Pandemia, Políticas Públicas de Morte e Possíveis Efeitos Colaterais Humanos  

07/12/2020

Não é novidade que atos e omissões do Estado são responsáveis por milhares de mortes, em especial, no Brasil – desde que assim se compreendeu Estado, como ente fictício gerado pelo homem que regula, gerencia e desenvolve políticas públicas para o desenvolvimento intersubjetivo daqueles que o criou, por meio do seu monopólio de uso da força sobre as demais forças existentes em seu território e seu povo, mediante o exercício interno e externo de soberania.

Igualmente, é fato que muitas das 175 mil pessoas mortas (dez/2020), relacionadas à pandemia da COVID-19, no Brasil, foram cedo demais. Contudo, muitos desses seres humanos, na verdade, não morreram em razão de complicações da COVID-19, tampouco porque tinham outras doenças que se tornaram mortais por meio do novo vírus. Várias pessoas morreram no ano de 2020 porque o Estado agiu errado, ou deixou de agir, em especial, acerca do manejo de políticas públicas de combate à pandemia do novo corona vírus.

Pelo número de óbitos ocorridos durante a citada pandemia, ficou claro que as escolhas de governo, na maioria dos entes federativos da República (municípios, estados e União), não alcançaram um nível de eficiência mínima para conter o avanço do vírus e a morte das pessoas contaminadas que, caso houvesse melhores ações estatais, e não tivesse ocorrido outras tantas omissões dos governos, não teria ocorrido.

Logo, tais políticas públicas de governo desastrosas possuem conexão direta com mortes que dependiam de escolhas estatais mais eficientes e sustentáveis para superação desse momento de crise extrema do ser humano. Porém, não ocorreram, ou foram feitas foras dos padrões constitucionais mínimos de realização dos objetivos da república, razão pela qual o homem concedeu e confiou tanto poder para o Estado, capengamente gerenciado por alguns governos.

Dessa forma, os que partiram cedo demais, por decorrência de faltas administrativas do Estado, deixaram um legado de necessária responsabilização daqueles que decidiram mal, tanto ao fazer errado, quanto ao não fazer quando deveria.

Exemplos se multiplicam e, infelizmente, aumentarão ainda mais, em razão da não/ inadequada reação do Estado, de forma geral, frente à catástrofe humanitária que o vírus, sozinho, representa. Situação essa que, por meio de políticas públicas equivocadas, é negativamente potencializada.

A representação desse tétrico cenário resume-se no apinhado de velórios solitários, enterros de várias pessoas em valas comum, estocagem de corpos em caminhões frigoríficos estacionado ao lado de hospitais super lotados ocorridos durante esse ano.

Então, torna-se relevante questionar: existe ou não uma responsabilidade do Estado (seja civil, administrativa ou criminal) frente ao contexto supra desenhado?

Sem dúvida, sim. Dentre outras razões, verifica-se a ocorrência do nexo causal entre mortes por COVID-19 e a falta de políticas públicas adequadas para que o contágio fosse evitado; para que o adequado tratamento fosse recebido, por meio de planejamento de infraestrutura e de pessoa e de efetivação de atos de gestão que conduzissem a população ao menor impacto negativo possível de sua saúde (tanto na perspectiva objetiva, de todos, como da subjetiva, de cada um).

O Estado, de forma geral, na sua matriz francesa patrimonialista, ainda tem a perda de vidas como números que representam um mero dano colateral, resultado da efetivação de suas políticas públicas de governo.

E como o Estado deveria tratar tal situação de necessária conciliação entre: vidas perdidas cedo demais; afastamento de gestão técnica de risco de perda de vidas; pressão do mercado econômico frente ao prejuízo individual e coletivo a muito tempo suportado?

A resposta está na prática consequencialista da atuação estatal administrativa, como forma de efetivar políticas públicas de Estado, não de governo.

  • Na prática, aponta-se como urgentemente necessário: Plano de integração entre União, Estados e Municípios para o enfrentamento da crise (sim, ainda é tempo);
  •  Prioridade de investimentos públicos (e/ou em parcerias com a iniciativa privada) para aprimorar a infraestrutura, o material e o pessoal que está na linha de frente do salvamento de vidas;
  • Plano Nacional de Vacinação, com meios e recursos que viabilize a efetivação da imunização da população;
  • Política Públicas integradas, entre os entes federativos, de segurança econômica da população em período de pandemia e pós pandemia (inclusive, por meio de revisão de verbas destinadas a tarefas não urgentes e essenciais).

Logicamente, o tema demanda estudos interdisciplinares mais aprofundados para respostas mais precisas. Porém, faz-se necessário alertar que o Estado não pode ficar impune frente à sua responsabilidade pela morte precoce de centenas de pessoas.

Do contrário, ocorrerá a legitimação do dano colateral (perda de vidas) aceitável, como se pessoas tivessem preço, sem qualquer valor. Logo, políticas públicas da morte não devem existir e, caso ocorram, precisam ser combatidas com o máximo de meios jurídicos possíveis, justamente para se evitar que tais ações (e/ou omissões) se repitam – como, infelizmente, é percebido ao longo da maioria dos governos que se sucedem no Brasil.

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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