Para que serve o pedido de esclarecimentos ou ajustes do saneador?    

21/05/2019

 

Coluna O Novo Processo Civil Brasileiro / Coordenador Gilberto Bruschi

Dentre as inovações apresentadas pelo Código de Processo Civil de 2015, ao menos uma ainda não foi bem decifrada pela doutrina e jurisprudência: o pedido de esclarecimentos e ajustes do saneador – PEAS, previsto no § 1º do art. 357. Este dispositivo assim está redigido:

Art. 357.  Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo:

(...)

§1º. Realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias, findo o qual a decisão se torna estável.

Antes de analisar o dispositivo, é preciso sublinhar que o PEAS é um instituo inédito no direito processual civil brasileiro e que não constava da redação original do Anteprojeto do CPC apresentado ao Senado Federal, tendo sido incluído pela Câmara, durante a revisão legislativa do texto. Seu objetivo seria, à luz do princípio da colaboração, promover um diálogo diferenciado (comparticipativo) entre as partes e o juízo sobre o saneamento do processo, para torná-lo mais plural e efetivo. Destarte, a criação de um novo instituto buscou substituir os mecanismos regulares de controle da decisão de saneamento, que têm uma imagem normalmente associada à litigiosidade, por algo novo e de coloração neutra.

Pois bem. Da leitura do art. 357, § 1º, do CPC, é possível extrair 5 informações sobre o PEAS:

a) O pedido é cabível em face da decisão de saneamento do processo;

b) As partes têm legitimidade para formulador o pedido;

c) O pedido pode servir para solicitar esclarecimentos ou ajustes;

d) O prazo de 5 dias para interposição do pedido é comum para ambas as partes;

e) Se o pedido não for formulado, a decisão de saneamento do processo se torna “estável”.

Analisando os dados presentes no texto legal, podemos destacar as seguintes indagações:

a) Qual a natureza jurídica do PAES?

b) O PEAS é cabível exclusivamente em face da decisão de saneamento do processo ou outras decisões, que também promovam o saneamento do processo também podem ser objeto dele?

c) Cabe PEAS da decisão que julga o PEAS?

d) Quais são as partes têm legitimidade para formulador o PEAS?

e) O que seriam os “esclarecimentos” e os “ajustes” que poderiam ser ventilados através do PAES?

f) A interposição do PEAS tem efeito suspensivo?

g) A interposição do PEAS tem efeito devolutivo restrito?

h) A interposição do PEAS inibe a interposição de outros recursos?

i) A parte contrária tem que ser ouvida antes do julgamento do PEAS?

            Passemos, então, a analisar cada uma dessas indagações.

a) Qual a natureza jurídica do PEAS?

Em primeiro lugar, nos parece correto afirmar que o PEAS tem natureza jurídica de instrumento processual de impugnação da decisão judicial, expressamente previsto em lei. O pedido, portanto, não se confunde com outros meios impugnativos, tais como o recurso. De fato, para ser considerado como um recurso, o pedido teria que estar incluído no rol do art. 994 do CPC ou, ao menos, identificado no dispositivo legal como recurso, em razão do princípio da taxatividade recursal. Ademais, se o PEAS fosse um recurso, haveria clara sobreposição de funções com os embargos de declaração.

Da mesma forma, o PEAS não pode ser visto como incidente processual ou pedido de reconsideração. Isso porque se o PEAS instaurasse um incidente processual, haveria outras etapas a serem cumpridas, de natureza procedimental, além do julgamento do pedido. O pedido reconsideração, por seu turno, não demanda a existência de pontos de esclarecimento ou ajuste, pois representa um requerimento para que o magistrado reflita uma segunda vez sobre a decisão proferida.

b) O PEAS é cabível exclusivamente em face da decisão de saneamento do processo?

Entendemos que o PEAS é cabível exclusivamente em face da decisão de saneamento do processo (art. 352 do CPC), não apenas pela disposição literal do artigo, mas também pela insegurança jurídica que geraria a discussão sobre o cabimento da medida em face de outras decisões. Assim, mesmo que uma decisão promova algum tipo de organização processual, não desafiará o PEAS se não estiver rotulada como decisão de saneamento e tiver sido proferida após o encerramento da fase postulatória e antes do início da fase instrutória. Mesmo em procedimentos especiais, o PEAS somente será cabível se a fase de saneamento for derivada da aplicação subsidiária do rito comum.

c) Cabe PEAS da decisão que julga o PEAS?

Como a decisão sobre o PEAS vai se integrar à decisão de saneamento, não vemos óbice para que ela desafie novo PEAS. Sublinhe-se, ainda assim, que da mesma forma que ocorre em relação aos embargos de declaração, para poder ser admitido, o objeto do segundo PEAS deve se limitar aos pontos que foram tratados na decisão sobre o primeiro PEAS.

d) Quais são as partes têm legitimidade para formulador o PEAS?

Na nossa visão, tanto as partes da demanda como as partes do processo podem apresentar PEAS. Como dito, o objetivo da medida é permitir o aprimoramento do saneamento processual e todos os envolvidos no processo devem colaborar para que a tutela jurisdicional seja efetiva. De modo que além do autor e do réu, podem apresentar PEAS o Ministério Público, os intervenientes, o amicus curiae etc.

e) O que seriam os “esclarecimentos” e os “ajustes” que poderiam ser ventilados através do PEAS?

Em relação ao pedido de esclarecimento, acreditamos que o requerente não visa alterar o conteúdo da decisão, mas, apenas, afastar alguma obscuridade, contradição, omissão ou imprecisão (erro material) presente no pronunciamento, aos moldes do regramento previsto para os embargos de declaração (art. 1.022 do CPC). No que tange ao pedido de ajuste, nos parece que o requerente deve postular por alguma modificação no que foi decidido, por entender que a decisão, naquele ponto, não foi adequada à causa. Destarte, se o saneador não se pronunciou sobre a inversão do ônus da prova requerida por uma das partes, o pedido deve ser de esclarecimentos, ao passo que, se o saneador indeferiu a produção de prova pericial que a parte entende ser necessário, o pedido deve ser de ajuste. Por certo, como o saneador é composto por vários capítulos, entendemos ser perfeitamente possível a cumulação de pedidos de esclarecimento e de ajustes num mesmo PEAS.

f) A interposição do PEAS tem efeito suspensivo?

Em nosso sentir, apesar da omissão legal, a interposição do PEAS deve ter efeito suspensivo, pois a decisão de saneamento não pode produzir efeitos enquanto não dirimidas as questões suscitadas. De fato, não haveria sentido em se criar um pedido de impugnação específico para o saneador se tal medida não tivesse o condão de paralisar o comando emergente da decisão impugnada. O avanço à etapa instrutória do procedimento, portanto, depende do julgamento do PEAS interposto.

g) A interposição do PEAS tem efeito devolutivo restrito?

            Não nos afigura coerente com os motivos que deram origem ao PEAS que o julgador pudesse ficar limitado aos temas que foram impugnados na interposição. Isso porque a reanálise de um ponto impugnado pode levar a revisão de outros pontos a ele correlatos. É a mesma lógica presente nos chamados embargos de declaração com efeitos modificativos. Assim, por exemplo, se o PEAS visa obter do julgador a expressa manifestação sobre o pedido exordial de inversão do ônus da prova, omitido na decisão de saneamento, o seu acolhimento pode levar ao deferimento de provas que haviam sido originalmente indeferidas.

h) A interposição do PEAS inibe a interposição de outros recursos?

            De acordo com a lógica desenvolvida ao longo deste texto, defendemos que o PEAS tem um campo de atuação mais amplo do que os embargos de declaração, pois, além do pedido de esclarecimento, pode reclamar também o ajuste da decisão que se afigura como inadequada. O resultado é que a previsão do PEAS torna absolutamente incabível a interposição de embargos de declaração em face da decisão saneadora.

Por outro lado, a apresentação de PEAS inibe, num primeiro momento, a interposição de agravo de instrumento, quando a questão impugnada disser respeito a uma decisão interlocutória agravável (art. 1.015 do CPC). Após o julgamento do PEAS, entretanto, a questão impugnada poderá ser atacada por agravo de instrumento. Desse modo, por exemplo, se o PEAS versar sobre a redistribuição do ônus da prova, poderá a parte prejudicada com o julgamento do pedido interpor agravo de instrumento (art. 1.015, IX, do CPC).

Nesse passo, importante destacar que, na nossa visão, o agravo de instrumento só poderá ser interposto se a questão recursal foi previamente objeto de PEAS, por qualquer das partes. Retomando o exemplo anterior, imagine-se que a decisão de saneamento original não deferiu o pedido de inversão do ônus da prova formulado pelo autor. Nesse caso, se o PEAS interposto pela parte autora não for acolhido, o autor poderá agravar da decisão; se o PEAS for acolhido, o réu poderá agravar da decisão.

Agora, se a decisão de saneamento original deferiu a inversão do ônus da prova, o réu somente poderá agravar se, antes, apresentar PEAS. Essa conclusão decorre da dicção legal do art. 357, § 1º, do CPC, que diz que a falta de interposição do PEAS faz com que a decisão de saneamento se estabilize. Com isso, teoricamente, o interessado teria que entrar com agravo de instrumento antes do prazo de 5 dias, previsto para a interposição do PEAS, para evitar a preclusão. Por isso, melhor interpretar que a apresentação do PEAS representa condição necessária para o ajuizamento de outros recursos.

O mesmo raciocínio vale para a apelação. Logo, se a questão presente na decisão saneadora não desafiar agravo de instrumento (art. 1.009, § 1º, do CPC), a falta de impugnação pelo PEAS faz com que ela se estabilize e não possa ser revista em sede de apelação.

Por certo, a preclusão decorrente da falta de impugnação pelo PEAS não alcança as questões de ordem pública ou as questões que não puderam ser impugnadas por legítimo impedimento da parte (art. 278 do CPC).

i) A parte contrária tem que ser ouvida antes do julgamento do PEAS?

Por fim, embora não exista previsão legal, nos parece que, em homenagem ao princípio do contraditório (art. 10 do CPC), deverá o juiz ouvir a parte contrária, diante de uma PEAS, independentemente do tipo de decisão que venha a tomar sobre ele. O prazo, nesse caso, em razão da isonomia processual, deverá ser de 5 dias.

 

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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