Paridade e Cotas Raciais na OAB

10/10/2023

A Ordem dos Advogados do Brasil sempre teve um histórico de luta pela promoção de igualdade e justiça. São inúmeros os casos em que a OAB se posicionou pela igualdade, bem como contrária a todos os tipos de discriminação e preconceito. Não raras vezes esteve na vanguarda de questões que envolviam não só a paridade de gênero e a igualdade racial, mas na defesa da política inclusiva de forma geral. Entretanto, inobstante a inegável luta não havia, em seus quadros internos, mecanismos para a efetivação tanto da paridade de gênero quanto da igualdade racial.

Em 2014 a Ordem dos Advogados do Brasil encabeçou um movimento popular visando a Reforma Política. O ambicioso objetivo seria viabilizar a Reforma por meio de um projeto de iniciativa popular, visando à efetivação de uma democracia real e inclusiva. Em sendo assim, dentre as bandeiras defendidas por este movimento, encontrava-se a questão de paridade de gênero. 

Portanto, fazia-se mister que a OAB, que defendia a igualdade de gênero na Reforma Política, aplicasse tal conceito em sua eleição interna. Destarte, em novembro de 2014 foi aprovado o sistema de cotas para mulheres nas eleições do Conselho Federal e também das Seccionais. Assim, estabeleceu-se um conjunto de regras as quais garantiam pelo menos, 30% de mulheres na composição das chapas.

Entretanto, embora de inegável importância, a mudança trazida pelo sistema de cotas mostrava-se insuficiente. Isto porque a mudança implementada não contemplava a efetiva inclusão da mulher nos quadros diretivos da entidade.

Dentro deste contexto, formou-se a convicção de que mudanças mais significativas deveriam ocorrer. Em setembro de 2018, o Conselho Federal da OAB, decidiu que todas as chapas que viessem a concorrer em eleições para órgãos diretivos da entidade, deveriam atender ao critério de mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. A obrigatoriedade abrangia tanto os cargos de diretoria dos Conselhos Seccionais e das subseções, quanto os de conselheiros federais, de seccionais e integrantes da diretoria e da caixa de assistência dos advogados. Visava-se corrigir a situação trazida pelo sistema de cotas posto que neste as mulheres exerciam, em sua maioria, o cargo de suplemente.

Entretanto, embora se configurasse como um momento histórico acerca da efetivação da política inclusiva, a contemplação da mulher nos quadros diretivos da OAB ainda não refletia  a realidade da advocacia. Isto porque em abril de 2021 o número de mulheres advogadas já superava o número de homens: 610.369 e 610.207, respectivamente.  Portanto, a percentagem de 30% apresentava-se defasada.

Após intensa mobilização nacional, em 2021 a OAB implantou o sistema de paridade. A proposta que o implementou foi a apresentada pela Conselheira Federal pelo Estado de Goiás, Dra. Valentina Jungmann, e apoiada pela Comissão da Mulher Advogada e outras entidades. A proposta contemplou a realidade da advocacia ao estabelecer a paridade de gênero nos quadros da OAB.

De fato, não há forma melhor que se aplicar o princípio constitucional da igualdade senão implementá-lo no sistema normativo. Em sendo assim, a institucionalização da paridade gênero configura indubitável fortalecimento não só da Advocacia, mas também de todos os movimentos que lutam por igualdade em outras instituições. O estabelecimento da paridade nos quadros da OAB gerou manifestações em diversos setores da sociedade, desde o Poder Judiciário até significativas empresas da sociedade civil.

E, de fato, a mudança da paridade de gênero foi significativa. Durante os 90 anos da OAB apenas dez mulheres haviam presidido seccionais. Na última eleição, pela primeira vez na história, cinco Seccionais passaram a ser presididas por advogadas (Paraná, Santa Catarina, Bahia, Mato Grosso e São Paulo).

Para aperfeiçoar ainda mais o aspecto histórico da efetivação da paridade de gênero no sistema OAB, na mesma ocasião, dezembro de 2020, restou deliberado o sistema de cotas contemplando advogadas e advogados negros.

Em relação ao sistema de cotas para advogadas e advogados negros faz-se mister breves considerações. Sem se adentrar no meandres do racismo institucional e estrutural que permeia a sociedade brasileira, herança dos 358 anos de escravidão, é inegável que o caminho dos negros e negras que construíram, e constroem, a identidade deste país, nunca foi fácil. Isto porque a discriminação racial agride de forma contundente os direitos humanos fundamentais, posto que fere o direito ao respeito e à a igualdade de condições.

E o exercício da advocacia não está exime de sofrer as consequências do racismo estrutural e o institucional. Portanto, é inegável os reflexos destes no cotidiano da advogada e do advogado negro. Em pesquisa realizada pelo Centro de Estudos de Relações de Trabalho e Desigualdades, apontou-se que apenas 1% dos advogados de grandes escritórios são negros.

Conforme já antecipado, a OAB sempre esteve na vanguarda da luta da efetivação de direitos, principalmente ao da igualdade. Coube à OAB, em janeiro de 2016, protocolizar AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE para que a Lei 12.990/2014 fosse declarada constitucional. A referida lei determina que 20% das vagas oferecidas em concursos públicos da administração pública federal tivesse a reserva para negros e negras.

No corpo desta petição, o Conselho Federal assim fundamentou o pedido:

Assim, os tratamentos diferenciados entre grupos distintos por motivo racial estabelecidos por lei estão em consonância com o princípio da igualdade material, desde que respeitado o princípio da razoabilidade.

Nesta linha, a Lei nº 12.990/14 tem como objetivo o enfrentamento do problema da discriminação racial no país, não sendo objeto os problemas de desigualdade social, em que pese ser tema revestido de igual relevância. Isto porque a pobreza e a desigualdade racial devem ser enfrentadas de maneiras diferentes: a pobreza por meio de políticas de cunho universalista (crescimento econômico e distribuição de renda) e a desigualdade racial por meio de um conjunto de políticas e ações afirmativas. Seguindo, dessa forma, os preceitos do art. 3º I, II da Magna Carta.

Ou seja, a OAB sempre reconheceu a necessidade da implementação de políticas afirmativas para o combate à desigualdade racial. Entretanto, tal prática não encontrava, ao menos institucionalmente, ressonância em sua política interna.

Aqui, faz-se necessária uma importante ressalva. A OAB/PR conta, desde 2018, com a existência do Plano de Igualdade Racial. Este importante e vanguardista documento tem, dentre suas premissas, a igualdade racial, implementação de estratégias de participação equânime de todos os advogados e advogadas e combate ao racismo.

De fato, há tempos grupos internos se organizavam a respeito da necessidade de um olhar mais atento para a questão referente à igualdade racial. Todavia, pode-se ter como marco o mês março de 2020, quando juristas negras se mobilizaram, no âmbito da III Conferência Nacional da Mulher Advogada e elaboraram um plano de ações afirmativas e apresentaram a Carta Aberta de Juristas Negras na III CNMA. O histórico documento, dentre outros pontos, trazia a necessidade implementação da política de cotas. 

Assim, a ideia tomou folego e foi apresentada, ao Conselho Federal pelo então Conselheiro André Luiz de Souza Costa, atualmente desembargador no TJCE. Em um documento intitulado AÇÃO AFIRMATIVA NOS ÓRGÃOS DA OAB, o então Conselheiro trouxe relato de toda a participação da OAB acerca das políticas afirmativas de e reserva de vagas por critério étnico-racial nas faculdades e em concursos públicos.

Na petição ressaltou que a “o Conselho Federal da OAB tem interpretação e posicionamento claros, firmes, induvidosos sobre importância, a necessidade e os efeitos de ações afirmativas como mecanismos eficazes para promover a inclusão dos negros e das negras na educação, no mercado de trabalho e nos espaços de poder públicos e privados.”

Destarte, na mesma Sessão em que se implementou a paridade de gênero se fez a implementação das cotas raciais de 30% nos órgãos da entidade. Cumpriu, assim, a OAB o inafastável dever de se firmar na luta pela efetiva reparação das consequências causadas pelo racismo no Brasil.

De fato, em 14 de dezembro de 2020, venceu o bom senso. A razoabilidade. E aplicação dos Princípios Gerais do Direito. Efetivamente, a OAB se reafirma como a Casa da Democracia Brasileira tornando-se um farol da aplicação do Princípio da Igualdade em detrimento de qualquer espécie de desigualdade que ainda pudesse encontrar espaço na instituição. Ao adotar os mecanismos da paridade e da equidade racial, a OAB se torna modelo para toda a sociedade, ao se mostrar mais representativa, mais cidadã, contemplando a sociedade brasileira. 

 

Notas e referências

Ação Afirmativa nos Órgãos da OAB. 2020. CONJUR. Disponível em https://www.conjur.com.br/dl/acao-afirmativa-oab.pdf. Acesso em 10/09/2023.

Ação Declaratória De Constitucionalidade. 2016. CONJUR. Disponível em https://www.conjur.com.br/dl/adc-41-oab-declaracao.pdf. Acesso em 08/09/2023.

ARANTES, Aldo et tal. A OAB e a Reforma Política Democrática. Brasília, DF. CFOAB. 2014

Carta aberta de juristas negras na III CNMA. 2020. Disponível em https://peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR115303. Acesso em 09/09/2023.

CFOAB. Resolução Nº 8/2021. Brasília. 10.09.2021. disponível em https://www.oab.org.br/leisnormas/legislacao/resolucoes/8-2021. Acesso em 07/07/2023.

Cota racial em concurso público é constitucional, decide STF. 2017. Folha de S. Paulo. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/06/1891434-cota-racial-em-concurso-publico-e-constitucional-decide-stf.shtml. Acesso em 10/09/2023.

Mercado jurídico não absorve profissionais negros capacitados, diz especialista. 2022. CNN Plural.

Mulheres ocuparão pelo menos 30% dos cargos da OAB, a partir de 2021. 2018. OAB/RJ – disponível em https://www.oabrj.org.br/noticias/mulheres-ocuparao-pelo-menos-30-dos-cargos-oab-partir-2021 - acesso em 08/09/2023

OAB aprova cotas raciais e paridade de gênero para as próximas eleições internas. Notícia Preta. 2020. Disponível em https://noticiapreta.com.br/oab-aprova-cotas-raciais-e-paridade-de-genero-para-as-proximas-eleicoes-internas/. Acesso em 10/09/2023.

OAB-Defende-Validade-De-Cotas-Para-Negros-Em-Concursos-Publica. 2016. Agencia Brasil. Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-01/oab-defende-validade-de-cotas-para-negros-em-concursos-publicos. Acesso em 07/07/2023.

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Pela primeira vez na história, número de advogadas supera o de advogados – Consultor Jurídico. 2021. Disponível em https://www.conjur.com.br/2021-abr-27/numero-advogadas-supera-advogados-vez-brasil. Acesso em 09/09/2023

ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Senado Federal. 1996. Disponível em https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/176462/000512670.pdf?sequence=3&isAllowed=y. Acesso em 10/09/2023.

 

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