanto, que, ao restringir a prorrogação das licenças maternidade e paternidade, o legislador pátrio se coloca de encontro com a "Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia", que anuncia a proteção da família nas esferas jurídica, econômica e social, bem como o direito de conciliar a vida familiar e a vida profissional.

De outro norte, sobreleva ressaltar que, havendo autorização em acordo ou convenção coletiva de trabalho ampliando os dias de licença-paternidade, independentemente de o empregador ser pessoa jurídica tributada com base no lucro real, impõe-se a adoção da norma mais favorável ao empregado.

Logo, a aplicação se mostra imperativa, à luz do artigo 7º, “caput”, da Constituição Federal, por concretizar mandamento constitucional de melhoria das condições sociais de trabalho. Aqui, portanto, está o fundamento apto a autorizar a extensão do benefício ao empregado doméstico, considerando-se que sua contratação se realiza por meio de pessoa física, e não jurídica.

De mais a mais, para conferir efetiva proteção à licença-paternidade, mostra-se necessária a ampliação do período remunerado, sem que haja imposição de outras restrições, o que já ocorre em outros países. São exemplos à proteção do aludido direito a Eslovênia e a Islândia, com 90 dias, a Suécia, com 70 dias, e a Finlândia, com 54 dias. Na América do Sul, o destaque fica por conta do Uruguai, com período de 12 semanas de licença-paternidade pagas pelo governo.

O Brasil, ainda no âmbito da América Latina, foi o único país que não ratificou a Convenção 156 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que aborda a igualdade de oportunidades e tratamento para trabalhadoras e trabalhadores com responsabilidades familiares. Com a adesão de mais de 40 países, o preâmbulo de referida norma internacional preconiza que “(…) para alcançar a plena igualdade entre homens e mulheres, é necessário modificar o papel tradicional tanto do homem quando da mulher na sociedade e na família (…)”.

Neste contexto, a ampliação da licença-paternidade acaba, a um só tempo, por propiciar uma maior conciliação e equilíbrio entre a vida familiar e profissional; trazer certa democratização às relações sociais, para que, em igualdade de condições, homens e mulheres participem da vida pública e privada; assegurar maior proteção aos direitos da criança, concretizando o princípio da absoluta prioridade à infância; estimular uma maior participação de homens na denominada "ética do cuidado", o que minimiza a prática cultural de concentrar quase que exclusivamente na mulher a responsabilidade de cuidar dos filhos; intensificar o vínculo e a convivência entre pais e seus filhos; e garantir condições de maior bem-estar aos trabalhadores de ambos os  sexos, o que também enseja um maior rendimento profissional e lucros às empresas.

De resto, a ideia de “dias livres”, incorporada no instituto brasileiro da licença-paternidade, é distinta de outras adotadas em países como Alemanha e França. Nesses países prevalece o conceito de "parental leave", pautado na Convenção 183 e na Recomendação 191, ambas da OIT, em que homens e mulheres podem optar por se revezar, em períodos intercalados, no cuidado dos filhos por um longo período.

Por fim, partindo-se da premissa de ser fundamental aos trabalhadores o direito de passar mais tempo com a família, ganha destaque o instituto do “home office”, que adota a jornada de trabalho pautada em horários flexíveis, viabilizando o postulado da “paternidade responsável”, em conformidade com os princípios da proteção integral e prioridade absoluta (CF, art. 227, “caput”).


Ricardo Calcini

Ricardo Calcini é Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde obteve o título de Especialista em Direito Social. É também Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Escola Paulista da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo. Assessor de Desembargador no Tribunal Regional de São Paulo da 2ª Região. Professor, Palestrante, Articulista e Comentarista de Direito do Trabalho. Colunista dos sites Fabre Concursos, Os Trabalhistas e Mega Jurídico, do Jornal Jurid e da FocoFiscal Gestão Educacional. É membro do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior (IBDSCJ), da Academia Brasileira de Direito Processual Civil (ABDPC), da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional (ABDPC), do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD), da Academia Brasileira de Direito do Estado (ABDET) e do Instituto Brasiliense de Direito Aplicado (IDA).


Imagem Ilustrativa do Post: Sem título // Foto de: Aurimas Mikalauskas // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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