Germano Schwartz - 02/06/2015
Venho lendo as notícias sobre o Estado Islâmico. Tenho certo medo de dar minha opinião a respeito porque desconheço inteiramente as questões que envolvem o conflito. Algumas ações dessa organização, todavia, parecem-me inaceitáveis, sob qualquer ponto de vista.
O bombardeio de Palmira, por exemplo. Trata-se de uma cidade romana, localizada em um oásis. Patrimônio da Unesco. Qual a justificativa de se colocar abaixo tamanha preciosidade? Alguns diriam que os atos do EI contra as pessoas são piores. E são mesmo. Apenas quis ilustrar. É um conjunto. Como descrever racionalmente os problemas de violações de direitos humanos decorrentes dessa situação? Difícil.
O certo é que toda vez que fundamentalismos - e aqui sigo a linha de Giddens – entram em confronto, não há espaço para o diálogo. Os fundamentalismos negam uma visão menos centrada em noções “melhores”. Não é de surpreender. Acaso assim agissem, entenderiam que o outro existe e que coexistir está longe de uma imposição. É uma necessidade em uma sociedade diferenciada.
O pluralismo religioso, como defende meu colega de mestrado Jayme Weingartner Neto, é um sinal de avanço da sociedade. Com ele vêm, intrinsecamente, noções mais sofisticadas de democracia e, portanto, de Direito; o EI, por seu turno, constitui o símbolo de uma visão monocromática. Monoteísta. É eivado de uma nostalgia da eternidade (Ost).
Na tour de seu álbum Vertigo, em 2014, o U2, que já havia cantado as mazelas das conexões entre Direito, Estado e Religião em sua famosa canção Sunday Bloody Sunday, colocava em seu telão a palavra Coexist. Grafava-a de uma maneira diferente, inserindo os símbolos das três grandes religiões monoteístas do mundo.
Cantavam os irlandeses:Alguma pichação havia sido escrita num muro não muito longe daqui
Ela dizia coexista
Jesus, Judeus, Mohammed, são verdade Jesus, Judeus, Mohammed, são verdade Todos filhos de Abraão Pai... Pai Abraão...,Pai Abraão Onde esta você agora Pai Abraão, olhe o que você fez Você colocou seu filho contra seu filho Pai, pai Abraão Não mais, não mais, não mais Não mais, não mais, não mais Não mais, não mais, não mais Não mais, não mais
Mas o U2 é uma banda mainstream e um outsider às questões ali postas, dirão alguns. Realmente, não é dos grupos que mais me agradam, muito embora eu deva dizer que ter visto o Bono cantar, à capela, Mothers of Disappeared no estádio do River Plate (onde o Inter jogará a final da Libertadores), em Buenos Aires, durante a tour do disco Pop, enquanto as Mães de Maio subiam no palco com as fotos de seus filhos atrás de si no enorme telão que fazia parte do show, foi um dos momento mais emocionantes que já testemunhei.
Adicione-se a isso o fato de que as luzes do estádio foram apagadas e que toda plateia presente acendeu seus isqueiros (ainda não havia celulares em larga escala), transformando o Monumental de Nuñez em um imenso coral, e você pode imaginar a catarse coletiva daquele momento.
Eu iniciei essa coluna pensando em escrever sobre a Orphaned Land, um dos grupos mais legais que ouvi nos últimos tempos. A banda é israelita e faz um enorme sucesso no Oriente Médio, inclusive em países árabes. Mais surpreendente ainda é que, em algumas de suas composições, é o hebraico a língua falada. De cair para trás é saber que o vocalista, em alguns shows no mundo árabe, veste-se de Jesus Cristo e é aplaudido.
O clipe da música All Is One consiste na síntese da possibilidade da coexistência entre as três religiões citadas e é subversivo ao extremo. Basta assistir a ele para entender o porquê. A música, em sua parte mais emblemática, diz:
O mal recai sobre cada um de nós, não há nada de novo Quem se importa se você é um muçulmano ou um judeu Os despertos não são nada além de alguns E o único a fazer a diferença agora é você
Depois da veiculação do clipe, houve tiros e mortes como no caso do Charles Hebdo? Não. Alguma sentença foi ditada para que os membros da banda fossem mortos como no caso do escritor Salman Rushdie? Também não. Sinal de que Palmira não é uma terra órfã e de que os roqueiros têm muito a ensinar quando se trata de coexistência, de direitos humanos e de pluralismo religioso. Afinal:
How Long me must sing this song?
U2
Germano Schwartz é Diretor Executivo Acadêmico da Escola de Direito das FMU e Coordenador do Mestrado em Direito do Unilasalle. Bolsista Nível 2 em Produtividade e Pesquisa do CNPq. Secretário do Research Committee on Sociology of Law da International Sociological Association. Vice-Presidente da World Complexity Science Academy.
Imagem Ilustrativa do Post: Polski: Ruiny Palmyry leżącej na Pustynii Syryjskiej na obrzeżach miejscowości Tadmur // Autor: Aotearoa // Sem Alterações Disponível em: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Palmyra_ruiny.jpg