Para condenar o ex-presidente Lula, deram uma “pausa” em nosso combalido Estado de Direito - Por Afrânio Silva Jardim

25/07/2017

Custa a crer que estejamos presenciando uma situação tão insólita como esta. Custa a crer que o nosso “sistema de justiça criminal” ainda permita que perdurem tamanhas distorções na interpretação e na aplicação do Direito em nosso país. Não há dúvida de que, também em termos jurídicos, estamos vivenciando “dias sombrios”.

Abaixo, elenco pequenos textos onde procuro denunciar algumas das muitas ilegalidades que estão sendo praticadas em prejuízo do ex-presidente Lula, as quais caracterizam a utilização indevida de instrumentos ou falsos argumentos jurídicos para perseguir aquele que é o maior líder popular da história do Brasil (Lawfare).

1) O GRANDE EQUÍVOCO DA SENTENÇA QUE CONDENOU O EX-PRESIDENTE LULA. VEJAM O INUSITADO.

O ex-presidente Lula foi condenado pelo juiz Sérgio Moro sem que tivesse entrado, no seu patrimônio, sequer UM REAL!!!

Como corrupção passiva e lavagem dinheiro sem qualquer vantagem patrimonial efetivamente recebida??? Se ficarmos apenas na conduta de aceitar promessa, como falar-se em lavagem de dinheiro ou qualquer outra vantagem econômica???

MELHOR EXPLICANDO, levando em consideração o que está tipificado no artigo 317 do Código Penal.

1) Se considerarmos a imputação da conduta de "receber" indevida vantagem, vamos precisar de prova de que, em algum momento, o patrimônio do Lula foi acrescido. Sem aumento do patrimônio, o agente não "recebeu"...

Lula não teve o seu patrimônio aumentado pelo fato de ter visitado o Triplex;

Lula não teria aumentado seu patrimônio, mesmo que tivesse solicitado a realização de obras no apartamento Triplex (ademais, não há prova desta solicitação);

Lula não teria seu patrimônio aumentado, mesmo que ele tivesse combinado verbalmente com a OAS que, no futuro, ficaria com o imóvel" (o que não ocorreu e, por isso, não tem prova).

2) Se consideramos apenas as condutas de "solicitar" ou "aceitar promessa", fica contraditória a acusação e condenação pelo crime de lavagem de dinheiro. Como "lavar" algo que apenas foi prometido ???

Tudo isso é uma questão de pura lógica e mesmo um leigo em Direito compreende claramente.

2) O MITO DA IMPARCIALIDADE DO JULGADOR. LULA NÃO ESTÁ TENDO DIREITO A UM PROCESSO PENAL JUSTO.

É muito difícil que um juiz tenha a necessária imparcialidade, quando o processo penal envolve questões políticas, ideológicas ou religiosas.

O mesmo se pode dizer em relação aos membros do Ministério Público. Basta ver a euforia e excitação dos Procuradores da República, quando do oferecimento da denúncia contra o ex-presidente Lula (triste episódio do "powerpoint")...

Tudo isso resulta agravado quando estes órgãos do sistema de justiça criminal se encontram "irmanados" em um projeto preconcebido de persecuções penais (Operação Lava Jato), bem como quando se utilizam da mídia para apoiar seus atos e prejulgamentos. Neste caso, eles passam a sentir necessidade de lograr a condenação para não se "desmoralizarem" perante a opinião pública.

Em outras palavras, perante a opinião pública, assumem uma verdadeira “obrigação de resultado”, a condenação do acusado é a demonstração da eficiência de sua atividade persecutória.

Tudo isso resulta ainda mais agravado, quando o juiz está sendo ou foi processado pelo réu ou quando este acusa o magistrado perante órgãos disciplinares.

Ademais, restou publicamente demonstrado o total desapreço e intolerância do magistrado com a atividade de defesa técnica do ex-presidente Lula.

Enfim, o ex-presidente não está tendo direito a um processo justo. Lula é vítima de um verdadeiro "lawfare".

3) CASO LULA: O ABSURDO DA CONDENAÇÃO. VAMOS RACIOCINAR:

O juiz Sérgio Moro, ao rejeitar os Embargos de Declaração do ex-presidente Lula, insiste que ele RECEBEU o apto. Triplex (artigo 317 do Código Penal).

Pergunto: para este juiz, o que seria receber um imóvel???

Tratando-se de bens móveis, o recebimento se dá pela entrega (tradição) da coisa. Recebo um relógio ou uma quantidade de dinheiro, pegando estes bens com minhas mãos e colocando-os no pulso e no bolso, respectivamente.

Como posso receber um apartamento sem dele ter posse, sem uma escritura de doação ou contrato escrito de compra???

Visitar um apartamento é uma forma de recebê-lo?

Aceitar ou pedir que se façam obras no apartamento registrado em nome alheio é uma forma de recebê-lo?

Desejar um imóvel é uma forma de recebê-lo?

Importante: Todos os indícios mencionados pelo juiz Sérgio Moro, em sua sentença condenatória, quando muito, seriam indicativos de que o ex-presidente desejava ou poderia querer comprar o Triplex. Nada mais do que isto. Para o Direito Penal é irrelevante a mera vontade...

Desejar ou até manifestar verbalmente o desejo de receber um apto. não transfere a propriedade do mesmo. O porteiro do edifício sabe disso...

De qualquer forma, aconselho aos amigos que, ao receberem alguma visita em suas residências, como forma de serem gentis, não digam amavelmente: "sintam-se em casa; a casa é sua", pois podem estar transferindo a propriedade de seu imóvel!!! E, se falarem isto, falem bem baixo, pois o juiz Sérgio Moro pode estar por perto e escutar... (rs)

Em tempo: é bom também não sugerirem reformas em imóveis de seus amigos e muito cuidado ao visitá-los...

4) O EX-PRESIDENTE LULA É CONDENADO POR UM ÓRGÃO JURISDICIONAL INCOMPETENTE. EQUÍVOCOS EM RELAÇÃO À COMPETÊNCIA DO JUIZ SÉRGIO MORO NA CHAMADA OPERAÇÃO LAVA-JATO.

Inicialmente, cabe um esclarecimento, em face do título deste breve estudo. Não se trata de debater a competência jurisdicional de um juiz, de uma pessoa física, mas sim a competência da 13ª. Vara Federal de Curitiba, tendo em vista o que se convencionou chamar de “Operação Lava-Jato”.

A justificativa para que todos estes processos sejam julgados neste órgão jurisdicional é o fenômeno processual da conexão entre infrações penais. Então vamos examinar a questão sob o aspecto técnico, já que lecionamos a matéria por cerca de trinta e sete anos ... Procuraremos ser claros e didáticos, de modo que até um leigo possa entender.

Antes de cuidarmos da alegada conexão, porém, cabe asseverar que a justiça federal não tem competência para processar e julgar o ex-presidente Lula no conhecido caso do “Apartamento Triplex”, já que não lhe foi imputado qualquer crime que teria sido praticado em detrimento de bens ou serviços da União, suas autarquias ou empresas públicas (a Petrobrás é uma pessoa jurídica de Direito Privado, sociedade empresária de economia mista).

Ademais, ao rejeitar os Embargos de Declaração apresentados pela defesa do ex-presidente Lula o juiz Sérgio Moro declarou: ““Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram usados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente”.  

Assim, fica ainda mais clara a incompetência absoluta do juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, vale dizer, a incompetência do juiz Sérgio Moro.

Importante notar que este magistrado ao tentar vincular o Triplex a outros fatos não narrados na denúncia, além de confessar a incompetência da justiça federal, acaba violando o sagrado princípio da correlação entre acusação e sentença.

Também nenhuma das outras hipóteses, previstas no art. 109 da Constituição Federal, tem pertinência ao caso concreto. Dispõe a citada Carta Magna, no seu artigo 5, inc LIII, que “ninguém será processado nem sentenciado senão por autoridade competente”. Trata-se, pois, de nulidade absoluta.

Importa salientar, outrossim, que o critério estabelecido pelo citado artigo 109 da Constituição da República é a titularidade do bem jurídico protegido pela norma penal incriminadora, sendo irrelevante, para fixar a competência da justiça federal, ser o agente um funcionário ou agente público da União Federal.

Neste particular, o importante é que o crime tenha sido praticado em detrimento do patrimônio da União ou de algum de seus serviços, bem como de suas autarquias ou empresas públicas, o que não é o caso presente.

Destarte, o agente pode ser ou não funcionário público. Em sendo funcionário público, pode pertencer a qualquer das unidades da federação. Não se trata de uma competência fixada “intuitu personae”.

Assim, não tem razão o juiz Sérgio Moro quando afirma a sua competência pelo fato de o réu Luís Inácio Lula da Silva ter sido Presidente da República.

Desta forma, mesmo que houvesse conexão, ela não poderia prorrogar a competência da justiça federal por dois motivos:

1) a Justiça Federal não tem competência que possa “atrair” os demais crimes eventualmente conexos;

2) via conexão, não se pode ampliar uma competência que seria prevista na Constituição, vale dizer, um artigo do Cod. Proc. Penal não pode modificar, ainda que pela ampliação, a competência prevista, de forma exaustiva, na Constituição da República.

Entretanto, atentos ao princípio da eventualidade, apenas para argumentar, vamos demonstrar que, de qualquer forma, o juiz Sérgio Moro não seria competente para processar e julgar o ex-presidente Lula no caso do “Triplex”, mesmo que nada do que se disse acima fosse procedente e mesmo que houvesse a conexão que o juiz aponta em sua sentença, o que negamos com veemência.

A conexão entre infrações penais ocorre nas hipóteses expressamente previstas no artigo 76 do Cod. Proc. Penal. A conexão pode ampliar a competência de um determinado órgão jurisdicional para que haja um só processo e para que ocorra um só julgamento de dois ou mais crimes conexos. Dispõe o art. 79 do mencionado diploma legal: “A conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento, salvo...”

Vamos dar um exemplo didático: alguém furta um carro na comarca “A” para roubar um banco da comarca “B”. Cada crime, em princípio, seria processado e julgado na sua comarca. Entretanto, para que haja unidade de processo e julgamento, uma das duas comarcas vai ter sua competência prorrogada e vai processar e julgar os dois crimes em conjunto (conexão teleológica). No exemplo ora apresentado, o furto do carro e o roubo do banco serão objeto de processo único da competência da comarca “B”, por aí ter sido consumado o crime mais grave, (art. 78, inc. II, letra “a”).

Assim, o que o legislador deseja – e nem sempre será possível – é que as infrações penais (crimes e contravenções) sejam julgadas em conjunto, quando forem conexas, evitando-se julgamentos contraditórios e também por economia processual. Se tais infrações forem da competência de foros ou juízos diferentes, a unificação em um só processo levará à prorrogação da competência de um e à subtração da competência do outro. Deseja-se o julgamento em conjunto, em um só processo, vale a repetição.

No caso da “Lava-Jato”, a única conexão possível entre infrações, levando-se em consideração os vários processos, seria a chamada conexão instrumental ou probatória, regulada no inc. III, do art. 76 do Cod. Proc. Penal, que tem a seguinte redação: “quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração”. Não se cuida aqui de prova comum a dois crimes, mas sim de uma questão prejudicial homogênea. Por exemplo: o furto é conexo com a receptação pois, se não houve o furto, juridicamente não poderá haver a receptação (adquirir coisa de origem ilícita).

Desta forma, não concordamos com a interpretação elástica que a jurisprudência minoritária outorga à conexão instrumental, possibilitando a ampliação da competência da 13ª Vara Federal de Curitiba.

Mesmo assim, muitas infrações ali processadas e julgadas não têm prova comum. Apenas algumas têm origem, por vezes remota, nos crimes perpetrados contra a Petrobrás S.A., pessoa jurídica de direito privado (fora da competência da justiça federal). Parece que é invocado um primeiro crime da competência da justiça federal, já processado e julgado de há muito. Entretanto, esta não é nossa questão central. Prosseguimos.

Partindo do que dispõe o legislador, conforme acima mencionado, enfrentemos uma outra questão, lógica e de fácil entendimento.

Havendo conexão, os crimes devem ser objeto de um só processo para que haja um só julgamento, vale dizer, todos sejam julgados através da mesma sentença.

Nada obstante, se os crimes já foram processados em autos separados e já houve um julgamento de mérito, não há por que modificar as competências de foro, de juízo ou de justiça.

Vale dizer, já não mais haverá possibilidade de julgamento conjunto dos crimes conexos. O código de processo penal trata da questão, consoante regra que transcrevemos abaixo:

“Se, não obstante a conexão ou continência, forem instaurados processos diferentes, a autoridade prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros juízes, SALVO SE JÁ TIVEREM COM SENTENÇA DEFINITIVA. Neste caso, a unidade dos processos só se dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou de unificação de penas” (artigo 82, os grifos são nossos).

Sentença definitiva aqui é sentença de mérito pois, após ela, havendo recurso, o processo sobe para o Tribunal, inviabilizando novo julgamento conjunto com o eventual crime conexo. Não havendo recurso, o primeiro crime estará julgado, não podendo ser julgado novamente com o eventual crime conexo. É tudo muito lógico.

Destarte, um crime consumado em São Paulo, em Brasília ou no Rio de Janeiro, ainda que tenha alguma relação com a corrupção no âmbito da Petrobrás S.A., não tem por que ser processado e julgado pelo juiz Dr. Sérgio Moro, em novo processo. Este crime, ainda que fosse conexo com o primeiro, o qual determinou a competência deste magistrado, não mais poderá ser processado e julgado juntamente com aquele originário. Vale dizer, não cabe ampliar a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba para processar e julgar crimes consumados fora de sua seção judiciária.

Tal ampliação de competência não se justifica, na medida em que não mais é possível a unidade de processo e de julgamento conjunto. É até mesmo intuitivo.

Por derradeiro, não me venham falar em prevenção. Tal critério de fixação (não modificação) de competência somente tem pertinência quando as diversas infrações conexas (todas elas) já forem da competência do juízo, foro ou justiça. Isto está expresso no artigo 83 do diploma processual penal, não sendo a hipótese da “Lava-Jato”, na maioria dos casos.

Vale a pena transcrever o texto legal: Art. 83: “Verificar-se-á a competência por prevenção toda a vez que, concorrendo dois ou mais juízes IGUALMENTE COMPETENTES ou COM JURISDIÇÃO CUMULATIVA, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou queixa”.

No S.T.F., em havendo conexão ou continência entre as infrações penais, como todos os Ministros são igualmente competentes, a unificação de todos os processo é legítima, tendo em vista a prévia distribuição ao relator, ou ato anterior que o torne prevento.

Note-se que, se um juiz incompetente, segundo os critérios legais acima, decretar uma prisão temporária ou preventiva, ele não se torna por isso competente por prevenção. Na verdade, ele seria sim incompetente para decretar tal prisão cautelar.

Em resumo: se não mais é possível o julgamento conjunto do crime originário da competência do juiz Sérgio Moro (pois já foi julgado separadamente) com os posteriores crimes, ainda que fossem conexos, não há mais motivo para ampliar a sua competência, em violação ao princípio constitucional do “juiz natural”, pois a nossa carta Magna dispõe expressamente que “Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”, (art.5º., inc. LIV, Constituição Federal), conforme acima já tínhamos mencionado. Cuida-se de uma garantia individual e fundamental e de nulidade absoluta. .


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