Palavra Inaugural: Nossos passos vêm de longe, façamos novas epistemologias.

28/07/2020

Coluna Justa Medida

Façamos um pacto, um compromisso de rompimento da lógica da mediocridade. Sejamos pois a ventania de novos tempos que varrerá do mapa as fronteiras do saber. Como ensina Paulo Freire: “não há saber mais nem saber menos, há saberes diferentes”.

Por muito tempo, as noções de História, Sociedade e Direito foram dominadas por um viés problemático. Um viés que cimentava os que se chamavam de vencedores como únicos; por séculos a fio, a Humanidade foi pautada por uma falsa noção de igualdade, impondo ao mundo o ônus da diferença. Assim, construíram-se narrativas, civilizações, costumes, normas. Assim, forjamos as bases da discriminação: tratando uma única voz como certa, fazendo ouvidos moucos a todos os urros que clamavam atenção e reconhecimento.

As vozes que antes eram silenciadas, hoje não podem mais ser ignoradas, E as estruturas que antes construímos dão sérios sinais de falhas, provocando profundas reformas. Eis que precisamos reexaminar atentamente todas as noções anteriormente construídas; nada nunca foi tão frágil quanto o peso do falso uníssono.

Bom e mau, feio e bonito, certo e errado; como podemos afirmar tais conceitos agora, com o véu das diferenças levantado, expondo o oceano de diversidades e riquezas que nos cerca? Só nos resta a certeza de que somos um constructo de um mundo binário e  dual, que não deveria ser assim, Chimamanda Ngozi Adichie em sua obra alerta acerca do “perigo de uma história única”.

Disse antes o filósofo aquilo que agora enxergamos como o sol do meio-dia: só sabemos que nada sabemos. E que precisamos repensar tudo que um dia acreditamos saber, tudo que um dia nos foi ensinado - pelo viés problemático do peso da igualdade imposta, que não nos contempla, não nos acolhe e não nos enxerga.

Eis que estamos alocadas nos becos da opressão e da vulnerabilização de corpos, diariamente experimentando o não lugar. As forças dos discursos hegemônicos e supremacistas da violência insistem em nos colocar a girar em volta da árvore do esquecimento, produzindo e reproduzindo a falácia do saber universal, que estrutura a noção de sujeito que sustenta o epistemicídio e o apagamento de existências.

A subalternização dos saberes e epistemologias que contrapõe o discurso hegemônico não suprimiu a ebulição e efervescência da produção intelectual das vozes insurgentes. Nossas almas guardam o que forçaram as mentes a enterrarem, lentamente e em agonia, na árvore ressequida e infértil da opressão e do apagamento. Nossas almas trazem à tona tudo que a ancestralidade se viu forçada a suprimir. Nossas almas clamam, ecoam, reverberam nos espaços do saber.

Estamos aqui. Aqui, sempre estivemos, e nunca vamos nos mover. Nossos passos vêm de longe e estão distantes do eurocentrismo e da construção burguesa do que se entende por saber. Descendemos daquelas que engendraram a humanidade, nascemos de quem pariu a civilização.

Do lugar onde viemos, o saber se constrói de forma horizontal e aquilombada. Seguimos refazendo esses laços e buscando raízes de novas epistemes, por entendermos que não existe o sujeito universal, ao contrário, na diversidade é que se reconhece a inteireza do ser humano.

A franqueza das palavras aqui expostas permite que dispensamos apresentações pessoais, somos quem somos e apresentamos nesta oportunidade uma ideia, uma inspiração em Justa Medida.

Com essa certeza  nos lançamos ao desafio da construção livre de um novo conceito de produção do conhecimento, onde o valor da produção intelectual está interligado a narrativa do afeto em ação, e do diálogo em movimento.

Assim nasce Justa Medida, com a missão de apoiar as políticas públicas de inserção na Academia e estimular o surgimento de novas lideranças de classe, fomentando o arcabouço teórico multidisciplinar.  Temos agora um encontro quinzenal marcado; nestas ocasiões, teremos a oportunidade de refletir sobre as ciências jurídicas e inovar no exercício da advocacia, prezando sempre pela pluralidade e pela transparência dos trabalhos, assumindo um compromisso crítico com a diversidade e com o saber jurídico.

Justa Medida é uma iniciativa que começa da união de juristas e intelectuais da Comissão Especial de Graduação, Pós-Graduação e Pesquisa da Seccional São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil.

Poderíamos ser um coletivo, uma organização não governamental, um grupo de estudos. Mas somos a Comissão Especial de Graduação, Pós-Graduação e Pesquisa da  Seccional São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil, criada com a missão de transversalizar o diálogo e reconstruir as bases do que se entende por saber a partir do espaço que se propõe ser o Lar da Advocacia do país.

A ambiciosa missão  deste trabalho é a plena integração entre advocacia, academia e sociedade civil, cumprindo a função do Direito enquanto ciência social aplicada.

Diariamente, buscamos promover a discussão sobre a verdadeira finalidade do  ambiente Acadêmico, de construir caminho livre para que a sociedade civil possa estruturar o Estado Democrático de Direito através de um projeto de sociedade emancipada de todo grilhão e toda amarra que aprisiona os indivíduos.

E neste momento, iniciamos uma nova etapa, convidando você, leitor, a embarcar conosco nesta jornada pelos caminhos do conhecimento; estamos prontas para o desafio, e esperamos contar com o seu interesse e sua curiosidade nesta empreitada.

 

 

Notas e Referências

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Statue of Justice - The Old Bailey // Foto de: Ronnie Macdonald // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/ronmacphotos/8704611597

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