PARTICIPAÇÃO DOS ADVOGADOS NOS PLENÁRIOS FÍSICO E VIRTUAL: QUAL O MODELO DELIBERATIVO IDEAL?

28/01/2024

Coluna Advocacia Pública e outros temas Jurídicos em Debate / Coordenadores José Henrique Mouta e Weber Oliveira

Este texto pretende enfrentar as muitas variáveis envolvendo o direito de efetiva participação dos advogados, incluindo a sustentação oral, nos modelos de deliberação dos Tribunais em Plenários Virtual e Físico.

A questão maior a ser enfrentada é a seguinte: como garantir a efetiva participação do advogado (direito de ser ouvido, direito de influenciar) nos julgamentos dos tribunais brasileiros, partindo do modelo bipartido: Plenários Físico (síncrono - na sede do órgão ou por videoconferência) e Virtual (julgamento assíncrono)? Enfim, a voz dos advogados está sendo ouvida e valorada de forma adequada nos dois circuitos deliberativos? Quais seriam as sugestões de aprimoramento dos modelos atuais?

Algumas premissas devem ser apresentadas, visando colaborar para o debate e na tentativa de indicar o circuito deliberativo ideal:

 

1 - O primeiro registro a ser feito refere-se à Lei 365/2022, que alterou o Estatuto da OAB e ampliou o cabimento de sustentação para algumas novas classes processuais, a saber (art. 7º, §2º, B): no recurso interposto contra a decisão monocrática de Relator que julgar o mérito ou não conhecer da apelação, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário, embargos de divergência, ação rescisória, mandado de segurança, reclamação, habeas corpus e outra ações originárias.

2 - Uma consequência natural da modificação legislativa foi o aumento do número de pedidos de sustentação oral em Agravos Internos nos Tribunais[1].

3 - Houve ampliação do Plenário Virtual em decorrência da Covid 19. Este é um registro histórico que merece ser feito, visando colaborar com os pontos que serão apresentados em relação aos dois modelos deliberativos e a atuação dos advogados.

4 - Essa sobrecarga de pedidos de sustentação também se deve ao maior aprimoramento do Plenário Físico, especialmente com a possibilidade de participação na modalidade de videoconferência.

5 - Outro ponto que merece destaque é o crescente aumento do número de julgamentos monocráticos pelos componentes dos Tribunais, o que também corroborou com o acréscimo no número de Agravos Internos e de Pedidos de Sustentação.

6 - Em suma: alteração do EOAB, somado a possibilidade de participação por videoconferência, ampliação do Plenário Virtual e o aumento do número de decisões monocráticas são aspectos absolutamente relevantes para se interpretar a realidade atual (sobrecarga de pedidos de sustentação nos dois modelos deliberativos e direito do advogado ser ouvido).

Vale ratificar, no ponto, que nos últimos anos os tribunais brasileiros tiveram que desenvolver ferramentas tecnológicas para o enfrentamento da crise advinda da Covid 19. No Supremo Tribunal Federal, por exemplo, ocorreram mudanças regimentais importantes com claro estímulo ao modelo de deliberação pelo Plenário Virtual para todas as classes de ações, recursos e incidentes. Já o Superior Tribunal de Justiça também vem desenvolvendo a ferramenta do Plenário Virtual de forma muito mais ampliada.

Uma coisa é certa: a atuação do advogado na análise da melhor estratégia visando a sua participação efetiva (apresentação de memoriais, audiências em Gabinetes e sustentação oral) deve ser feita levando em conta o modelo decisório a ser adotado no caso concreto.

Importante destacar os dois cenários aqui debatidos: Plenário Físico (presencial ou por videoconferência – síncrono) e Plenário Virtual (julgamento assíncrono – normalmente em 6 dias úteis no sítio eletrônico de cada Tribunal).

Hoje, no âmbito da Corte Suprema, em verdade existem dois momentos para a utilização do modelo deliberativo do Plenário Virtual: a) análise da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário - RERG (art. 323, do Regimento Interno do STF), inclusive com a possibilidade de reafirmação da jurisprudência (art. 323-A, do mesmo Regimento); b) deliberação de qualquer processo, de qualquer classe – este ambiente foi, como já mencionado, ampliado em razão das consequências sanitárias advindas da Crise da Covid 19.

O modelo deliberativo Virtual também é disparado na análise e referendo das medidas liminares concedidas de forma monocrática pelos Ministros da Corte, consagrando a colegialidade e democratizando o debate de temas por vezes sensíveis à coletividade, como conflitos federativos, intervenção em políticas públicas, etc.

A ampliação do Plenário Virtual também vem sendo desenvolvida por outros órgãos colegiados componentes do Sistema de Justiça Nacional. Questões que merecem ser exploradas: qual o grau de influência nos dois circuitos deliberativos (Físico e Virtual)? O advogado é efetivamente ouvido nos circuitos deliberativos atuais? Com o crescente aumento no número de classes que são apreciadas no Plenário Virtual, os advogados conseguem influenciar no julgamento?

Visando a melhor interpretação quanto ao procedimento e as estratégias a serem adotadas pelos causídicos, será levado em consideração a situação atual do Supremo Tribunal Federal, sem esquecer do sempre necessário diálogo com a realidade de outros Tribunais Nacionais.

Estas são as indagações a serem respondidas: qual o melhor sistema de julgamento ou modelo decisório: Físico ou Virtual? Há a efetiva e real participação dos advogados nos dois circuitos deliberativos? No julgamento assíncrono - que vem sendo disparado em larga escala nos últimos anos - quem assiste à sustentação oral remetida em arquivo de vídeo pelo sítio eletrônico da Corte? Como influenciar no resultado do julgamento durante os dias em que a sessão assíncrona estiver sendo desenvolvida eletronicamente? Qual a melhor forma de apresentação da sustentação oral: presencialmente no momento do julgamento e na oportunidade aberta pela Presidência (na sede do Órgão ou por videoconferência) ou na modalidade Virtual realizada de forma assíncrona, com gravação e remessa por meio de arquivo de vídeo?

Uma coisa é certa:  a ampliação do modelo deliberativo em Plenário Virtual provoca no advogado a necessidade de revisitação de sua atuação, de sua estratégia, de sua participação, na sempre importante missão ligada ao direito de ser ouvido e de influenciar no resultado do julgamento colegiado. Ou seja; se de um lado houve a ampliação da possibilidade de sustentação oral para a classe do Agravo Interno nos casos previstos no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil; de outro, ocorreu um grande incremento do modelo deliberativo Virtual, objetivando destrancar as pautas dos órgãos componentes do Sistema de Justiça.

Como tentativa de apontar o melhor modelo para a atuação participativa e cooperativa do advogado, vale a pena observar os pontos positivos e negativos de cada um, com algumas sugestões de aprimoramento apresentadas ao final do texto, tendo sempre como pano de fundo a realidade atual do Supremo Tribunal Federal.

O primeiro ponto de reflexão refere-se à indicação do feito para pauta de julgamento: no modelo físico, ela é de competência do Presidente do Colegiado. O Plenário Virtual democratizou a pauta, eis que, além de incluir qualquer classe, a escolha deste modelo deliberativo é do Relator em cada caso concreto, o que, na prática, indica que a esmagadora maioria dos casos são resolvidos neste ambiente – com publicação da pauta e calendário por vezes em lista ou bloco de processos.

O Plenário Virtual, em suma, abriu a oportunidade de julgamento mensal de dezenas, centenas ou, quiçá, milhares de processos que, se ficassem dependentes exclusivamente do modelo deliberativo Físico ficariam abarrotando os acervos e as pendências nos Gabinetes dos Relatores. Essa democratização do acervo e maior celeridade na publicação das pautas e nos julgamentos dos feitos, redimensiona a atuação dos advogados, com necessidade de maior atenção e maior movimentação visando a adoção da melhor estratégia em cada caso concreto.

Importante detalhe quanto à participação do advogado, sempre levando em conta a realidade da Corte Suprema: entre a publicação da pauta de julgamento e as 48 (quarenta e oito) horas antes do início da Sessão Virtual, é possível o encaminhamento da sustentação oral pelo sistema de peticionamento eletrônico, em formato próprio e com disponibilização imediata aos Gabinetes dos Ministros que compõem a Turma ou o Pleno da Corte.

Na abertura da Sessão Virtual, o Relator disponibiliza o relatório e voto para, de um lado, dar publicidade ao seu encaminhamento e permitir as estratégias dos advogados interessados (visita aos Gabinetes que estão por votar, ou mesmo aos que já votaram e que podem alterar o posicionamento, apresentação de questão de fato ou mesmo acompanhamento da evolução dos votos) e, de outro, dar ciência aos demais membros da Corte que terão o prazo regimental de 6 (seis) dias úteis para posicionamento quanto ao tema (acompanhar o voto do Relator, com ou sem ressalva de entendimento; divergir ou acompanhar a divergência já registrada anteriormente).

Ademais, há o livre trânsito entre os dois modelos deliberativos. Nada impede que um feito inicie no modelo virtual e depois passe para o físico em decorrência, por exemplo, de pedido de destaque ou de vista.

Como se pode observar, a colegialidade, somada a ampliação do ambiente democrático das pautas e a efetiva participação durante o processo de coleta de votos, são algumas características do Plenário Virtual. A evolução dos votos que vão sendo alimentados no sistema permite a adoção das melhores providências de acordo com o interesse do advogado.

Destarte, a estratégia de atuação dos advogados (audiências, memoriais e sustentação oral) está presente nos dois modelos – guardadas as características próprias de cada um. Enquanto no Físico tudo deverá ocorrer instantaneamente, no Virtual a evolução do julgamento, com a apresentação do voto do Relator e a indicação do caminho a ser seguido pelos demais membros, permite a apresentação de questão de fato no ambiente virtual, bem como a visita aos Gabinetes que já votaram (tentando a virada de posicionamento) e aos que ainda não votaram (tentando auxiliar na tomada de decisão mais atinente à situação jurídica defendida).

Uma observação importante deve ser feita nessa comparação dos dois circuitos deliberativos. O modelo aqui apresentado de evolução de julgamento no ambiente Virtual é característico do Supremo Tribunal Federal. Será que os demais órgãos do Sistema de Justiça permitem ao advogado essa estratégia (análise do voto do Relator e da evolução dos demais posicionamentos, apresentação de memoriais ou audiência nos Gabinetes durante o período de sessão de julgamento virtual)?

O que chamo de voo cego – aquele em que o interessado não tem acesso ao voto do Relator e nem à evolução do julgamento – deve ser criticado exatamente pelo fato de que dificulta a efetiva participação do causídico para a adoção da melhor estratégia. Por todas essas razões, penso que é importante elogiar o circuito deliberativo do Plenário Virtual da Corte Suprema quanto a este ponto, bem como vale criticar os Tribunais que ainda adotam o modelo do Plenário Virtual com voo cego – sem a publicação do voto do Relator e da evolução dos posicionamentos dos demais componentes do colegiado o que, em última análise, impede a participação efetiva do causídico durante o processo de evolução do julgamento.

Com efeito, utilização do modelo deliberativo do Plenário Virtual apenas com a indicação do período da sessão no sítio do Órgão, sem a possibilidade de visualização de evolução dos posicionamentos, sem sombra de dúvida, fere o direito à efetiva participação do advogado, o que merece crítica neste ensaio.

Ainda é necessário apresentar outros pontos importantes dos dois modelos para contribuir ao debate acerca de qual é o melhor, bem como tentar responder à indagação central deste texto que é a seguinte: o advogado é efetivamente ouvido nos cenários atuais de julgamento?

- Plenário Virtual com remessa de sustentação oral pelo sistema eletrônico até 48h antes do início da sessão: será que efetivamente há o poder de influência no julgamento? Quem assiste à sustentação oral assíncrona - remetida em formato eletrônico? Este é um aspecto importante para reflexão. De certo que apenas poderá proferir voto o Membro da Corte que efetivamente assistiu à sustentação oral gravada. Uma sugestão a ser feita é exatamente esta: indicação, no sítio eletrônico, dos Gabinetes que efetivamente assistiram a sustentação oral remetida de forma assíncrona do advogado. Esta deve ser a realidade, especialmente lembrando que a grande maioria das classes são apreciadas neste ambiente, inclusive os Agravos Internos nas situações especificamente previstas no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.

- Qualidade do vídeo, segurança na expressão e conhecimento mínimo de informática. Este ponto deve ser levado em consideração, considerando que há no Brasil mais de um milhão e trezentos mil advogados. Esta preocupação está presente tanto no Plenário Virtual quanto no físico por videoconferência. Os exemplos dos últimos anos, especialmente no período da Covid19, nos mostram situações de dificuldade de conexão, ambientes desaconselháveis, interferências externas, etc. A modernidade e a tecnologia provocam algumas necessárias adaptações para todos advogados e aos que fazem parte do Sistema de Justiça.

Acompanhamento da sessão assíncrona. Como já mencionado, a crítica deve ser feita aos órgãos que adotam que chamo de voo cego. No Supremo Tribunal Federal, onde há a democratização da evolução do julgamento no Plenário Virtual, o sistema permite a adoção de várias estratégias aos advogados para contribuir na formação do resultado final.

Resta fazer algumas observações sobre o Plenário Físico, que também provocam estratégias ligadas à atuação dos advogados a depender da forma de sua participação (presencialmente ou por videoconferência).

O desenvolvimento tecnológico aliado à crise decorrente da Covid 19 permitiram maior atuação no modelo Físico por videoconferência, aproximando o causídico da Sessão de Julgamento físico sem a necessidade de deslocamento à sede do órgão. Quanto ao ponto, ratifica-se a necessidade de cautela quanto a qualidade da conexão, ambiente, vestimenta adequada etc.

De toda sorte, não se pode deixar de observar que, na participação por videoconferência, o advogado tem o mesmo direito de ser ouvido como se estivesse presencialmente na Sessão de Julgamento, pelo que deve ser a ele ofertada toda a atenção pelos membros do Colegiado. Na prática, não deve existir qualquer diferença quanto à participação: a sustentação no modelo físico pode ser de forma presencial ou por videoconferência, sem qualquer diferença quanto à atenção dispensada pelos membros da corte, garantindo, em ambos, a efetiva participação do advogado (com poder de influência no resultado do julgamento).

Uma outra pergunta muito comum no cenário jurídico é se há a efetiva participação (com possibilidade de influência), no modelo Físico em que a sustentação oral é apresentada após o Relatório ou mesmo o voto do Relator. Este formato (Relatório e voto ou apenas relatório antes da sustentação oral) é a prática de muitos anos no Sistema de Justiça e sempre gerou este tipo de observação que, em suma, permite ao advogado provocar os demais componentes para a eventual divergência de entendimento, ou pedido de vista, sendo mais difícil a virada de voto do próprio Relator.

A propósito, a presidência no Ministro Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal tende a desenvolver, em alguns casos de Plenário Físico, outra sistemática, separando em duas ou mais as sessões de julgamento, sendo a primeira apenas para o relatório e as sustentações orais e as seguintes para julgamento do feito, como ocorreu no recente ARE 1309642/SP.

Outra pergunta que apenas o futuro irá responder: será que os Órgãos do Sistema e Justiça irão adotar um modelo deliberativo cindido, em que a primeira sessão de julgamento será apenas para a apresentação do Relatório, das sustentações orais e eventuais indagações aos advogados pelos Membros da Corte? Neste final de 2023 a realidade ainda não é esta, mas talvez seja o caminho a ser seguido no futuro, seguindo o entendimento adotado pelo Exmo. Ministro Presidente do STF no ARE citado acima.

Este procedimento pode ser, de um lado, elogiado (sustentação oral antes da apresentação do voto tendo possibilidade real de gerar maior influência nos votos) e, de outro, talvez mereça crítica do ponto de vista prático (especialmente nos casos em que houver demora excessiva na resolução do feito – longo tempo entre as sessões de julgamento no Plenário Físico).

De toda sorte, esse tipo de procedimento gera alteração da estratégia dos advogados quanto ao poder de influência no julgamento dos feitos presenciais.

Outra questão prática a ser enfrentada, a partir deste modelo deliberativo cindido, é se este procedimento irá ser adotado para todas as classes e por todos os Tribunais Nacionais, o que, sem dúvida, irá gerar uma redefinição das pautas presenciais para processos efetivamente diferenciados para evitar sobrecarga e, penso, trará como consequência, um aumento ainda maior dos feitos que seguem ao Plenário Virtual.

Aliás, será que no Plenário Virtual também não se poderia adotar este procedimento? Talvez seja até mais simples: abertura de prazo para a apresentação das sustentações (bem maior do que o atual de até quarenta e oito horas, com encaminhamento para a Sessão Virtual em data seguinte – quinze ou trinta dias depois)? No modelo deliberativo do Plenário Virtual atual as sustentações orais até que são apresentadas antes da abertura da sessão, mas na prática o voto do Relator já está provavelmente pronto.  O poder de influência no sentido de mudança de posicionamento ou mesmo de retirada de pauta até pode existir, mas o distanciamento maior dos prazos sem dúvida, pode ampliar esse poder de influência no resultado do julgamento neste ambiente.

Acredito que, para se concluir acerca do melhor modelo, devemos refletir se os advogados estão sendo efetivamente ouvidos com possibilidade de influência no julgamento. São estas as ponderações e observações que faço visando contribuir a este importante debate.  

 

Notas e referências

[1] Em texto específico, eu e Rodrigo Nery tratamos destas novas possibilidades de sustentação oral, além dos avanços e omissões da Lei nº 14365. Disponível em https://www.conjur.com.br/2022-jun-10/araujoe-nery-avancos-omissoes-lei-14365. Acesso em 12.12.2023.

 

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