Para regulamentar o lobby é necessário conhecê - lo

29/03/2017

Por Edgard Usuy - 29/03/2017

Para falar sobre regulamentação do lobby, primeiramente precisamos esclarecer três pontos essenciais para a discussão.

O primeiro é que quando falamos em regulamentação, o foco é a atividade, a atuação. Não se fala em regulamentar a profissão. A atuação é transversal a todas as profissões, a pluralidade das visões e dos temas objetos da nossa atividade é tamanha que restringir a uma profissão ou criar uma específica para isso seria enfraquecer a qualidade da contribuição que levamos ao processo decisório no ambiente público.

O segundo ponto que merece ser citado é a confusão que se faz em relação ao que é lobby. Fazer lobby é defender diretamente um direito ou um interesse junto aos tomadores de decisão, é a ação do representante de um grupo de interesse ou pressão, é a forma direta de advocacy, que é feita democrática e legalmente. Não se deve confundir com tráfico de influência, corrupção, advocacia administrativa ou qualquer outro crime já consagrado no Código Penal.

O derradeiro ponto é que essa atuação, de levar ao poder público informações e olhares diferentes sobre o tema ao qual estão decidindo, tornou-se mais completa e estruturada ao ponto de o termo lobby não mais conseguir sintetizar todas as ferramentas técnicas que usamos. Para isso, tanto o mercado quanto a academia, utilizam atualmente a expressão "Relações Governamentais" que, mais ampla, engloba: lobby, advocacy, gestão, reputação, processo legislativo, elaboração de políticas públicas, comunicação, ética e várias outras atividades e áreas do conhecimento. O agente de relações governamentais é agora chamado de RelGov.

A importância de se concretizar a regulamentação da atividade/atuação do RelGov é definir os limites, estabelecer os processos e dar a conhecer como nós, Relgov's, buscamos contribuir para o amadurecimento da elaboração e da gestão das políticas públicas, bem como para a criação e adequação do universo normativo brasileiro.

O modelo de organização político-administrativa que o Brasil escolheu a partir da Constituição 88 é de um Estado grande, caro e que participa ativamente em praticamente todos os setores da vida do "cidadão comum". O poder público está presente em tudo nas nossas vidas:  desde como enviar e receber uma correspondência, como guardar dinheiro para a sua aposentadoria e até na validação de uma fusão de grandes empresas. Sem contar a saúde, a segurança pública e a educação, que são os temas essenciais.

Por isso, é muito importante ser ouvido quem é regulado. O RelGov é o especialista em dizer, a quem precisa ouvir, o que a sociedade precisa e espera do poder público. Isso contribui para o amadurecimento do nosso modelo de democracia e reaproxima que nunca deveria ter se distanciado: sociedade e poder público.

As pessoas precisam conhecer a atividade e ver que existe sim um modelo legal, legítimo e transparente de interação entre sociedade e poder público. A relação deturpada entre poder público e sociedade que está estabelecida no país, onde a ultrapassagem dos limites tornou-se algo comum e, se é que isso é possível, natural, desencadeou ações louváveis e necessárias por parte do Ministério Público e da Polícia Federal, criando a onda de operações que abala o sistema político brasileiro. Os políticos estão amedrontados em conversar com a sociedade e a sociedade apavorada em conversar com os políticos.

Por este motivo esquentaram as discussões sobre as relações governamentais, o compliance, ética e transparência. Exemplo disso é que só em 2016 três importantes iniciativas, que merecem bastante debate, foram tomadas pelo poder público.

1- A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara aprovou parecer com substitutivo da Dep. Cristiane Brasil (PTB/RJ) ao PL 1202, de autoria do Dep. Carlos Zarattini (PT/SP), que visa regulamentar a "atividade de lobby", tratando-o agora como Relações Governamentais.

2 - O Senado estuda a PEC 47 que busca regular a atividade de representação de interesses perante a Administração Pública, assinada por mais de 30 senadores, incluindo os 3 representantes de Santa Catarina.

3 - E o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União instituiu grupo de trabalho para propor mudanças à regulamentação vigente nas atividades de lobby no Brasil, que em relatório afirma "A legitimação do lobby pressupõe um quadro legal eficaz que garanta a publicidade das ações, dos meios e dos responsáveis pela representação, da livre expressão das ideias, do livre exercício do direito constitucional de petição e de associação e da eficácia dos meios de atuação dos interessados"

E por parte da sociedade, a criação e estruturação de dispositivos de gestão que definam os limites da relação privado-público, como as políticas de Compliance, apontam claramente se reconhece que só há corrupto onde há corruptor, e vice-versa. Ou seja, como ensina o dito popular "quando um não quer, dois não brigam".

Essas ações refletem que a sociedade brasileira inicia uma reflexão muito importante. Onde queremos chegar? Qual o Brasil que queremos deixar para as próximas gerações? Será realmente que faço o meu papel ao ponto de poder cobrar? Desde aquele que faz "gato" elétrico no poste, passando pelo que anda pelo acostamento dando uma de "esperto" e até aquele que compra parlamentar para obter legislação que o beneficie, precisam refletir onde querem chegar.

Vemos um momento embrionário, mas muito importante, em que sociedade e poder público percebem que não estamos colhendo bons resultados com o que vem sendo feito do nosso país. Se desejamos um Brasil mais decente, há a necessidade de não deixarmos essa discussão esmorecer, nem achar que as instituições, como Ministério Público e Polícia Federal, resolverão o problema sozinhas. A mudança deve partir de nós cidadãos todos os dias.


Edgard UsuyEdgard Usuy é Graduado em Administração, tem especialização em Direito do Estado e faz MBA em Relações Governamentais. Diretor Regional Sul da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (ABRIG) e membro fundador do Instituto Relações Governamentais (IRELGOV) e da Associação Catarinense de Relações Institucionais e Governamentais (ACRIG), da qual é ex-presidente. Sócio-Diretor da Consultoria INTEGRA Relações Governamentais.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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