A realidade presente no mundo empresarial atinente às temáticas de inclusão/diversidade permanecem sendo pontos bastantes sensíveis no Brasil. Do percentual demográfico em grandes empresas, dados da pesquisa realizada pelo Pacto Global da ONU em parceria com a 99.jobs.com, apontam que cerca 95% das mulheres negras afirmam ser cotidiana as circunstâncias de discriminação e preconceito em posições de liderança, sendo a invisibilidade e o racismo vulnerabilidades latentes que urgem por mudanças também no âmbito setorial corporativo. Ainda, dados recentes da Ibre/FGV apontam que mulheres negras recebem 48% do que ganham homens brancos, sendo que mais da metade da população de mulheres negras, cerca de 55%, em razão do preconceito ou fata de oportunidade para capacitação, trabalham em funções mais baixas.
Sob o aspecto da sustentabilidade empresarial, ou seja, à luz dos pilares do ESG (meio ambiente, social e governança), quais as mudanças a serem promovidas pelas empresas brasileiras, de modo a contribuir para uma mudança de comportamento da sociedade sob o aspecto organizacional nessa temática relativa à inclusão/diversidade?
Inicialmente, sob o aspecto da hard law, o Estado Brasileiro, ao longo das últimas décadas pós a constituição de 88, tendo como semblante os valores contidos na declaração internacional dos direitos humanos, 1948, vem promovendo a codificação do direito pátrio como norma cogente, com a ratificação de tratados internacionais, o advento de emendas constitucionais e variadas espécies legislativas. Direitos inerentes à liberdade, igualdade, solidariedade, e tantos outros relevantes, como democracia, paz, meio ambiente, desenvolvimento, justiça social, proibição à discriminação, à perseguição, dentre tantos outros valores relevantes aos indivíduos e à sociedade, vem sendo aperfeiçoados no sistema jurídico pátrio.
Com a evolução do capitalismo em nível global, a massificação da sociedade e o aumento das desigualdades, e a não observância/implementação aos tratados internacionais e direitos fundamentais e humanos, observou-se a necessidade de ir além de um modelo hard law de regulação estatal, para inserir-se à realidade empresarial, sobretudo as transnacionais, uma espécie normativa denominada soft law, oriunda da criação das organizações multilaterais internacionais pós-guerras mundiais, como importante ferramenta em prol da cooperação internacional e de governança global.
Nessa guisa, surge a celebração do Pacto Global da ONU, em 2000, as políticas do ESG (Meio ambiente, Social e Governança), em 2004, e a adoção da Agendas de desenvolvimento sustentável, à exemplo da Agenda 2030, como exemplos de soft law decorrentes de resoluções, recomendações em matéria de direitos humanos, desprovidas do caráter da imperatividade. Aliás, importante observar-se que uma norma soft law pode se tornar ou ter seus valores como fonte de uma norma hard law, sob o status de uma regulação interna ou internacional. Portanto, ao tratar-se do tema ESG, está em voga, fundamentalmente, de normas de direitos humanos, sob várias perspectivas da modernidade tecnológica do século XXI.
Sob o aspecto da inclusão/diversidade, tema preponderante sob os pilares “S” e “G”, observa-se que o Brasil não vem evoluindo como esperando em matéria de evolução legislativa, se comparado a evolução do pilar do “E”, atualmente, com dezenas de marcos legislativos aprovados recentemente, ou em vias de aprovação, pelo congresso nacional (exemplos: lei de incentivo à reciclagem, lei do marco do saneamento, lei do gás, lei sobre pagamento sobre serviços ambientais, lei sobre o programa de energia renovável social, conjunto de decretos recentes que instituem o comitê técnico da indústria de baixo carbono, dentre tantos outros, além de inúmeros projetos de lei em fase de aprovação). Obviamente, não se quer trazer aqui uma escala de importância para os temas da sigla do ESG, todos pilares estruturantes, mas apontar a carência de regulação estatal para aspectos voltados à formação, capacitação, detenção, e promoção de mulheres negras nas empresas, especialmente, no aspecto racial de interseccionalidade para os cargos de liderança.
Ainda assim, podemos citar dois importantes marcos legislativos recentes e que tratam do aspecto “G”. O primeiro, a lei n. 14.611/2023, que prevê medidas de garantia para igualdade salarial entre homens e mulheres, o estabelecimento de mecanismos de divulgação de relatórios dotados de transparência, o incremento de fiscalização, etc. Outra recente lei de n. 14.532/2023, equipara a injúria racial ao crime de racismo, promovendo o combate à discriminação às pessoas ou grupos minoritários por razões de “etnia, cor, religião ou procedência”, sendo avanços importantes no aspecto da regulação estatal em prol da inclusão/diversidade, mas longe de serem suficientes.
No Brasil, no que se refere à soft law e ESG, são inúmeras as recomendações elaboradas tendo por base diretrizes internacionais, em diversos segmentos, sob o aspecto da sustentabilidade, merecendo-se atenção para o aspecto da inclusão/diversidade, cabendo destacar algumas delas:
Primeiramente, a norma da ABNT-PR (prática recomendada), baseada na Agenda 2030 e os principais conceitos do ESG, lançada em 2022, sendo um documento pioneiro para fins de certificação sob a modalidade de soft law. No aspecto “S”, “Eixo Social” da norma, aborda-se as temáticas “Relações de Trabalho” e “Diversidade, Equidade e Inclusão”, por meio das seguintes atuações: (i) políticas e práticas de diversidade e equidade, e (ii) cultura e promoção de inclusão; tendo por objetivo assegurar o compromisso institucional à essas temáticas, tendo como práticas, como por exemplo, a adoção de políticas, planos de ação, indicadores, etc.
O segundo, também como um modelo de soft law, no aspecto “G”, um importante regulamento tendo por base diretivas internacionais, o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa-IBGC, em 6ª edição lançada em 2023. Nele, preconizam 5 princípios norteadores da Governança: Integridade, Transparência, Equidade, Responsabilização e Sustentabilidade, com o advento de regras, cultura, estruturas, e processos em prol da geração de valor sustentável à empresa, sócios e sociedade em geral, sendo bastante relevante a temática da inclusão/diversidade no âmbito da governança corporativa.
O terceiro, de extrema importância no aspecto “G”, o Anexo ASG ao Regulamento para Listagem de Emissores e Admissão à Negociação de Valores Mobiliários Relatório, aprovado pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM, julho/2023, em que se busca promover de forma mais efetiva a diversidade e a presença de grupos sub-representados em posições de liderança. De acordo com essa normativa, as empresas pertencentes à classificação B3 devem estabelecer as seguintes metas: a) eleger para membro do Conselho de Administração 1 mulher ou 1 membro da comunidade sub-representada (lei 13.146/2015) em até 2 anos a contar da vigência da norma (19/8/2015); b) estabelecer no estatuto das empresas, de acordo com os parâmetros do ASG/B3, critérios/requisitos de indicação para Conselho de Administração/Diretoria, incluindo diversidade, gênero, cor, raça, orientação sexual, e inclusão de pessoas com deficiência; e c) estabelecer políticas de indicadores de remuneração variável por desempenho relacionados às metas ASG/B3.
Ademais, o processo de regulação de divulgação de relatórios de métricas ESG que se revelam fundamentais para uma atuação empresarial de transparência e boa reputação nos mercados, o que ocorre pela atuação dos denominados frameworks, sistemas que orientam na estruturação e padronização da atuação empresarial, e respectiva comunicação das ações de sustentabilidade, ou práticas de ESG. A factibilidade das ações reportadas nos relatórios vem sendo cada vez mais consideradas por agências de rating e outros steakholders, para efeitos de reputação da empresa e novos investimentos, o que se tornou realidade no mercado das ações, à exemplo do índice mundial de sustentabilidade de Dow Jones. Em outubro de 2023, por meio da Resolução 193, a CVM adotou o critério ISSB – International Sustainability Standards Board, para adoção das ações de sustentabilidade para algumas companhias, em especial, as de capital aberto.
Observa-se que valores humanos consagrados em nível mundial, estão sob nova roupagem, com novas nuances, por meio da regulação do ESG, seguindo-se a tendência também no Brasil, e com referência expressa à pauta de inclusão e diversidade, havendo repercussões para as empresas que aderirem à essas normas, sobretudo no aspecto econômico, o que não reduz a sua importância desde que os valores humanos sejam preservados e promovidos, tendo-se, por consequência, melhores desempenhos financeiros. Por essa razão, empresas de grande porte vêm promovendo a elaboração de normas internas, no sentido de criar uma cultura organizacional a promover uma geração de valor sustentável, com a criação de códigos de conduta interna, códigos de governança, políticas de compliance, políticas de promoção à diversidade, abrindo-se um importante espaço para a adoção de boas práticas de sustentabilidade nesse quesito.
Notas e referências
ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas – PR 2030. Acesso em https://www.abntcatalogo.com.br/pnm.aspx?Q=ZWcvVjhseTQydmFSN0ROZlFnMmhtMVZCaXJmL29WSEwzSkRtdWF5ZnZOUT0=; disponível em 10/12/2023.
CVM – Comissão de Valores Mobiliários – Anexo ASG/B3. Acesso em https://www.b3.com.br/pt_br/para-voce ; disponível em 10/12/2023.
CVM – Comissão de Valores Mobiliários – Resolução 193. Acesso em https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/resolucoes/resol193.html; disponível em 10/12/2023.
FGV – Fundação Getúlio Vargas. Acesso em https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-07/mulheres-negras-recebem-48-do-que-ganham-homens-brancos; disponível em 10/12/2023.
IBGC - Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Acesso em: https://www.ibgc.org.br/blog/lancamento-sexta-edicao-codigo-melhores-praticas-ibgc; disponível em 10/12/2023.
ONU. Pacto Global da ONU. Acesso em https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-07/mulheres-negras-recebem-48-do-que-ganham-homens-brancos; disponível em 10/12/2023.
PINHEIRO, Daniella Maria. A crise no Sistema Global da ONU e a necessidade de fortalecimento de mecanismos de proteção aos direitos humanos: uma confluência entre a soft law e a obrigatoriedade de observância aos Tratados em Direitos Humanos. In: PAMPLONA, Danielle Anne, et al. (Org.). Novas Reflexões sobre o Pacto Global e os ODS da ONU. Comissão do Pacto Global da OAB/PR. Curitiba: NCA Comunicação e Editora, 2020.
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