Ousadias de outras vivências amorosas, o Judiciário

16/05/2018

Vida disciplinada. As gentes carecem de disciplinamento. Mesmo na vida afetiva, as pessoas pedem amarração a modelos. Os que cumprem os atrelamentos formulados da vida social os desejam para si e os exigem para os outros.

Cada disciplinado por fórmulas de convivência é arauto e meganha da formulação que o alcançou e à qual se entregou. Disciplinados não suportam vidas em diferença. O conservador dos costumes considera-se uma reserva moral.

Fórmulas são acachapantes. Modelos que alicerçam costumes bussolam condutas, fornecem certezas. Fora da sociedade disciplinada, prevista, está a sociedade de risco, os comportamentos de incertezas; aqui se move a vida.

A convivência monogâmica não é fórmula universal, mas tem comprida raiz na Tradição Ocidental; tem status de ordenação chancelada pelo Estado. Há rituais legais exigíveis aos pares amorosos que desejam conviver “na lei”.

Contudo, “Poliamor: CNJ discute reconhecimento de união estável com mais de duas pessoas. O Conselho Nacional de Justiça decidirá se cartórios podem registrar como união estável relações que envolvam mais de duas pessoas.

Com esse julgamento, o CNJ irá orientar todos os tabelionatos do país sobre como se portar diante do chamado poliamor, ou seja, de pedidos para reconhecimento de famílias que sejam compostas por três ou mais partes.

O conselheiro João Otávio de Noronha, que é relator da matéria e corregedor-geral de Justiça, votou a favor do pedido de providência para que o Conselho proíba cartórios de concederem escrituras a uniões poliafetivas.

Alegou que ‘o conceito constitucional de família, o conceito histórico e sociológico, sempre se deu com base na monogamia’. Para ele, ‘ninguém é obrigado a conviver com tolerância de atos cuja reprovação social é intensa’.

Luciano Frota informou que divergirá do relator. Representando o Ministério Público, Aurélio Virgílio, subprocurador-geral da República, defendeu que não há nenhuma nulidade no ato do tabelião que reconhece esse tipo de relação.

Virgílio criticou a demagogia com que é tratado o tema: ‘O poliamor não é novo na história’. Argumenta que a discussão diz respeito à esfera privada da vida das pessoas e, portanto, não cabe ao Estado interferir nesta decisão.

Noronha rebate: ‘Vamos destruir todo o milenar conceito de família em um sistema onde impera o cristianismo?’ Virgílio treplica: Não cabe interpretação restritiva das leis sobre o tema. ‘O caso não viola a Constituição nem o código Civil’.

Pela ADFAS, a advogada Regina Beatriz Tavares ‘não quer proibir a existência das comunidades poliamoristas, mas que tabeliães de notas lavrem escritura com a marca da ilegalidade’” (MatheusTeixeira, https://bit.ly/2KdhTb9, editado).

Enquanto a discussão corre no CNJ, o Diário Catarinense já noticiara (Rafael Martini, 13nov17, editado) “Decisão do TJSC reconhece relacionamento aberto como união estável. A 1ª Câmara Civil, em recurso sob a relatoria do desembargador Jorge Luis Costga Beber, garante o livre ajuste da vida amorosa.

No 1º grau, o pleito foi negado por se tratar de uma relação do tipo aberta, com contatos sexuais consentidos, tanto de um como do outro companheiro, com terceiras pessoas, não obstante a relação tenha perdurado mais de 10 anos.

Mas, para Beber, ‘não compete ao Estado impor modelos familiares preconcebidos, tampouco se imiscuir num modelo de relacionamento afetivo, consensualmente escolhido pelos interessados, despido de preconceitos, onde a fidelidade e a exclusividade foram tratadas de modos diversos’.

‘O conservadorismo do julgador, em sua formação consolidada sob os influxos dos conceitos tradicionais da família monogâmica por excelência, e seus preconceitos com novas formas de relações baseadas no afeto, na união de propósitos, não devem impregnar a decisão judicial que envolva um modelo não ortodoxo’” (Rafael Martini, DC, 13nov17, editado).

Eis o reconhecimento, pelo Judiciário, da ousadia de cultivar outras formas amorosas. São posturas revolucionárias que sacolejam os costumes. Gritos de independência da tradição têm acontecido nas urdiduras sociais e batido às portas do Estado, pedindo os efeitos apaziguadores da chancela oficial.

De quando em vez mentalidades lúcidas e com poder decisório dão o devido cuidado à atualização das liberdades de viver. Os conselheiros do CNJ e os desembargadores da 1ª turma do TJSC ajudam a desamarrar os desejos que habitam o mundo de uma moral já falecida, mas que alguns não querem deixar que se vá.

 

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